Infidelidade nas votações e força do Centrão: a crise que levou à mudança no Ministério do Turismo
Troca também tem como objetivo estabilizar relação do Planalto com presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira
O mês de junho foi marcado por uma série de tensões até ser confirmada, nesta quinta-feira, a saída de Daniela Carneiro (União-RJ) do Ministério do Turismo. Embora a titular da pasta ainda não tenha deixado oficialmente o cargo, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, anunciou que ela será, como já era esperado, substituída pelo deputado federal Celso Sabino (PA), também do União Brasil.
"O presidente Lula e eu nos reuniremos com o presidente e os líderes do União Brasil, em data a ser definida amanhã (sexta-feira), para receber a indicação do deputado Celso Sabino, que vai liderar a pasta do Turismo, dando continuidade ao trabalho pela recuperação de um setor tão importante para a geração de emprego e renda no Brasil", escreveu Padilha em nota.
A mudança, no entanto, não foi motivada pela atuação de Daniela à frente do ministério, que nunca foi alvo de críticas substanciais. A demissão começou a ser desenhada junto com as primeiras derrotas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso, ainda no mês de maio, e esbarrou também na falta de estabilidade da relação do governo com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).
A decisão de trocar o titular da pasta de Turismo tem como pano de fundo uma tentativa do Planalto de garantir a fidelidade do União Brasil nas votações consideradas prioritárias para o governo no Congresso, o que não vem acontecendo. Mesmo com três ministros da sigla no gabinete de Lula, apenas 14% dos votos do partido estavam alinhados ao do governo nas votações do marco temporal para demarcação de terras indígenas, dos decretos do Marco do Saneamento e da urgência do PL das Fake News.
Leia também
• Próximo a Bolsonaro e aliado de Lira: quem é Celso Sabino, confirmado pelo governo no Turismo
• Em nota, Padilha anuncia que Sabino irá "liderar a pasta do Turismo"
• Líderes fora, reforma e disputa sobre Embratur: por que Lula adiou troca no Ministério do Turismo
A falta de comprometimento dos deputados da legenda com o governo ficou evidente na votação do MP dos Ministérios, quando o União deu 15 de seus 50 votos contra a Medida Provisória de reorganização dos ministérios. Nesta quinta-feira, já depois do anúncio de Padilha, 81% da bancada do partido na Câmara votaram a favor da reforma tributária.
Após a votação da MP dos Ministérios, Lula recebeu no Palácio do Planalto o líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA). Na conversa, o presidente admitiu que houve equívoco no modo como os ministérios do partido foram montados. A principal crítica da bancada do União é que os ministros não representam os deputados, e, no governo, há um reconhecimento de que os ministros não possuem articulação suficiente para convencer a maior parte dos parlamentares da legenda a votar a favor dos projetos do governo.
A insatisfação do União Brasil em torno da nomeação de Daniela como ministra do Turismo remonta ainda ao anúncio de seu nome, antes mesmo da posse de Lula. Daniela é considerada pelo partido da cota pessoal de Lula pela ajuda que deu ao petista durante a campanha na Baixada Fluminense, no Rio. Waguinho (Republicanos), prefeito de Belford Roxo e marido de Daniela, foi inclusive escalado pelo Planalto para ajudar a virar votos a favor da MP na Câmara.
A movimentação do União para a troca de Daniela do ministério, inicialmente velada, foi escancarada após a saída de Waguinho do partido. Em abril, o político fluminense deixou a legenda e se filiou ao Republicanos. À época, prefeito e cinco deputados que o acompanharam na debandada saíram do partido fazendo fortes críticas ao presidente do União Brasil, Luciano Bivar, e ao vice-presidente Antonio Rueda. Eles acusam os dirigentes de negociarem cargos nas gestões do governador do Rio, Cláudio Castro (PL), e do prefeito da capital, Eduardo Paes (PSD), sem consultarem a bancada do estado no Congresso.
Relação com Lira
Celso Sabino é deputado federal ligado a Arthur Lira (PP-AL). Sua indicação tem como objetivo, além de aplacar os ânimos dentro do União, estreitar a relação do governo com o parlamentar alagoano. Em junho, Lira reclamou da articulação do governo junto à Câmara e, após conversar com Lula no Planalto, afirmou que esperava um posicionamento do presidente neste sentido.
— Nós temos dado toda a contribuição para que seu governo tenha a oportunidade de formar a sua base. E essa atribuição não é do presidente da Câmara, é do líder do governo, dos ministros da articulações políticas, da Casa Civil. Achamos que isso pode se desenrolar, e a Câmara está esperando que o governo se posicione. Temos matérias muito importantes para decidir até o final do semestre — afirmou o presidente da Câmara durante evento em São Paulo no mês passado, citando como exemplo a aprovação da reforma Tributária.
À época, em entrevista à GloboNews, o presidente da Câmara evitou tomar partido sobre a possível indicação de Sabino ao Turismo, mas reconheceu que a nomeação poderia melhorar a relação do governo Lula com o União Brasil.
— A pasta do Turismo é uma questão interna do União Brasil. A Daniela e o Celso são dois amigos de primeira hora na Câmara. Daniela é uma mulher que está no cargo, votou no Lula e bancou a campanha dele no Rio, isso tem que ser levado em conta. Já o Celso pode trazer mais apoio partidário (para o governo) — afirmou Lira.