Família de Marielle diz que "otimismo voltou", após reunião com o chefe da Polícia Federal
Sobrevivente da emboscada, Fernanda Chaves disse que ser "inadmissível" uma investigação levar cinco anos sem chegar aos mandantes do crime
No fim da tarde desta segunda-feira (13), o superintendente da Polícia Federal do Rio, Leandro Almada, recebeu, na sede da corporação, na Praça Mauá, a família de Marielle Franco, cujo assassinato completa hoje cinco anos ainda como um crime sem solução. Os pais da vereadora, Marinete Silva e Antônio Francisco da Silva Neto, a filha, Luyara Silva, e a viúva, Monica Benicio, ouviram explicações sobre as fases da investigação. Monica, hoje também à frente de um mandato na Câmara do Rio, diz ter sentido reacender a esperança de que a PF irá ajudar a chegar aos mandantes dos assassinatos de Marielle e de seu motorista, Anderson Gomes.
Foi muito positiva a reunião. Saí bastante otimista. Não teve grandes novidades, porque a Polícia Federal acabou de entrar no caso. Mas a postura, o comprometimento e a vontade de resolver são evidentes. Tinha tempo que não ficava animada. O otimismo voltou, disse a viúva ao GLOBO.
Nesta terça-feira, às 14h30, a família ainda tem encontro marcado com o governador Cláudio Castro. Monica revela que andava sem esperanças com o rumo das investigações por parte da Polícia Civil.
As declarações do ministro da Justiça Flávio Dino e a entrada da PF no caso são as únicas coisas que nos dão alguma esperança sobre a resolução do assassinato de minha companheira Marielle Franco. As inúmeras trocas no comando da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) e a inoperância das autoridades estaduais, chegaram ao cúmulo de colocar os familiares há um ano em uma situação vexatória. Estivemos reunidos com o governador Cláudio Castro, que nos apresentou o então Secretário da Polícia Civil, Allan Turnowski, como seu homem de confiança. Allan Turnowski, que alguns meses depois foi preso por envolvimento com o jogo do bicho e teve áudios vazados, onde ele zombava do assassinato de Marielle. Não há apenas morosidade na elucidação desta execução, há desrespeito aos familiares, ao povo do Rio de Janeiro e a democracia, afirmou a viúva de Marielle.
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Em andamento desde 14 de março de 2018, a data do duplo assassinato, as investigações só avançaram no primeiro ano, com as prisões dos suspeitos da execução: os ex-PMs Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, em 12 de março de 2019. Quebras do sigilo de dados dos celulares e dos computadores dos acusados fizeram com que o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPRJ e a Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) conseguissem evidências da participação da dupla na primeira fase.
Descobriu-se, por exemplo, que Lessa pesquisou um endereço no mesmo dia que Marielle foi visitar o ex-marido, no Rio Comprido, num compromisso privado, que não constava na agenda pessoal dela. Ele também pesquisou nas redes a arma usada no crime, segundo peritos: uma metralhadora HK MP5.
"Tempo inadmissível"
Sobrevivente da emboscada contra Marielle, Fernanda Chaves, que era chefe de gabinete, disse que é "inadmissível" um crime levar tanto tempo sem chegar aos mandantes:
Meia década é um tempo inadmissível para um crime desta monta seguir sem respostas. Então, acredito, sim, que a participação federal na investigação nesse momento possa contribuir. Sem dúvida, ver o comprometimento do ministro da Justiça para atuar em colaboração com o caso traz um sopro de esperança. Sobretudo se comparamos o tratamento dado ao caso no governo anterior. Que não só fazia questão de menosprezar este que foi o principal crime político desde a redemocratização do Brasil, como estimulava fakenews e discursos de ódio contra Marielle, disse Fernanda.
Na opinião de Fernanda, até 2021, as investigações estavam "caminhando". Ressaltou ainda a prisão dos acusados, os ex-PMs Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, em 2019.
Inclusive fomos contrários à federalização, na época, defendida repentinamente pelo governo Bolsonaro(então presidente Jair Bolsonaro) após o nome da família dele constar das investigações. As investigações tiveram reflexos no combate ao crime organizado do Rio, através da Operação Intocáveis do MP. No entanto, justamente quando nos preparávamos para um Tribunal do Júri, de súbito, as promotoras tiveram que deixar o caso, estavam sofrendo interferência, o que é gravíssimo, e, de lá para cá, absolutamente nada de novo aconteceu, nem o julgamento de Lessa e Élcio. É um absurdo! Trocaram a promotoria já por duas vezes, uma meia dúzia de delegados, e estamos aqui, pelo quinto ano, perguntando quem mandou matar Marielle?, perguntou a sobrevivente.
Investigação delicada
A ministra da Desigualdade Social, Anielle Franco, irmã da vítima, também está otimista com o apoio da Polícia Federal:
São cinco anos de uma investigação muito delicada. A gente sabe que é um crime que está aí há cinco anos escancarando a fragilidade da democracia brasileira. Mas que, por conta da família, por conta da sociedade civil, por conta de muitas pessoas que se levantaram contra esse crime covarde cruel, a gente tem conseguido se manter firme na luta por Justiça, né? É pela memória da Mari (Marielle), é o mais importante. Acho que a gente tá no momento agora! A gente tem uma cooperação do governo federal! Eu acho que tem coisas importantes acontecendo, porém, eu espero, definitivamente, que a gente não precise esperar mais cinco anos para saber quem mandou matar a Mari, disse a ministra.
A diretora executiva da Anistia Internacional, Jurema Werneck, falou sobre seu desânimo com a demora nas investigações do caso:
Preocupação e desapontamento. A mensagem que é passada é a de impunidade e explicita de forma contundente as falhas do sistema de justiça criminal para a garantia uma investigação imparcial, célere e correta. E de levar os responsáveis à Justiça. O Brasil é o quarto país que mais mata defensores dos Direitos Humanos, e os crimes que são solucionados são raros, se não exceções (casos Chico Mendes e Dorothy). E que ainda assim, precisam de mais respostas, mesmo hoje, comentou Jurem.
Sobre a entrada da Polícia Federal nas investigações, ela não está tão otimista quanto a família de Marielle:
Desde o princípio, as autoridades do Rio afirmam que a Polícia Federal estava colaborando e ainda assim não alcançamos resultados. Existem questões que já poderiam ter sido respondidas, como a questão das munições e da interferência indevida, afirmou.
Carta ao presidente
A viúva de Marielle chegou a mandar uma carta ao presidente Lula. Veja a íntegra da carta:
"Querido presidente Lula, nesse 14 de março de 2023, completam-se 5 anos do crime que assassinou minha esposa Marielle e seu motorista, Anderson. Desde a sua eleição tenho pensado muito sobre o dia de hoje e senti necessidade de lhe escrever. Até novembro de 2022 nós não nutrimos nenhuma esperança de que o Governo Federal pudesse colaborar ou ao menos manifestar apoio às investigações. Foram anos de convivência com chacotas, fake news e todo tipo de assédio e abuso incentivado pela cúpula do poder e seus apoiadores.
Agora, felizmente, estamos em um cenário completamente diferente. Devo lhe confessar que desde o assassinato, eu amanheço contando o tempo. Em parte contando as saudades, mas em outra, como método de denunciar a ausência de respostas. São 1.826 dias. Não ter respostas é não ter como significar a dor. Não sei quem mandou matar, nem o porquê. Não sei exatamente o que houve com a pessoa que mais amei na vida. Dor e dúvidas são constantes.
Foi como passamos os últimos cinco anos, Sr. Presidente. Não foi fácil. Eu cresci numa favela onde justiça não chega nem a ser uma ideia. Ver tantas mudanças na investigação, tantas especulações em meio a um governo fascista, foi desesperador. Ao mesmo tempo que sabia que não se tratava de um crime comum, também por vezes me peguei pensando em quantas famílias convivem com esse sofrimento horroroso, sem ter o aparato que tive para gritar e lutar, durante todos esses anos, nos quatro cantos do planeta, por justiça.
Mas esse desespero mudou desde a sua eleição. Porque a esperança passou a não ser mais só um desejo. É um sentimento possível e coletivo. Existe política para as mulheres, existe valorização da cultura e da ciência, existe direitos humanos! Existe valorização da vida. E, apesar de saber que não é papel do presidente investigar, julgar ou punir quem quer que seja, ter um chefe de Estado que prioriza essa investigação, é um alento de esperança.
Temos hoje, nesse dia tão doloroso, um nome para o povo brasileiro; o Dia Nacional Marielle Franco. Não há justiça sem memória, e sem memória não há produção de verdade. Então lhe agradeço por isso. Assim como agradeço os demais esforços do Ministério da Justiça, na figura do Ministro Flávio Dino; do Ministério dos Direitos Humanos, com Silvio Almeida e, como não poderia deixar de ser, a sinalização contundente da continuidade dotrabalho e legado de Marielle, com a nova Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco. Vejo que o senhor não só apoia a investigação do crime, como tem no conjunto de seu governo, pessoas que se empenham em dar uma resposta a esse caso que chocou o Brasil e o mundo.
Mas a resposta para quem mandou matar Marielle é uma resposta que o Estado deve aos brasileiros. Porque esse crime foi um atentado à democracia e um recado do que se tornou o milicianismo no Rio de Janeiro. Como parlamentar do Rio, não tenho dúvidas de que essa resposta importa muito para desvendar parte da trama de poderes paralelos no Rio de Janeiro, que leva a execução de uma vereadora eleita pelo povo, no Centro da cidade de uma das maiores capitais do Brasil.
É um ataque aos direitos humanos e a tudo que Marielle era, pelo que lutava e representava. Essa luta coletiva por respostas é a luta das mulheres, das pessoas negras e LGBTQIA+, é a luta socialista, é a luta da favela por justiça social e igualdade. “Eu souporque nós somos”, esse é o legado de Marielle. É disso que se trata o nosso clamor por justiça. A certeza de que esse país, cheio de desigualdades, vai deixar um capítulo sórdido, onde o povo é alijado até dos espaços em que alcança poder e notoriedade.
Não seremos esquecidos. Não seremos massacrados e invisibilizados. Há esperança que a justiça traga paz. Uma justiça que briga por reparação. Uma justiça que procure a resposta para que não haja nem mais um ano em que precisamos revisitar essa dor ainda perguntando: Quem Mandou Matar Marielle? Assim espero e anseio e conto com todo o empenho de seu governo.
Que seja breve, MONICA BENICIO".