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PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

General apontado como interlocutor de Bolsonaro com golpistas pediu intervenção para 'segurar a PF'

Mário Fernandes teria sido responsável por plano para "neutralizar" autoridades

General apontado como interlocutor de Bolsonaro com golpistas pediu intervenção para 'segurar a PF';General apontado como interlocutor de Bolsonaro com golpistas pediu intervenção para 'segurar a PF'; - Foto: Reprodução/Youtube

Apontado na denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) como um dos mais radicais incentivadores da tentativa de golpe, além de interlocutor de Jair Bolsonaro junto aos participantes do 8 de janeiro, o general Mário Fernandes solicitou intervenção junto à Polícia Federal para evitar que caminhoneiros ligados ao agronegócio fossem retirados da frente do QG do Exército em Brasília.

Em mensagem encaminhada ao ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto, interceptada pela PF, Fernandes solicitou: “se o senhor puder intervir junto ao presidente, falar com o ministro Anderson, porra, segurar a PF, pô… Para esse cumprimento de ordem. Conversar com o próprio CMP (comandante militar do Planalto) ou com o comandante do Exército, para gente segurar, proteger esses caras ali, né?”

Fernandes procurou Braga Netto atendendo a um pedido do caminhoneiro mato-grossense Lucas Rotilli Durlo, conhecido como Lucão, que estava desconfiado de que havia uma ordem judicial para retirar dezenas de caminhões da área do Exército em Brasília. Em 8 de dezembro de 2022, Lucão encaminhou a Fernandes uma mensagem: “Vê para mim aí o que que o senhor consegue levantar aí se eles têm esse poder de autoridade de poder entrar dentro do Quartel-General aqui pra mexer com os caminhões. Tá bom?”

Fernandes, por sua vez, procurou Braga Netto. Segundo a PGR, os diálogos “não deixam dúvidas do suporte fornecido pelo entorno de Jair Bolsonaro às manifestações antidemocráticas, até mesmo com o uso indevido da estrutura do Estado”. No mesmo dia que procurou Braga Netto, Fernandes acionou o Comandante Militar do Planalto, general Gustavo Henrique Dutra de Menezes. “Não sei se você já tá ciente e no apoio que nós temos dado tanto ao pessoal do agro como aos caminhoneiros que estão aí na, na manifestação. (...) Alguns caminhoneiros que conhecem o presidente fizeram contato”, escreveu.

Ex-número dois da Secretaria-Geral da Presidência, Fernandes é apontado pela PGR como responsável pelo pelo plano para “neutralizar” autoridades públicas, incluindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice Geraldo Alckmin e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre Moraes.

“À estratégia de enfraquecer as instituições pelo discurso seguia-se a de, confiada no aval conquistado da opinião pública, agir materialmente, com sequestros, prisões e mortes, com interferências físicas sobre os Poderes”, diz trecho da denúncia apresentada por Paulo Gonet.

O plano, denominado de "Punhal Verde e Amarelo" foi impresso no Palácio do Planalto e previa, após os assassinatos, a instituição do "Gabinete Institucional de Gestão da Crise", que deveria ser ativado em 16 de dezembro de 2022. Fernandes seria assessor estratégico neste gabinete que passaria a funcionar após a execução do plano.

"Se trata, de fato, de um dos militares mais radicais que integrava o mencionado núcleo militar, fato que foi ressaltado pelo colaborador Mauro César Barbosa Cid em seu acordo de colaboração premiada”, diz o relatório da PF.

Fernandes era secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência quando imprimiu, no Palácio do Planalto, o planejamento operacional do golpe. Segundo a PF, era ele quem organizava a operação para monitorar Moraes. De acordo com o Portal da Transparência, Fernandes tinha em 2022 cargo comissionado executivo “11.8”, o que corresponde atualmente a um salário de R$ 18.887. Além disso, ele é militar da reserva desde 2020. A remuneração militar bruta dele de agosto desse ano foi de R$ 33.223

Ele foi também assessor do deputado Eduardo Pazuello (PL-RJ), ex-ministro de Bolsonaro. Em nota, Pazuello afirmou que Fernandes "trabalhou em seu gabinete como assessor de 28 de março de 2023 a 04 de março de 2024, quando foi identificado seu impedimento para exercer o cargo". Pazuello disse que só tomou conhecimento da operação por meio da imprensa, mas "reafirma sua crença nas instituições do país e na idoneidade do General Mário Fernandes, na certeza de que logo tudo será esclarecido". Fernandes exercia um “cargo de Natureza Especial", segundo a transparência da Câmara, o que lhe daria um salário aproximado de R$ 15.600.

Em reunião anterior às eleições de 2022, com a presença do então presidente Jair Bolsonaro e outros integrantes do primeiro escalão do governo, Fernandes defendeu a necessidade de tomar medidas antes das eleições, questionando se seria necessário um novo golpe, como o de 1964. A PF identificou também a presença dele em manifestações que pregavam a ruptura democrática após a derrota de Bolsonaro para Lula.

"As informações obtidas indicam que Mário Fernandes atuou no planejamento, coordenação e execução de atos antidemocráticos, inclusive com registros de frequência ao acampamento montado nas adjacências do Quartel General do Exército e, ainda, de relação direta com manifestantes radicais que atuaram no período pós-eleições de 2022”, diz a PF.

O general teria ainda falado diretamente com Bolsonaro sobre sua preocupação dos atos golpistas estarem perdendo a força

"No dia 08 de dezembro de 2022, Fernandes indica ter conversado pessoalmente com o então presidente Jair Bolsonaro. Além disso, mostra grande preocupação com os movimentos antidemocráticos que estavam nas ruas, principalmente com a possibilidade de perder o controle sobre a massa de pessoas envolvidas nas manifestações”, diz a PF

Fernandes também tinha linha direta com o general Luiz Eduardo Ramos, ex-chefe da Casa Civil. Há registros de áudios enviados por Fernandes a ele entre os dias 15 e 16 de dezembro. No primeiro, ele pede que Ramos “blinde o presidente [Bolsonaro]” contra qualquer desestímulo. Já mais para o final de dezembro daquele ano, Fernandes parecia frustrado com as Forças Armadas, segundo a PF.

Fernandes é filho de militar e de professora. Ele nasceu em Brasília (DF) e entrou para o Exército Brasileiro em 26 de fevereiro de 1983, na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Assim como Bolsonaro, ele também é paraquedista. Segundo informações divulgadas pelo Exército, ele é doutor em ciência e arte da guerra na Escola de Comando e Estado- Maior e já recebeu diversas condecorações da corporação.

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