Flávio gera incômodo a aliados de Bolsonaro
Além da indicação do juiz federal Kassio Nunes para o STF, o senador participou, segundo assessores palacianos, de pelo menos duas escolhas para a Justiça Eleitoral
O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) tem influenciado nomeações recentes feitas por Jair Bolsonaro (sem partido), sobretudo no campo jurídico, e gerado insatisfação entre aliados do presidente, cujas sugestões foram ignoradas.
Além da indicação do juiz federal Kassio Nunes para o STF (Supremo Tribunal Federal), o senador participou, segundo assessores palacianos, de pelo menos duas escolhas para a Justiça Eleitoral, além de um cargo no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
Pessoas próximas a Flávio dizem que temas relacionados à Justiça e a agências reguladoras passam pelo senador, que fala com o pai diariamente. De acordo com um auxiliar da família, o filho 01, por exemplo, conversou com todos os nomes indicados antes que o pai escolhesse Augusto Aras para o comando da PGR (Procuradoria-Geral da República), no ano passado.
Ele também gosta de se imiscuir quando o assunto é economia. Conversa frequentemente com os ministros Paulo Guedes (Economia) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional).
Para auxiliares do presidente, Bolsonaro tem se desgastado de maneira desnecessária com aliados de primeira hora para agradar ao filho, que é investigado por suspeita de abrigar em seu gabinete como deputado estadual do Rio de Janeiro um esquema da chamada "rachadinha".
Os nomes sugeridos e aprovados por Flávio foram apelidados no Palácio do Planalto de "indicações do menino".
A última delas foi feita na semana retrasada para a vaga do ministro Celso de Mello, do STF. Kassio foi sugerido inicialmente para um posto no STJ (Superior Tribunal de Justiça), mas foi o senador quem convenceu o pai a indicá-lo para o Supremo, segundo auxiliares do presidente.
Flávio conheceu Kassio cerca de um mês antes da decisão de Bolsonaro e aprovou o magistrado. O episódio desagradou líderes evangélicos, entre eles o pastor Silas Malafaia, que entrou em um embate público com Bolsonaro. O religioso apoiava para o cargo o juiz federal William Douglas dos Santos. O indicado conversou com Flávio mais de uma vez e chegou a ter a simpatia do senador, mas foi refutado pelo presidente.
No mês passado, o presidente também levou em consideração a opinião de Flávio para a escolha do advogado Renato Alves Coelho para o cargo de juiz titular do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal.
Inicialmente, Bolsonaro informou a assessores diretos que já havia assinado a nomeação para o posto de Rafael Freitas de Oliveira, candidato que recebeu mais votos na lista tríplice formada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal.
Após conversa com o filho, no entanto, ele recuou e indicou outro nome para a função, o que desagradou apoiadores do presidente na área jurídica, que já tinham sido informados que ele escolheria Oliveira.
Também em setembro, o presidente escolheu Vitor Marcelo Aranha para uma vaga no Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro. O advogado, como mostrou a Crusoé, é ex-professor do filho de Bolsonaro em um curso de direito o que, na opinião de aliados do presidente, foi determinante para a escolha.
No ano passado, Bolsonaro ainda nomeou para o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) a advogada Lenisa Rodrigues Prado, filha da desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso, que é amiga de Flávio.
O primogênito do presidente é hoje o filho que tem mais influência sobre as decisões do pai, que já manifestou a assessores próximos receio de que as acusações contra ele tenham novas reviravoltas. No final do ano passado, de acordo com um deputado governista, Bolsonaro temia uma possibilidade de prisão.
Flávio vai com frequência ao Palácio da Alvorada, quando aproveita para levar as filhas para ver o avô, e ao Palácio do Planalto, onde participa de reuniões. As participações quase nunca são registradas oficialmente.
Foi o que aconteceu, por exemplo, em 9 de setembro, quando esteve em um encontro que, pelo que foi publicado pela Casa Civil, teve presença apenas do titular da pasta, Walter Braga Netto, e do governador interino do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PSC).
Flávio Bolsonaro também é presença rotineira em reuniões ministeriais, nos encontros para discutir o Renda Cidadã, versão mais atual do programa que o governo quer criar para substituir o Bolsa Família.
A postura do presidente em relação à pandemia do coronavírus foi, por exemplo, influenciada por Flávio. O primogênito sugeriu a Bolsonaro a defesa de que a atividade econômica do país não podia parar por causa da doença.
Desde o início da pandemia do novo coronavírus, o senador vinha dialogando com empresários insatisfeitos com as medidas de isolamento adotadas nos estados.
As reclamações foram sobretudo dos setores de varejo, logístico e agropecuário. Eles ameaçavam demitir funcionários se o isolamento social se prolongasse.
Flávio fez chegar ao pai as queixas. O recado implícito era o de que, caso Bolsonaro não se posicionasse ao lado do setor produtivo, ele corria o risco de perder o apoio de boa parcela dos empresários.
A influência de Flávio também é relatada no Senado, onde ele participa de reuniões de líderes –mesmo sem ter este posto– e fala em nome do governo. É chamado de "senador-ministro" por seus pares.
Em alguns casos, os líderes oficiais do governo recorrem ao filho do presidente, como aconteceu, por exemplo, quando o Senado derrubou o veto presidencial ao reajuste para servidores.
A condição de filho do presidente também alija o senador de algumas discussões como quando, por exemplo, o Legislativo ensaiava como reagir às manifestações de apoiadores de Bolsonaro aos outros Poderes.
A Folha procurou a assessoria do senador, que disse que ele não se manifestaria.