Global é investigada sob suspeita de propina a políticos por contrato da Petrobras na gestão Dilma
As atenções iniciais do Ministério Público e da PF estavam nas operações de lavagem. Agora, os investigadores buscam descobrir se o dinheiro circulado no esquema foi usado também para subornar agentes públicos e políticos
O Ministério Público Federal e a Polícia Federal em São Paulo investigam se a empresa Global, alvo da CPI da Covid e de operação da PF nesta quinta-feira (30), repassou propina a operadores do MDB para obter um contrato de fornecimento de remédios para funcionários da Petrobras.
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O principal indício neste caso contra a Global e seu dono, Francisco Emerson Maximiano, tem origem em um acordo de delação premiada assinado em 2019 por dois advogados, Luiz Carlos D'Afonseca Claro e seu filho Gabriel Claro.
Eles apontam um esquema de lavagem de dinheiro com a utilização de laranjas e empresas de fachada.
Os Claros afirmaram também ao Ministério Público que seu escritório ajudou a fornecer dinheiro vivo a operadores do MDB de 2014 a 2016.
Essa movimentação financeira que teria como um de seus objetivos saldar dívidas do ex-senador Romero Jucá (RR) e do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (RJ), ambos emedebistas. O esquema, segundo Gabriel, movimentou de R$ 3 milhões a R$ 4 milhões.
As atenções iniciais do Ministério Público e da PF estavam nas operações de lavagem. Agora, os investigadores buscam descobrir se o dinheiro circulado no esquema foi usado também para subornar agentes públicos e políticos.
Segundo as apurações, Luiz Carlos Claro relatou ter ouvido de operadores que os valores relacionados à Global tinham ligação com um contrato da Petrobras.
O foco dos procuradores e policiais é sobre um contrato no valor de R$ 550 milhões assinado em março de 2015 entre a Petrobras e a Global que previa a prestação de serviços de gerenciamento do fornecimento e distribuição de medicamentos aos funcionários da estatal.
Chamou a atenção dos investigadores o fato de uma das operações financeiras em favor da Global ter data próxima à da assinatura do contrato milionário.
As autoridades apuram se esse dinheiro teve relação com indicações políticas na Petrobras, ainda no governo de Dilma Rousseff (PT), para facilitar a contratação da Global.
Em seis meses, a Petrobras decidiu encerrar o contrato, afirmando que a Global estava prestando os serviços de forma precária.
Uma das irregularidades apontadas foi o "bloqueio do sistema de autorização utilizado pelas farmácias credenciadas em diferentes horários do dia, impedindo a utilização do programa".
Em janeiro passado, o comitê de integridade da Petrobras fixou uma multa de R$ 2,3 milhões contra a Global e proibiu a empresa de assinar contratos com estatal de petróleo pelo prazo de dois anos.
Em seus depoimentos, Gabriel afirmou que o esquema de lavagem de dinheiro envolveu até o comércio de sucata, atividade que não guarda nenhuma relação com a empresa da área de saúde.
A Global, segundo Gabriel, fez as compras da sucata em valores superfaturados, em um negócio forjado que teria como verdadeiro objetivo a geração de dinheiro em espécie.
Em um trecho de sua delação, ele descreveu como a Global simulou compras para gerar dinheiro em espécie, que foi distribuído para um indicado de Milton Lyra e para Daniel Peixoto, apontados como operadores do MDB.
Os delatores afirmam que, inicialmente, Lyra procurou o empresário Marco Antonio Carbonari para operacionalizar, por meio das empresas de Maximiano, pagamentos que seriam devidos a Romero Jucá e Eduardo Cunha.
Carbonari foi vice-presidente de relações institucionais da Xis Internet Fibra, empresa da qual Maximiano é sócio.
A Xis Internet Fibra foi mencionada na CPI da Covid pois Maximiano fez uma reunião com o presidente do BNDES, Gustavo Montezano, que contou com a participação do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), em outubro de 2020.
Em seu depoimento à CPI, Maximiano afirmou que a conversa teve como tema um projeto de internet para o país.
De acordo com Gabriel, a IMA do Brasil, empresa de Carbonari, é que foi a firma que tinha em estoque equipamentos eletrônicos antigos, sem valor comercial, como celulares danificados, e comercializou a sucata para uma companhia indicada pelos Claro. Em seguida, essa empresa revendeu os produtos, a preços superfaturados, para a Global. O escritório dos Claro ficou responsável por intermediar os contatos com doleiros e de entregar os valores em espécie que seriam destinados a Lyra. A delação aponta que o dinheiro do suposto operador do MDB foi entregue em um hotel de São Paulo. Além disso, foram pagas despesas de táxi aéreo.
Gabriel é filho de Luiz Carlos, e ambos foram presos preventivamente em 2018, no âmbito da Operação Descarte, e saíram da prisão em agosto de 2019. No mesmo ano, firmaram delação premiada que tem sido usada como subsídio para as fases da operação.
Luiz Carlos também é cantor e usa o nome artístico de Lulli Chiaro. Ele compôs um dos primeiros sucessos de Ronnie Von (a marchinha "Jardim de Infância") e a abertura da novela Escrava Mãe (TV Record).
O escritório dos dois estava sob suspeita de envolvimento em repasses de empresas paulistas a um auditor da Receita Federal, em um esquema de fraudes em empresas públicas de Minas Gerais, como a Cemig (companhia energética) e Codemig (companhia de desenvolvimento), e ainda em irregularidades no banco BMG.
A PF disse, em representação feita em fase anterior da Descarte, que os Claro eram responsáveis pela administração de empresas consideradas "noteiras", que tinham como propósito principal fornecer notas fiscais de serviços fictícios.
"[Em] algumas outras empresas, apesar de não serem responsáveis, os Claro possuíam certa ascendência ou parceria para que fornecessem a documentação necessária para os crimes investigados", segundo o documento.
A Precisa é investigada pela suspeita de irregularidades na intermediação de um contrato no valor de R$ 1,6 bilhão do Ministério da Saúde para compra de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin.
O preço de cada dose foi de US$ 15, o valor mais caro entre os adquiridos pelo ministério. As suspeitas levantadas pela CPI da Covid levaram à rescisão do contrato. Francisco Emerson Maximiano e a Global são sócios da Precisa.
A CPI apura as relações entre Maximiano e o deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo Bolsonaro na Câmara.
Em 2018, durante a gestão de Barros no Ministério da Saúde, no governo de Michel Temer, a Global assinou um contrato de fornecimento de remédios raros.
A empresa obteve um adiantamento de R$ 20 milhões, mas não entregou os medicamentos, e é investigada pela CPI, pelo Ministério Público e também pela Polícia Federal, na operação "Pés de Barro".
Seis ex-funcionários que trabalharam na última década nas firmas de Maximiano relataram à Folha, sob a condição de anonimato, uma rotina de pagamento de salários em dinheiro vivo, grande circulação de malas, galpão sempre vazio, tempo ocioso para "ficar assistindo Netflix" no trabalho e figuração de diretores em dias de fiscalização.
Os trabalhadores também afirmaram não ter visto nenhum produto médico ou remédio no tempo em que atuaram nos escritórios das companhias. Eles dizem que as situações atípicas deixavam o ambiente pesado, pelo temor de estarem atuando em firmas de fachada dedicadas à lavagem de dinheiro.
Maximiano e as empresas negam a prática de quaisquer irregularidades em contratos do Ministério da Saúde.
A defesa do empresário afirma que todas as contas das firmas do grupo foram auditadas e aprovadas. Segundo ela, a título de exemplo, só a Precisa Medicamento emitiu mais de 400 mil notas fiscais referentes às vendas dos últimos anos, "muito antes da pandemia, seja para clientes privados ou públicos, em diversos estados do país".
Segundo a defesa, "todas as operações financeiras realizadas pelo grupo foram legais e seguiram todos os critérios de integridade e compliance, com serviços prestados e comprovados".
O deputado Ricardo Barros nega o envolvimento em quaisquer irregularidades no Ministério da Saúde ou em contratos públicos.
Em manifestações anteriores, Milton Lyra negou ser operador do MDB ou ter participado de quaisquer esquemas criminosos.
Procurada, a defesa de Maximiano e da Global afirma que "chega a ser surreal repetir a mesma busca e apreensão pela terceira vez em 13 dias, dessa vez para ir atrás de documentos sobre o que delatores disseram que teria acontecido sete anos atrás".
"Não há qualquer contemporaneidade ou qualquer elemento mínimo para justificar essa operação. O que há, sim, é um oportunismo, graças ao retorno da pirotecnia em torno das operações policiais que, em tempos racionais, jamais seriam deferidas pelo Poder Judiciário, ante a manifesta ausência de fundamentação", afirmam, em nota, os advogados Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso.
As defesas de Romero Jucá e de Eduardo Cunha ainda não se manifestaram.
Procurada, a defesa de Milton Lyra afirma que não irá se manifestar.