Gonet pede que suspensão de multa da J&F vá ao plenário do STF para evitar Turma de Toffoli
PGR alega que o processo não guarda relação com a operação Lava-Jato e deveria passar à relatoria de outro ministro
Ao apresentar um recurso contra a anulação da multa bilionária prevista no acordo de leniência da J&F, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, fez críticas à decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli, autor do despacho, e argumentou que o processo deve ser analisado pelo plenário da Corte, o que pode representar uma derrota para o magistrado. A tendência, contudo, é que o caso vá para a Segunda Turma, que ao longo dos últimos anos impôs uma série de reveses à Operação Lava-Jato.
Na peça apresentada ao tribunal, Gonet alega que o processo em questão não guarda relação com a Lava-Jato, mas com outra operação, a Greenfield e, portanto, deveria passar à relatoria de um outro ministro. O entendimento, porém, enfrenta resistências no Supremo.
“Não é dado à empresa invocar o contexto das ilegalidades verificadas pelo STF na Operação Lava-Jato para se isentar das suas obrigações financeiras decorrentes de acordo de leniência celebrado em juízo diverso, no âmbito da Operação Greenfield”, pontuou Gonet.
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“Argumento superado”
Um dos argumentos que fazem com que a decisão de Toffoli sustente a conexão entre a Lava-Jato e a Greenfield está no fato de que o nome da Lava-Jato é mencionado na primeira página do acordo de leniência da J&F. Por isso, a alegada ausência de prevenção de Toffoli para o caso, defendida pela PGR, é vista por integrantes do STF como um argumento já superado.
O procurador-geral também afirma que a decisão do ministro pode causar um “grave risco ao sistema previdenciário complementar brasileiro”. Segundo o procurador-geral da República, caso prevaleça o entendimento, haverá um “vultoso prejuízo” a dois fundos de pensão: a Funcef, da Caixa Econômica Federal, e a Petros, da Petrobras. Isso porque cada um desses dois institutos receberia cerca de R$ 2 bilhões, do total de R$ 10,3 bilhões da multa.
Em outro trecho em que questiona o despacho de Toffoli, o PGR sustenta que não há provas de que o acordo de leniência foi fechado por meio de coação contra os donos da empresa, os irmãos Joesley e Wesley Batista. Ao suspender o pagamento da multa, o relator afirmou que “há no mínimo dúvida razoável sobre o requisito da voluntariedade da requerente ao firmar o acordo”.
“Não há como, de pronto, deduzir que o acordo entabulado esteja intrinsecamente viciado a partir de ilações e conjecturas abstratas sobre coação e vício da autonomia da vontade negocial — argumentos que estão desprovidos de comprovação e se referem a fatos que não se deram no contexto da Operação Lava Jato”, escreveu.
Foi a partir da diferenciação da Lava-Jato que o procurador-geral da República pediu que seu recurso seja apreciado pelo plenário do Supremo, onde estão reunidos os 11 ministros da Corte. Ele também costuma citar a interlocutores de sua confiança a “seriedade da matéria”. Na avaliação de ministros do STF ouvidos pelo Globo, porém, a ida do caso para o plenário é uma possibilidade mais remota.
A questão da J&F está atrelada a uma primeira ação, apresentada em 2020, pela defesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que à época era comandada por Cristiano Zanin, hoje ministro do Supremo. Este processo sempre teve como foro competente a Segunda Turma, pelo fato de ter como relator inicial o ministro (agora aposentado) Ricardo Lewandowski. Somente em 2023, com a aposentadoria de Lewandowski, o caso parou nas mãos de Toffoli, que também integra o colegiado.
Além de Toffoli, integram a Segunda Turma os ministros André Mendonça, Edson Fachin, Nunes Marques e Gilmar Mendes, decano do tribunal. Ao longo dos últimos anos, o colegiado impôs, por maioria de votos, duros reveses à Operação Lava-Jato. Embora o histórico indique um cenário desfavorável para Gonet no colegiado, não é possível prever que a Turma vá referendar o entendimento de Toffoli para este caso.
Ainda assim, o movimento do PGR para tirar a ação da Segunda Turma visa a se prevenir de uma possível derrota. Pela composição atual, há maioria de ministros contrários à Lava-Jato: Toffoli, Nunes Marques e Gilmar Mendes. Do outro lado, ficam Edson Fachin e André Mendonça.
Na análise de agora, interlocutores de ministros da Corte apontam um fator que pode mudar a correlação de forças: o governo, que perde arrecadação com a suspensão da multa, defender junto aos magistrados a reversão da decisão de Toffoli. Esta hipótese é considerada mais remota, já que o símbolo político de enfraquecimento da operação é mais forte do que um argumento fiscal nesta situação.
Dentro do tribunal, o caminho de ida do recurso da PGR para o plenário é considerado possível a partir de André Mendonça. O ministro é o relator da chamada “ADPF das leniências”, ação mencionada por Gonet em seu recurso. O PGR pediu a Toffoli para que o seu recurso seja julgado em conjunto com essa outra ação, que já tramita no plenário da Corte.
Em um eventual julgamento pela Segunda Turma, por exemplo, Mendonça poderá, em uma questão de ordem, apontar a semelhança dos casos e pedir que as matérias sejam julgadas pelo conjunto dos 11 ministros. Ou pode pedir vista do processo e fazer com que os dois casos sejam julgados juntos no plenário.
Nessa hipótese, a correlação de forças é diferente, e pode impor um revés a Toffoli. A avaliação nos bastidores é a de que entre os 11 ministros, mesmo com Flávio Dino entre eles, há maioria de votos para reformar a decisão do colega e manter a aplicação das multas impostas à empresa. Uma eventual de declaração de impedimento de Cristiano Zanin, autor da ação inicial, não é descartada.
Parecer ficou de lado
Como mostrou a colunista Malu Gaspar, do GLOBO, Toffoli ignorou um parecer da PGR ao determinar que fossem enviados à Corte documentos do bilionário acordo de leniência da J&F para investigar a atuação da ONG Transparência Internacional.
Em parecer de 18 de outubro de 2023, a então procuradora-geral da República, Elizeta Ramos, foi contra o envio ao ministro do Supremo do pedido apresentado pelo deputado Rui Falcão (PT-SP), aliado do presidente Lula, para apurar a suposta “obscuridade” nas relações entre o MPF e a Transparência Internacional.
O parecer consta da íntegra do processo em que Toffoli autorizou a investigação da ONG. Na peça, ela destacou que o pedido de Rui Falcão trata sobre o acordo de leniência da J&F firmado no âmbito da Operação Greenfield, e não na reclamação que está sob a relatoria de Toffoli e trata do caso Odebrecht.
“Para além disso, os envolvidos nos acordos, bem como as operações policiais e até mesmo as entidades envolvidas nos acordos de leniência são distintos e, a princípio, não possuem prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal”, concluiu Elizeta Ramos.