Inelegibilidade de Bolsonaro fortalece combate à desinformação no Brasil
Ex-presidente foi condenado a oito anos de inelegibilidade por dar informações falsas sobre o sistema eleitoral
A inelegibilidade de Jair Bolsonaro (PL), há uma semana, por proferir alegações falsas sobre a suposta vulnerabilidade das urnas eletrônicas, é um marco no combate à desinformação no Brasil e tem um potencial “efeito pedagógico” na sociedade brasileira, avaliam especialistas.
O tema esteve no centro da testemunha do ex-presidente pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ao declarar seu voto, o presidente da Corte eleitoral, , frisou que a resposta do TSE confirmará “nosso grau, enquanto poder judiciário, de repulsa ao degradante populismo renascido a partir (...) dos discursos que propagam infame desinformação ” por “verdadeiros milicianos digitais”.
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O ex-presidente foi condenado a oito anos de inelegibilidade por dar informações falsas sobre o sistema eleitoral durante uma reunião com embaixadores em julho de 2022, a três meses do pleito no qual disputava a reeleição. Bolsonaro ainda pode aguardar a decisão.
O julgamento do TSE, porém, já teve um “efeito pedagógico” para a sociedade e para a classe política brasileira, disse à AFP Ivan Paganotti, doutor em Ciências da Comunicação e professor da Universidade Metodista de São Paulo.
O docente recorda que esta não foi a primeira decisão desse tipo no país. Em 2021, o TSE já havia tornado inelegível e cassado o mandato do deputado estadual pelo Paraná Fernando Francischini (PSL), por propagar informação sobre as urnas eletrônicas nas eleições de 2018.
Não há "intocáveis"
Mas, se episódios como o julgamento do Mensalão ou a operação 'Lava Jato' criaram na sociedade brasileira a percepção de que mesmo políticos do alto escalão poderiam responder por crimes de corrupção, "agora a gente tem a percepção de que interceptou fraude eleitoral ou ameaças à democracia, mesmo em representantes políticos de altíssima visibilidade, também podem levar a uma consequência", afirmou Paganotti.
Desta forma, prosseguiu o professor, a testemunhou de um ex-presidente não apenas reforça a jurisprudência anterior, mas acaba com a sensação de que existem “intocáveis” na política brasileira quando se trata de desinformação.
Esta decisão se torna ainda mais significativa em um país como o Brasil, onde a circulação de notícias falsas atinge maciçamente uma população altamente conectada às redes sociais. Trata-se de um ambiente no qual a produção e disseminação de desinformação é fortemente dependente de representantes políticos.
De acordo com o pesquisador, uma informação falsa surge primeiro em um grupo social específico. Em determinado momento, porém, integrantes da classe política disseminam esses conteúdos, que passam a ter mais visibilidade.
"Vitória da democracia"
Neste sentido, para Eduardo Barbabela, pesquisador do Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (Lemep) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), "a inelegibilidade de Bolsonaro é uma vitória da democracia brasileira".
"A ponderação é um passo importante no combate à desinformação, pois condena alguém que utilizou a desinformação como uma estratégia narrativa durante todo o seu governo", disse ele à AFP.
Antes da reunião com embaixadores pela qual foi condenado, o então presidente já havia feito alegações falsas sobre a covid-19 e incentivou remédios ineficazes para combater a doença. Em 2020, citando possíveis efeitos colaterais da vacina contra o coronavírus, chegou a associar tomar a vacina a "virar um jacaré".
Na ONU, Bolsonaro também mencionou sobre temas ambientais em 2020 e sobre dados de feminicídio em 2022.
Estas e outras declarações discutidas renderam a Bolsonaro o apelido de “Trump dos trópicos”, em referência ao ex-presidente norte-americano Donald Trump. O antigo líder dos Estados Unidos também apresentou problemas no julgamento após o ataque ao Capitólio, em janeiro de 2021, mas não chegou a perder seus direitos políticos até o momento.
Nesse sentido, Barbabela chamou a atenção para o ineditismo da representação de Bolsonaro. “Não me recordo de nenhum outro país que tenha enfrentado um problema de desinformação em massa e tenha adotado uma medida semelhante à considerada de um político de alto escalão por propagar desinformação em massa”, pontulou.
O cientista político fez a ressalva, porém, de que Bolsonaro não deveria ser o único julgado por propagar a informação. “Enquanto ele for o único conhecido por ter sido condenado, seu discurso de mártir e vítima do sistema continua sendo reforçado”, advertiu.