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Grupo político de Waguinho operava cargos fantasmas na prefeitura de Belford Roxo

As investigações apontam que os selecionados que não apareciam para trabalhar eram laranjas e, mesmo assim, recebiam salários

Daniela do Waguinho, ministra do TurismoDaniela do Waguinho, ministra do Turismo - Foto: José Cruz / Agência Brasil

Policiais militares da escolta de Fábio Augusto de Oliveira Brasil, o Fabinho Varandão, acusado de chefiar uma milícia que pediu votos para a ministra do Turismo, Daniela Carneiro (União Brasil), eram pagos pela prefeitura de Belford Roxo por meio de laranjas. Em depoimento, os próprios PMs admitiram que indicavam parentes que eram nomeados a cargos comissionados no município cujo prefeito é Wagner Carneiro, o Waguinho, marido de Daniela. As investigações apontam que os escolhidos não apareciam para trabalhar e, mesmo assim, recebiam salários.

Vereador em Belford Roxo, Fabinho Varandão é considerado um dos homens de confiança do marido da ministra, já tendo sido nomeado por Waguinho para três secretarias na prefeitura nos últimos dois anos. Ele é réu na Justiça sob a acusação de comandar uma milícia que monopoliza o sinal clandestino de TV e internet e a venda de gás de cozinha em dez bairros da cidade.

Nas últimas eleições, Varandão participou de caminhadas, eventos em clubes e de um comício da então candidata a deputada federal no município, em setembro de 2022, além de ter marcado presença em encontros com a hoje ministra e o marido dela — são várias as fotos do acusado de comandar a milícia com Daniela e Waguinho nas redes sociais. Essas atividades foram em locais que, segundo o Ministério Público do Rio (MP-RJ), são dominados pela quadrilha.

“Orgulho em dizer que a nossa querida deputada federal Daniela do Waguinho foi anunciada como a nova ministra do Turismo pelo nosso presidente Lula”, postou ele após a confirmação da escolha para a pasta, no fim de dezembro.

Vários dos PMs que já integraram a escolta de Varandão são suspeitos ou já foram investigados por crimes relacionados à atuação da milícia. Os relatos dos seguranças fazem parte da investigação da Polícia Civil e do Ministério Público que culminou na prisão do vereador, em 2018.

O cabo Francisco Fernandes de Souza, um dos guarda-costas, contou na Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF) que, logo após ser eleito vereador, Fabinho “reuniu todos os seguranças no escritório que funcionou como sede da campanha política e determinou que cada um indicasse uma pessoa para realizar cadastro junto à prefeitura de Belford Roxo”. Ao todo, segundo o depoimento, nove PMs integravam a escolta de Varandão na época e participaram do esquema.

Morto um mês após depôr
O PM afirmou que “indicou sua irmã Francisca Dara Fernandes de Sousa para realizar o cadastro”. A mulher, então, abriu uma conta no banco e passou a receber o salário pelo irmão. Fernandes alegou que “nunca recebeu contracheque pelo serviço prestado”. Por mês, o cabo ganhava, com o esquema, R$ 1.250. Em 2017, Francisca foi, de fato, nomeada “chefe do Setor Administrativo” da secretaria de Esporte e Lazer de Belford Roxo.

O depoimento foi prestado em dezembro de 2018. No mês seguinte, o cabo foi executado com 11 tiros por dois homens na frente da mulher, em Belford Roxo. A investigação do homicídio concluiu que o PM foi morto porque tentou impedir a instalação de uma boca de fumo próxima à sua casa, em um dos acessos a um complexo de favelas na cidade.

Outro dos seguranças de Varandão corroborou o relato do colega. O subtenente Cláudio Santos Amorim afirmou que, depois de ser eleito, o vereador propôs que ele “recebesse pela prefeitura, fornecendo um nome de uma outra pessoa, ou seja, uma espécie de laranja”. Segundo Amorim, a proposta foi feita porque, como ele era PM, não poderia assumir um cargo na prefeitura sem se licenciar da corporação, “ainda mais na condição de segurança pessoal de um vereador”.

O subtenente, então, indicou o nome da filha Ana Cláudia Alves Amorim como suposta funcionária comissionada da prefeitura “para quem, formalmente, iria o pagamento”. Segundo o PM, ele recebeu desse modo por três meses e, depois, pediu dispensa do serviço por “questão de foro íntimo”. Cópias dos depoimentos foram enviadas para Promotoria de Tutela Coletiva de Belford Roxo para que sejam apurados atos de improbidade administrativa. A PM nunca puniu os seguranças de Varandão por receberem dinheiro da prefeitura de forma ilegal.

De acordo com a polícia, tanto Amorim quanto Fernandes acompanhavam Varandão quando ele fez ameaças de morte a um empresário que havia acabado de abrir uma empresa de internet em Belford Roxo, em setembro de 2016. A vítima contou à polícia que o vereador foi até a sua casa com “seis homens armados”, interrompeu a festa de aniversário de 20 anos de seu filho e o ameaçou. “Estou sabendo que você está montando um provedor de internet, está cabeando na minha área, pode tirar tudo que a área é minha”, teria dito Varandão, segundo o depoimento.

A cena descrita pelo homem foi registrada pelas câmeras de segurança da casa. As imagens mostram quatro pessoas armadas saindo de uma caminhonete e abordando o empresário. O vereador foi reconhecido como um dos homens. Uma testemunha que estava no local corroborou o depoimento da vítima e acrescentou que Fábio ainda teria dito, antes de ir embora: “Se não retirar (os equipamentos), vou matar todos”.

Com base nessas provas, a Justiça decretou a prisão de Varandão em dezembro de 2018, quando foram apreendidos duas armas, um colete à prova de balas e R$ 70 mil em espécie na casa do vereador. Desde julho de 2019, ele responde ao processo em liberdade e tem de comparecer mensalmente ao fórum da cidade.

O GLOBO não conseguiu contato com Varandão. No processo, sua defesa alegou que “o fato narrado é absolutamente inverídico” e configura “ verdadeira injustiça”. Já a prefeitura de Belford Roxo respondeu, sobre os parentes de PMs como laranjas, que “as nomeações são efetuadas pela Secretaria municipal de Administração de acordo com a solicitação de cada pasta”. O município diz que “o titular de cada secretaria é responsável pela frequência do servidor”.

Outras polêmicas

Cessão de PMs
Os PMs da segurança de Varandão não eram os únicos que recebiam dinheiro da prefeitura de Belford Roxo no mandato de Waguinho. Em janeiro, o GLOBO revelou que uma investigação da PM identificou outros nove agentes que trabalhavam em vários órgãos do município de forma ilegal, sem serem cedidos oficialmente pelo comando da corporação. Na prática, esses policiais faziam uma espécie de “bico ilegal” na prefeitura. Todos foram nomeados para cargos comissionados em secretarias sem aval de superiores entre 2017 e 2019. Até hoje, não se sabe o que esses agentes faziam na prefeitura.

Grupos paramilitares
Além de Varandão, outras ligações controversas de Daniela de Waguinho com acusados de integrar grupos paramilitares também vieram à tona. Em sua primeira campanha para deputada federal, em 2018, a hoje ministra atuou lado a lado com o miliciano Juracy Alves Prudêncio, o Jura, condenado a 22 anos de prisão por homicídio. Segundo as sentenças que condenaram Prudêncio, ex-sargento da PM de 2010 a 2014, ele era chefe do Bonde do Jura, uma quadrilha acusada de uma série de homicídios na Baixada Fluminense. Jura está preso desde 2009, mas cumpria regime semiaberto em 2018, quando apareceu em fotos entregando santinhos ao lado de Daniela em passeata na região.

Comissionados
A administração de Waguinho também já foi acusada de favorecer empresas em troca de pagamentos, entre eles um carro dado à irmã do prefeito. Em outra frente, comissionados teriam sido obrigados a atuar em campanhas do grupo político.

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