Governador do Amazonas vira réu por fraude na compra de respiradores
STJ aceitou denúncia da PGR contra Wilson Lima acusado pelos crimes de organização criminosa, peculato, fraude a licitações e embaraço às investigações
Por unanimidade, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aceitou nesta segunda-feira denúncia por organização criminosa, peculato, fraude a licitações e embaraço às investigações na compra de respiradores para o combate à Covid-19 contra o governador o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), e outras 13 pessoas, entre elas o vice-governador do estado.
Com isso, Lima e os demais acusados passam à condição de réus. Em uma sessão de julgamentos que durou cerca de seis horas, os ministros ouviram a manifestação da PGR, feita pela subprocuradora-geral da República Lindôra Maria Araújo, e dos advogados dos investigados.
Segundo a denúncia da PGR, o preço inicial ofertado pelos respiradores estava em completo descompasso com o praticado no mercado na época da aquisição, mesmo considerada a circunstância da pandemia.
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De acordo com laudo elaborado pela Polícia Federal e que instruiu a denúncia, verificou-se o montante de R$ 60,8 mil de sobrepreço por respirador, resultando em um total de R$ 1,7 milhão, já que foram adiquiridos 28 unidades. O valor unitário é 133,67% acima do preço máximo encontrado na pesquisa de mercado. Com isso, o prejuízo total ao erário em razão da operação foi calculado em, no mínimo, R$ 2, 2 milhões.
O relator, ministro Francisco Falcão, apontou que não convence o argumento da defesa de que Lima apenas teria indicado um empresário para ajudar o governo e a população amazonense diante da grave crise na saúde que "se iniciava e recrudescia no Amazonas no início de abril de 2020".
— Neste exame não aprofundado da matéria, existe justa causa para se considerar o governador do Amazonas partícipe nos delitos de dispensa de licitação e partícipe da fraude na aquisição de 28 respiradores que tiveram preços elevados com abusividade neste mesmo contrato — disse.
Segundo Falcão, o fato de o governador nada ter assinado no procedimento licitatório, porque não participava diretamente do procedimento de compras, não impede que ele tenha participado dos crimes.
— Autorizou terceiro a conduzir as compras, recebeu pessoalmente 19 ventiladores da empresa antes do início do procedimento de compra, entre outros argumentos já expostos. Outrossim, nada impede que as acusações de participação em organização criminosa sejam cumuladas com a de integrar e embaraçar investigação sobre organização criminosa, porque teriam sido cometidas em datas distintas, visto que o embaraço se deu quando já haviam sido instauradas investigações sobre os fatos — apontou.
Antes dos votos dos ministros, Lindôra Araújo, que é uma das mais próximas auxiliares do procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou que Lima "coordenava" a ação:
— Os elementos coligidos aos autos afiguram-se como lastro suficiente ao recebimento da inicial acusatória, demonstrando que, sob o comando do governador do estado, que coordenava a ação dos demais envolvidos, no contexto de enfrentamento da pandemia de covid-19, instalou-se, no estado do Amazonas, uma organização criminosa que tinha por objetivo a realização de fraudes em diversos procedimentos licitatórios e, assim, a obtenção de vantagens econômicas indevidas, em prejuízo ao erário — argumentou.
Ao apresentar a defesa de Lima, o criminalista Nabor Bulhões, disse que a atuação da PGR contra o governador foi "ilegal e abusiva".
— Poucas vezes eu vi o Ministério Público atuar tão incisivamente no que eu denominaria de uso abusivo do poder de denunciação —, disse.
A Corte Especial tem 15 ministros, dos quais o presidente, Humberto Martins, não vota. O ministro Og Fernandes estava ausente e o ministro Mauro Campbell Marques não participou do julgamento por estar impedido. Todos os outros votaram para aceitar a denúncia.
O governador do Amazonas é o segundo a virar réu no STJ por supostas irregularidades na administração de verbas do enfrentamento da pandemia. Em fevereiro, a Corte Especial recebeu a denúncia da PGR contra o ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel, que chegou a ser afastado do cargo a pedido da procuradoria.
A investigação envolvendo Lima começou após notícias de que 28 aparelhos respiratórios foram comprados de forma irregular de uma loja de vinhos, a Adega Vineria. A investigação já teve três fases de medidas com busca e apreensão autorizadas pelo relator do caso.
Em nota divulgada à imprensa após o julgamento, Wilson Lima disse que as acusações contra ele "não têm fundamento e tampouco base concreta, como ficará provado no decorrer do julgamento".
"Nunca recebi qualquer benefício em função de medidas que tomei como governador. A acusação é frágil e não apresenta nenhuma prova ou indício de que pratiquei qualquer ato irregular. Agora terei a oportunidade de apresentar minha defesa e aguardar, com muita tranquilidade, a minha absolvição pela Justiça. Tenho confiança na Justiça e a certeza de que minha inocência ficará provada ao final do processo", afirmou.
Em 2020, Lima chegou a ser alvo de um processo de impeachment na Assembleia Legislativa do Amazonas, mas a denúncia foi arquivada por não ter tido maioria de votos.
Após ser alvo de uma operação da Polícia Federal, Lima foi o primeiro governador a ser convocado a prestar depoimento na CPI da Covid no Senado, em junho. A comissão investiga não apenas as ações e omissões do governo federal no combate à pandemia, mas também irregularidades cometida por gestores estaduais e municipais quando isso envolve o uso de recursos repassados por Brasília.
A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), no entanto, autorizou o governador a não comparecer à CPI. A ministra entendeu que Lima, por ser investigado e denunciado, não seria obrigado a se incriminar no depoimento aos senadores.