Firma que foi de secretários de Castro recebeu R$ 2,6 milhões de fornecedora da campanha ao governo
Candidata a deputada e marido também receberam R$ 92 mil de fornecedora
Uma fornecedora contratada nas eleições de 2022 pela campanha do governador do Rio, Cláudio Castro (PL), pagou R$ 2,6 milhões a outra empresa, durante o período eleitoral, que tem ligações com ex-secretários da administração estadual. A trama foi exposta pelo Ministério Público (MP) Eleitoral em um pedido de cassação de Castro, que será julgado na tarde desta quinta-feira pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ).
De acordo com o MP, a Cinqloc Empreendimentos recebeu R$ 4,2 milhões da campanha de Castro para fornecimento de mão de obra terceirizada e cabos eleitorais. Entre o fim de agosto e o início de outubro de 2022, período que coincidiu com a campanha, a Cinqloc repassou R$ 2,6 milhões a outra empresa, a P5 Empreendimentos, que já teve como sócios os irmãos José Mauro Farias Jr. e Rafael Thompson Farias. Ambos ocupavam, à época dos repasses, os postos de secretário de Transformação Digital e de secretário de Governo na gestão Castro, respectivamente.
Com base em quebra de sigilo, os investigadores apontaram que a Cinqloc "só recebeu recursos da campanha" de Castro nesse período, sem nenhum outro contratante.
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Além disso, o MP mostrou ainda que o casal Evandreza Henrique e Fábio Siqueira Lopes de Jesus recebeu, ao todo, R$ 92 mil da Cinqloc no mesmo período. De acordo com a investigação, a Cinqloc foi repassada às vésperas da eleição de 2022 para o nome de Lucia Henrique de Jesus, mãe de Fábio e sogra de Evandreza — que foi candidata a deputada estadual pelo União Brasil naquela eleição.
Rafael Thompson atualmente é presidente da Companhia Municipal de Energia e Iluminação do Rio (Rioluz), cargo para o qual foi nomeado em dezembro pelo prefeito Eduardo Paes (PSD). Procurado, Thompson informou, via assessoria de imprensa, que “desde 2017 não é mais sócio da P5 Soluções” e que não tem “qualquer relação com a atual gestão da empresa”. O GLOBO não conseguiu contato com José Mauro Farias Jr.
Em 2024, quando concorreu a vereador pelo PRD, Thompson chegou a registrar agendas de campanha acompanhado por Evandreza Henrique. Embora ela tampouco figure no quadro societário da P5 Empreendimentos atualmente, o MP apontou que parte dos valores repassados pela Cinqloc à outra empresa foram feitos através de uma chave Pix composta por um email de Evandreza. Segundo a investigação, esses repasses ocorreram entre agosto e outubro de 2022, no período da campanha, e totalizaram R$ 445 mil.
Procurada, Evandreza afirmou que não teve participação, nem recebeu qualquer valor da campanha de Castro. Ela afirmou que era funcionária da P5 Empreendimentos, mas que foi desligada desta empresa em 2020, e que deixou o quadro de sócios da Cinqloc em junho de 2022
“Sobre os valores recebidos da Cinqloc, eles se referem à venda de um veículo da minha propriedade no valor de R$ 63.000,00, realizada no dia 30/08, venda declarada e com registro de transferência realizado a época no Detran conforme legislação em vigor”, afirmou Evandreza.
A Cinqloc afirmou ao GLOBO que prestou serviços "com total eficiência" à campanha de Castro e que a empresa "sempre teve como atividade principal a locação de mão de obra, atendendo inúmeros clientes" desde sua fundação, em 2014.
"Destacamos ainda que, desde 2017, Rafael Thompson e José Mauro Farias Jr. não possuem qualquer vínculo com a empresa. Também é importante mencionar o laudo pericial incluído nos autos, que aponta um equívoco do Ministério Público ao envolver indevidamente empresas idôneas, com trajetória consolidada, em disputas políticas", informou a Cinqloc.
O pedido de cassação apresentado pelo MP, que menciona suspeitas sobre outros sete fornecedores além da Cinqloc, alega que a campanha de Castro realizou "gastos ilícitos", sem a devida comprovação de prestação de serviços. A defesa do governador, por sua vez, chegou a encomendar um "laudo pericial" para atestar que os fornecedores efetivamente prestaram os serviços.
De acordo com as alegações finais do MP, assinadas pela procuradora regional eleitoral Neide Cardoso de Oliveira e pelo procurador substituto Flávio Paixão de Moura Jr., as investigações mostraram que em relação a algumas empresas “sequer existem provas da existência de sede física”, enquanto outras não têm “capacidade operacional para prestarem o serviço” contratado.
O MP aponta ainda que alguns fornecedores “subcontrataram os serviços” contratados pela campanha de Castro, “com indícios de custos recontratados por valores bem menores” do que o pago originalmente pela campanha, um indício de possíveis desvios a intermediários.
Procurado, Castro afirmou, em nota, que sua defesa “já prestou todos os esclarecimentos, e toda prova apresentada demonstrou que não houve qualquer ilegalidade” nos gastos de campanha. O governador observou ainda que suas contas de campanha foram aprovadas pelo TRE-RJ no ano passado.
Em novembro de 2022, a Justiça Eleitoral aprovou as contas de Castro com ressalvas, e determinou a devolução de R$ 223,9 mil aos cofres públicos devido a problemas na prestação de gastos com material impresso e em serviços advocatícios. O MP recorreu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que ainda não analisou o caso.
Em paralelo a isso, o MP ingressou com uma representação especial pedindo o aprofundamento das investigações sobre fornecedores da campanha de Castro. Em dezembro de 2022, um mês após aprovar a prestação de contas do governador, o TRE-RJ autorizou a quebra de sigilo de seis das oito empresas investigadas pelo MP. Os dados obtidos com a quebra de sigilo e com outras diligências serviram de base para o novo pedido de cassação contra Castro e contra o vice-governador Thiago Pampolha (MDB), que começa a ser julgado nesta quinta-feira.