Governo Lula vê "normalidade" distante na Venezuela e evita dar prazo para entrega de atas
Autoridades diretamente envolvidas nas negociações também evitam chancelar contagens paralelas, inclusive do Centro Carter
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva avalia que a situação na Venezuela, país dividido e palco de manifestações violentas e prisões de milhares de pessoas que se opõem ao presidente Nicolas Maduro, só deve começar a melhorar a partir do ano que vem, quando haverá eleições parlamentares e regionais.
Auxiliares próximos a Lula afirmam que, a curto prazo, o Brasil não pensa em estabelecer uma data para que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) apresente as atas eleitorais. Essa é uma demanda recorrente do Brasil e de outros países.
Essas atas são documentos detalhados das urnas que permitiriam, a princípio, validar os resultados. O CNE declarou Maduro como vencedor das eleições, com 51,9% dos votos, com quase 97% das urnas apuradas. A oposição, por sua vez, tem apresentado atas que mostram que seu canditato, Edmundo González, ficou com 67% dos votos.
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O limite para apresentação dos documentos por parte do CNE, definiu um integrante do governo, “é a paciência”. Ou seja, ainda há expectativa de o CNE entregar as atas. Caso contrário, o governo brasileiro “entrará em outro ponto”.
A diplomacia brasileira aguarda documentos oficiais que mostrem quem de fato venceu a eleição de 28 de julho último. Porém, mesmo o cenário de as atas sendo entregues é considerado nebuloso, pois não está claro o que pode ser feito com esses documentos — e a veracidade.
Até o momento, o governo Lula mantém sua posição de não chanceler apurações paralelas, sejam as divulgadas pela oposição, ou mesmo a publicada pelo Centro Carter — um dos poucos observadores internacionais na eleição —, que afirma que González foi vitorioso na disputa com Maduro.
Um importante interlocutor próximo a Lula disse que “bocas de urna e contagens rápidas não definem eleição”. E argumentou que, se antes não havia confiança no CNE, que sofre influência de Maduro, isso deveria ter sido dito durante as negociações para o Acordo de Barbados.
Firmado em outubro de 2023, entre representantes de Maduro e da oposição, o Acordo de Barbados previa eleições livres, transparentes e aceitas por todos. Os opositores do atual regime e parte da comunidade internacional afirmam que, ao contrário do que declarou o CNE, quem venceu a eleição foi Edmundo González, e não Nicolás Maduro.
Para o Brasil, Maduro errou ao judicializar a questão das atas. Os documentos foram encaminhados pelo CNE à Suprema Corte da Venezuela. Isso, de acordo com um interlocutor ouvido pelo GLOBO, contribui para o agravamento de um quadro que parece não ter fim.
Na avaliação de auxiliares de Lula, além da divulgação das atas eleitorais, Maduro e González precisam buscar o diálogo. Um entendimento entre os dois teria de prever, por exemplo, garantias recíprocas de não perseguição e um aceno mais claro sobre a retirada de sanções, principalmente as aplicadas pelos Estados Unidos ao petróleo venezuelano.
Os EUA, como parte interessada, não podem participar de uma mediação entre Maduro e González, na visão do governo brasileiro. A tarefa deve ficar a cargo de Brasil, Colômbia e México. Os presidentes dos três países — Lula, o colombiano Gustavo Petro e o mexicano Andrés Manuel López Obrador — estão “alinhando os discursos” para telefonarem para os dois candidatos nos próximos dias.
Com isso, os três países rechaçam a ideia de a crise venezuelana ser tratada no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA). Há falta de confiança mútua entre o governo Maduro e alguns países associados, como Argentina, Peru e EUA.
Integrantes do governo brasileiro afirmam que, se Lula subir o tom com Maduro e as atas aparecem logo depois, ficará em uma saia justa. Por isso, a principal aposta é de uma transição negociada. Até janeiro de 2025, Maduro continuará como presidente da Venezuela.