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Gonet assume PGR com trânsito no meio político e imagem de "conservador raiz"

Escolhido por Lula, novo procurador foi um dos protagonistas da ação no TSE que tornou Bolsonaro inelegível

Paulo GonetPaulo Gonet - Foto: Lula Marques/Agência Brasil

Aprovado pelo Senado como novo procurador-geral da República após sua indicação pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Paulo Gonet chega ao cargo mais alto do Ministério Público Federal (MPF), aos 62 anos de idade, apadrinhado por nomes de peso do meio jurídico, como os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

É também seu trânsito no meio político um dos fatores que ajudam a explicar por que Gonet se manteve, nos bastidores, como favorito ao longo de toda a corrida pela PGR e acabou confirmado no posto.

Por outro lado, o procurador, que já foi chamado de “conservador raiz” e elogiado pela deputada bolsonarista Bia Kicis (PL-DF), também assume sob desconfiança de setores da esquerda, inclusive do PT, partido de Lula, que preferiam o nome de Antônio Carlos Bigonha para o cargo. Artigos e posicionamentos passados de Gonet mais alinhados ao conservadorismo abasteceram as críticas — dentro e fora das redes sociais — à decisão do petista de nomeá-lo e foram abordados ao longo da sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no Senado.

Gonet tem 36 anos de trajetória no MPF, e alcançou o topo da carreira, o posto de subprocurador-geral, em 2012. Como vice-procurador-geral Eleitoral, função que desempenhou até setembro, ainda na gestão de Augusto Aras, teve protagonismo no processo que tornou o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível por oitos anos por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), presidido por Moraes.

Na ocasião, Gonet deu um parecer contundente pela condenação do ex-presidente. A ação mirou a reunião com embaixadores na qual, em 2022, Bolsonaro fez ataques sem fundamento às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral.
 

Gonet também se mostrou nos últimos anos alinhado à visão de Moraes e de outros ministros da Corte sobre o tema das fake news, que permearam as eleições de 2022. Em entrevistas, o agora procurador-geral manifestou preocupação e ressaltou a importância de medidas tomadas pelo poder público. Também enfatizou a necessidade de regulação das plataformas digitais, tema caro ao ministro do STF.

Na sabatina, o novo PGR chegou a afirmar que a liberdade de expressão "não é plena" e pode ser "modulada" em determinadas situações. Também evitou perguntas de bolsonaristas que pediram para se posicionar sobre o inquérito das fake news, aberto pelo então presidente do STF, Dias Toffoli, para apurar ataques à Corte e seus ministros, caso no qual Moraes é o relator.

Como mostrou a coluna de Malu Gaspar, embora tenha dito não ter conhecimento pleno sobre o inquérito, Gonet já havia se manifestado de forma favorável a Bolsonaro ao analisar provas do caso, em uma ação que poderia levar à cassação do mandato do então presidente da República no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2021.

Mortos e desaparecidos na ditadura
Apesar do papel desempenhado na inelegibilidade de Bolsonaro, o histórico mais conservador em pautas de costumes gerou incômodo entre aliados de Lula, ao mesmo tempo, que ajudou o integrante do Ministério Público a angariar apoio de integrantes da oposição. Um dos posicionamentos passados de Gonet que vieram à tona nos últimos meses diz respeito à ditadura militar.

Nos anos 1990, como representante do MPF na Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, o novo PGR se manifestou contra a responsabilização do Estado brasileiro pela morte de parte dos opositores da ditadura militar, como os guerrilheiros Carlos Marighella e Carlos Lamarca e a estilista Zuzu Angel. Nesses processos, Gonet acompanhou a posição do representante das Forças Armadas, general Oswaldo Pereira Gomes, mas foi voto vencido.

O cerne da sua argumentação era que as vítimas não haviam morrido em instalações policiais. A lei que criou a comissão, sancionada no governo Fernando Henrique Cardoso, estabeleceu que seu objetivo era apurar assassinatos e desaparecimentos com motivações políticas entre 1961 e 1979 e “mortes não naturais” ocorridas em “dependências policiais ou assemelhadas” de pessoas que tenham participado ou sido acusadas de participação em atividades políticas.

Prevaleceu, porém, a tese de que as mortes em “dependências assemelhadas” não se limitariam a estabelecimentos físicos e se aplicariam também a contextos jurídicos e políticos nos quais as vítimas estavam sob a custódia ou o domínio dos agentes da repressão. O posicionamento do representante do MPF rendeu, na época, críticas do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e de ONGs como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch.

Valores conservadores
Gonet, que é católico, também publicou, em 2011, um artigo no qual se disse contra a descriminalização do aborto e usa referências conservadoras, como jurista Ives Gandra Martins. Ele sustenta que a vida humana deve ser considerada desde a concepção, o que incluiria embriões usados em pesquisas. O tema é atualmente discutido no STF para casos em que há até a 12ª semana de gestação.

Em 2019, embora não tenha analisado o mérito do caso, Gonet também assinou um parecer da PGR na qual se manifestou contra um pedido do Conselho Federal de Psicologia para paralisar uma ação popular que propunha a “cura gay”.

Na sabatina, o novo PGR foi pressionado pelo senador Fabiano Contarato (PT-ES) ao ser questionado sobre temas como o casamento gay, a adoção de crianças por casais homoafetivos e seu posicionamento em um artigo de 2002 sobre as cotas raciais, em que aborda a “discriminação reversa”, sob a perspectiva da experiência de outros países. O novo procurador-geral disse que o texto foi tirado de contexto e afirmou que as ações afirmativas são instrumento legítimo e justificado, mas defendeu prazo para a medida. Sobre o direito ao casamento, evitou responder diretamente sobre o tema.

— Seria tremendamente injusto que duas pessoas que vivem em conjunto, que vivem juntas, que vivem como se fosse uma unidade familiar, não tivessem nenhum reconhecimento desse fato — respondeu ao dar sua opinião pessoal sobre o casamento homoafetivo, sem usar a palavra casamento.

Gonet declarou ainda não ser contra a criminalização da homofobia, equiparada ao racismo pelo Supremo em 2019. Ele disse que nunca escreveu sobre o assunto e que fez comentários em sala de aula sobre a avaliação de que "o princípio da legalidade em matéria penal poderia estar estressado com uma extensão do conceito de racismo para englobar a homofobia". Ele ressaltou que, como jurista, não poderia ser contra o que já foi decidido pelo STF.

O alinhamento a pautas caras à base bolsonarista já havia levado Gonet a ser cotado para comandar a PGR durante o governo Bolsonaro, com quem o agora escolhido por Lula chegou a se encontrar em 2019, levado por Bia Kicis — de quem foi colega no curso de Direito da Universidade de Brasília (UnB) —, e pelo ministro Walton Alencar, do Tribunal de Contas da União (TCU), que o apoiavam para o cargo. Bolsonaro, porém, optou por Augusto Aras.

Além das questões sobre a pauta de costumes, sua escolha para a PGR teve forte oposição da presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PT-PR), por sua atuação durante a Operação Lava-Jato. Em 2016, Gonet defendeu a abertura de ação penal contra a parlamentar e seu ex-marido, Paulo Bernardo, em um caso que acabou arquivado na Segunda Turma do Supremo, em 2018. Os ministros entenderam que o MPF não conseguiu provar as acusações contra ambos.

Apesar do posicionamento no processo, no auge da Lava-Jato, Gonet é visto no meio jurídico como "garantista", vertente que prioriza a presunção de inocência em decisões penais. É essa a expectativa da classe política. Ele assume o mandato de procurador-geral no lugar de Aras, que era visto do mesmo modo. O ex-procurador teve, por exemplo, sua gestão marcada por arquivamentos e acumulou críticas pelo seu alinhamento e leniência com Bolsonaro.

Sócio de Gilmar
A proximidade com Gilmar Mendes, com quem já publicou um livro e artigos acadêmicos, é outro aspecto que marca a carreira do procurador-geral. Ambos foram sócios no Instituto de Direito Público (IDP), faculdade que pertence ao magistrado e oferece cursos de graduação e pós-graduação nas áreas de Direito, Administração Pública e Economia. Gonet vendeu suas cotas no negócio em 2017.

Ele também foi professor de graduação, mestrado e doutorado no IDP. Nascido no Rio de Janeiro, Gonet é doutor em Direito, Estado e Constituição pela UNB, e mestre em Direitos Humanos pela Universidade de Essex, no Reino Unido.

No MPF, o novo PGR já foi secretário da área constitucional da procuradoria durante a gestão de Raquel Dodge, antecessora de Aras. Ele também atuou no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Sua passagem pelo gabinete do então ministro do STF Francisco Rezek , no primeiro de seus dois mandatos no tribunal, nos anos 1980, também foi enfatizada pelo próprio Gonet em seu discurso no Senado.

A escolha de Gonet para o cargo expressa a opção do presidente Lula por ignorar a lista tríplice elaborada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Em seus dois mandatos anteriores, o petista havia escolhido os primeiros colocados na votação interna dos procuradores.

Embora não tenha sido eleito para a lista, Gonet recebeu amplo apoio da categoria, inclusive da ANPR, que destacou, em nota pública, que sua trajetória intelectual e profissional "certamente o qualifica para o exercício da função, com a independência que o cargo exige e com o olhar na defesa dos valores essenciais da nossa Constituição".

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