GUERRA NO ORIENTE MÉDIO

Governo Lula tenta alinhar discurso sobre conflito entre Hamas e Israel

Em seu último posicionamento sobre guerra na Faixa de Gaza, presidente fez um apelo "em defesa das crianças palestinas e israelenses"

Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil  - Foto: Sajjad Hussain/AFP

O ataque do grupo terrorista Hamas em Israel no último sábado teve reflexos no cenário político brasileiro, com divergências públicas entre aliados à direita e à esquerda. Em meio a ruídos nos diferentes campos, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenta se equilibrar entre os dois lados e alinhar a sua posição para evitar declarações que fujam do script definido pelo Itamaraty. Simpática à causa palestina, a gestão petista é cobrada pela oposição a condenar a atuação do Hamas.

Em seu primeiro posicionamento, ainda no sábado, o presidente classificou os ataques como “terroristas”, sem citar o nome do grupo extremista. Ontem, voltou ao tema com um apelo “em defesa das crianças palestinas e israelenses”. O texto pede que o Hamas liberte as crianças sequestradas e que Israel cesse os bombardeios.

Alguns aliados de Lula no campo da esquerda defendem que o governo deveria adotar um posicionamento mais claro pró-Palestina. Em entrevista a um canal do YouTube, o ex-ministro José Dirceu, por exemplo, disse que “tachar o Hamas como terrorista fica bastante contraditório com a própria luta que os próprios judeus e sionistas estabeleceram na Palestina para conquistar o seu Estado”. A interlocutores, porém, Dirceu afirma que, em geral, tem concordado com as posições assumidas por Lula e pelo governo em relação ao conflito.

Contexto diferente
Um manifesto de 2021 em que um grupo de deputados do PT se posicionou contra classificar o Hamas de terrorista também voltou à tona. Um dos signatários foi Paulo Pimenta, hoje ministro da Comunicação Social. Ontem, ele afirmou à GloboNews que vinculá-lo ao documento hoje, em outro contexto, é “desonestidade intelectual”.

A existência do manifesto também fez com que a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, negasse qualquer relação institucional entre o PT e o Hamas. À Folha de S. Paulo, ela afirmou que o ataque do Hamas “foi um ato terrorista”, termo que não foi usado na nota oficial do partido.

Para o presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib), Claudio Lottenberg, falta firmeza ao governo para condenar os ataques do grupo:

— Na nossa comunidade e até mesmo fora dela, muitas pessoas estão horrorizadas com o que está acontecendo e envergonhadas pelo Brasil não ter essa firmeza.

Ainda dentro da esquerda, as posições sobre o conflito causaram uma baixa na coordenação da pré-campanha do deputado Guilherme Boulos (PSOL) à prefeitura de São Paulo. O médico Jean Gorinchteyn, que foi secretário estadual de Saúde na gestão João Doria, deixou a equipe.

No sábado, Boulos condenou “ataques violentos a civis”, mas não citou o Hamas. Um dia após a publicação nas redes sociais, o infectologista, que é judeu, anunciou sua saída da coordenação da pré-campanha de Boulos na área da saúde. Na terça-feira, em discurso na Câmara, Boulos recuou e criticou os “ataques propagados pelo Hamas”.

— Estávamos elaborando uma nota conjunta, mas tivemos dificuldades em alinhar, cada um tinha sua questão ideológica — diz Gorinchteyn.

Apesar da resistência no PT e no PSOL, a classificação como terrorista tem aderência em setores da esquerda. Carlos Siqueira, presidente do PSB, partido do vice Geraldo Alckmin, postou ontem um vídeo nas redes sociais em que chama o Hamas de “tenebroso grupo terrorista” e reitera apoio ao povo israelense.

Os partidos de centro que integram a base do governo no Congresso também têm suas divisões. Um grupo de 61 deputados cobra que o Itamaraty e o governo Lula reconheçam o Hamas, que invadiu o território israelense e fez reféns, como grupo terrorista. A iniciativa ocorreu via requerimento protocolado pelo bolsonarista Rodolfo Nogueira (PL-MS), destinada ao ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira.

Entre os signatários do documento, a maioria pertence ao PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro (42), enquanto o Podemos tem dois representantes. Os demais 17, porém, são filiados a partidos da base do governo: PP (6), União Brasil (4), Republicanos (3), MDB (2) e PSD (2) que, juntos, lideram dez ministérios.

O conflito provocou confusão também na bancada evangélica, que tem atuação pró-Israel. Como mostrou a colunista Malu Gaspar, do GLOBO, a aprovação de moções de repúdio na sessão de terça-feira levou a uma troca de acusações entre os deputados Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), segundo vice-presidente da Casa, e Marcos Pereira (Republicanos-SP), que é o primeiro vice e comandava a sessão.

A divergência surgiu quando os parlamentares de oposição perceberam que tinham aprovado, no meio de um pacote de 15 moções partidárias supostamente destinadas a repudiar o ataque terrorista do Hamas, um requerimento do PT que também repudiava Israel. Sóstenes provocou Pereira, pelo fato de ele ser bispo licenciado da Igreja Universal, aliada de Israel.

— O tema provoca divisões na política local e no mundo todo. Até dentro do judaísmo há setores que ponderam sobre os direitos dos palestinos. No PT, há setores mais antiamericanos e, por decorrência, anti-israelense, e outros que não são favoráveis ao Hamas — afirma o cientista político Carlos Melo, professor do Insper.

Posições de neutralidade
Segundo Dawisson Belém Lopes, professor de Relações Internacionais da UFMG, além da divisão ideológica entre esquerda e direita, o Brasil tem comunidades expressivas de árabes e de judeus. O país presidiu a sessão das Nações Unidas, em 1947, que aprovou a resolução que recomendou a partilha da Palestina e a criação do Estado de Israel.

— O Brasil é um ator que se notabiliza por posições de neutralidade. Nesse contexto, é do nosso interesse manter certa equidistância — afirma.

Entretanto, diversos fatores contribuem para que o tema atinja uma questão ainda mais delicada para o governo.

— O governo tem que se equilibrar também domesticamente no Congresso, por exemplo, não pode desagradar a bancada evangélica a ponto de inviabilizar a cooperação ou o apoio do Centrão para suas pautas. Existe um equilibrismo que vale para dentro e para fora. Além disso, o Brasil precisa, pela liturgia do posto no Conselho de Segurança, se manter altivo e imparcial na condução desse assunto — disse. 

Veja também

Apresentado como "marionete" de Castro, Ramagem consegue derrubar inserção de Paes na Justiça
Justiça

Apresentado como "marionete" de Castro, Ramagem consegue derrubar inserção de Paes na Justiça

Ato bolsonarista no 7 de Setembro teve 45 mil pessoas, um quarto do público na manifestação anterior
manifestação

Ato bolsonarista no 7 de Setembro teve 45 mil pessoas, um quarto do público na manifestação anterior

Newsletter