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8 DE JANEIRO

Foragidos pelo 8/1 na Argentina representam 83% dos pedidos de extradição do Brasil ao país vizinho

Segundo as investigações, grupo deixou o país pela fronteira a pé ou de carro e, alegando perseguição política, buscava pedir refúgio ao governo argentino

O maior estrago do 8 de janeiro foi a crença de que, após 21 anos de ditadura, estaríamos vacinados contra o autoritarismo O maior estrago do 8 de janeiro foi a crença de que, após 21 anos de ditadura, estaríamos vacinados contra o autoritarismo  - Foto: Sergio Lima/AFP

Os pedidos que o governo deverá apresentar à Argentina para extraditar os 47 foragidos do 8 de janeiro representam 83% do número de solicitações que o Brasil fez à nação vizinha nos últimos dois anos e meio: 56. Quando o trâmite for formalizado, o país governado por Javier Milei passará para a segunda colocação no ranking dos que mais recebem requisições brasileiras, atrás apenas de Portugal.

No sentido contrário, a Argentina é quem mais faz pedidos ao Brasil para extraditar cidadãos que cometeram crimes: 38 entre 2022 e 24 de maio deste ano. Os dados são do Ministério da Justiça e foram obtidos pelo GLOBO via Lei de Acesso à Informação.

Na terça-feira, o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, disse que a a Argentina tem colaborado para a localização de investigados e condenados pela participação nos atos antidemocráticos.

"Atuamos em uma rede de cooperação internacional. É a polícia conversando com a polícia para tentar localizar essas pessoas que são do interesse do Poder Judiciário", explicou Rodrigues.

Segundo as investigações, esse grupo deixou o país pela fronteira a pé ou de carro e, alegando perseguição política, buscava pedir refúgio ao governo argentino. Além da Argentina, é possível que alguns foragidos também tenham entrado por via terrestre no Uruguai e no Paraguai. Ao todo, 29 alvos já foram incluídos na rede de capturas da Comunidade de Polícias das Américas (Ameripol).

O provável pedido de extradição acontece em meio a um momento delicado entre os dois países, já que a Argentina é comandada por Javier Milei, aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, adversário político de Lula. Apesar da relação ruim, integrantes do governo confiam que a distância não terá influência na posição do governo do país vizinho. De acordo com autoridades brasileiras ouvidas pelo GLOBO, o sinal de que a Argentina está disposta a cooperar com a Polícia Federal foi uma declaração do porta-voz da Casa Rosada, Manuel Adorni. Ele disse que o governo argentino seguirá o que a lei indica, inclusive o repasse de informações ao governo brasileiro.

Na última sexta-feira, a Embaixada do Brasil em Buenos Aires encaminhou à chancelaria argentina um ofício do Supremo Tribunal Federal. A Corte cita uma lista de 143 foragidos do 8 de janeiro, dos quais 47 a PF já tem informações que estão em solo argentino.

Os dois países são signatários do Acordo de Extradição entre os Estados Partes do Mercosul, que foi promulgado por Lula em 2006. O texto prevê que os signatários "obrigam-se a entregar, reciprocamente", pessoas que "se encontrem em seus respectivos territórios e que sejam procuradas pelas autoridades competentes de outro Estado Parte".

O advogado Acácio Miranda da Silva, mestre em Direito Penal Internacional, afirma que, apesar de os processos de extradição serem legislados por tratados ou acordos internacionais, a geopolítica acaba sendo um fator determinante para o aceite e agilidade dessas requisições.

"As regras existem e devem ser seguidas, mas não são tudo. A geopolítica acaba influenciando bastante em todo esse processo"

Pedidos dispararam
Dados do Ministério da Justiça mostram um salto no número de pedidos de extradição no âmbito do governo brasileiro, seja como solicitante ou destinatário da requisição. Em 2023, foram registrados 454, um aumento de 39% em relação a 2022, com 326 pedidos. Especialistas apontam que esse aumento está relacionado à expansão de facções brasileiras em outros países.

Portugal e Estados Unidos, com uma grande quantidade de imigrantes brasileiros, foram os países que mais receberam pedidos de extradição com origem no Brasil. Eles são seguidos por Paraguai, Argentina e Uruguai.

Tráfico de drogas, homicídios, roubo e extorsão e organização criminosa são a maioria entre os crimes relacionados aos pedidos de extradição feitos pelo governo brasileiro a outros países, e somam cerca de 54% desses registros nos últimos anos.

Especialista no tema e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Berlinque Cantelmo conta que o PCC tem expandido suas operações pelo mundo. Na Europa, por exemplo, países como Portugal e Espanha são usados como portas de entradas para o tráfico de drogas. Como O GLOBO mostrou, a facção já atua em 24 países e envia droga aos cinco continentes.

"No Paraguai, a atuação é fortemente ligada ao tráfico de drogas e ao contrabando de armas. A região de fronteira entre o Brasil e o Paraguai é estratégica para esses grupos devido à facilidade de movimentação de mercadorias ilícitas. Além disso, o Paraguai é um grande produtor de maconha e um ponto de trânsito para a cocaína proveniente da Bolívia e do Peru, o que o torna um local crucial para as operações do narcotráfico", observa.

Elvis Riola de Andrade, o Cantor, membro do PCC, foi um dos 683 alvos de pedidos de extradição do governo desde 2022. Ele foi preso pela primeira vez no Brasil, em 2010, investigado pela morte de um agente penitenciário a mando da cúpula da facção. Cantor ficou preso por aproximadamente um ano, até seguir para o regime semiaberto.

O brasileiro foi condenado em 2021 pelo crime e se tornou foragido da Justiça desde então, até ser preso na Bolívia em janeiro de 2024 e extraditado ao Brasil no mesmo mês. Atualmente, ele responde em liberdade após uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de março deste ano.

Enquanto isso, no caso dos pedidos feitos por outros países ao governo brasileiro, Argentina, Uruguai, Portugal, Itália e Peru são os que mais solicitaram a extradição de cidadãos foragidos ou presos no Brasil. Tráfico de drogas, homicídios, estelionato e estupro são a maioria (53%) dos crimes relacionados a essas solicitações de cooperação internacional.

Máfia italiana no Brasil
A expansão internacional do crime organizado brasileiro também trouxe mafiosos estrangeiros ao Brasil. O italiano Rocco Morabito, integrante da máfia italiana 'Ndrangheta, foi preso em João Pessoa em maio de 2021.

Conforme divulgado pela Europol (Polícia Europeia), o mafioso negociou uma entrega de armas de guerra ao PCC. O arsenal seria fornecido como forma de pagamento por carregamentos de cocaína enviados pela facção paulista à Europa. Procurado desde 1995 pela Justiça italiana, Morabito foi extraditado ao seu país natal em 2022. Em comunicado à imprensa, a Interpol afirmou que o mafioso que estava no Brasil era "um dos fugitivos mais procurados do mundo".

Segundo Berlinque Cantelmo, as organizações criminosas pelo mundo têm formado alianças entre si para facilitar suas operações de tráfico. O crescimento do poder de facções brasileiras, como o PCC, e o fortalecimento de laços com demais organizações internacionais fazem com que o Brasil seja uma rota para traficantes internacional foragidos.

"Os criminosos envolvidos com o tráfico de drogas frequentemente escolhem países para fugir baseados em vários fatores estratégicos, incluindo a presença de infraestrutura de organizações criminosas já estabelecida".

Para se realizar a extradição entre dois países, é necessário que os governos tenham firmado um compromisso para delimitar as regras do procedimento. Atualmente, o Brasil é signatário de mais de 30 acordos internacionais relacionados à extradição, com alguns deles envolvendo dois ou mais países.

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