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Política

Interferências de Bolsonaro se acumulam, de Petrobras e PF a Congresso e Receita

Veja episódios em que rompantes e decisões unilaterais de Bolsonaro

Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (sem partido)Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (sem partido) - Foto: Evaristo Sa/AFP

Em pouco mais de dois anos de mandato, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) acumula interferências em órgãos e outras áreas ligadas ao governo, como a recente intervenção na Petrobras, com a indicação do general Joaquim Silva e Luna para o comando da estatal. Outros Poderes também não escampam dessas iniciativas do presidente.
 
Sempre que é questionado sobre sua ingerência em decisões e processos, Bolsonaro repete a tática de reafirmar a sua própria autoridade, disparando frases como "quem manda sou eu" e "a minha caneta funciona". Também já disse não ser um "presidente banana".
 
No episódio mais rumoroso até aqui, a suspeita de interferência na Polícia Federal levou o titular do Planalto a ser investigado em inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal). Em andamento, a apuração foi aberta após o ex-juiz Sergio Moro deixar o Ministério da Justiça e acusá-lo de ingerência política na corporação.
 
Já com a substituição de Roberto Castello Branco por Silva e Luna na presidência da Petrobras, Bolsonaro provocou reação imediata do mercado, por passar a mensagem de intromissão indevida do Executivo na empresa, o que suscitou comparações com os governos petistas.
 
"Não adianta a imprensa falar que eu intervi. Estão na mesma linha da questão da Polícia Federal, que eles não acharam nada de interferência minha no tocante à PF", disse ele em uma rede social no sábado (20).
 
Nesta segunda-feira (22), o titular do Planalto afirmou que "ninguém vai interferir na política de preços" da Petrobras. "O que eu quero da Petrobras e exijo é transparência e previsibilidade, nada mais além disso."
 
Veja episódios em que rompantes e decisões unilaterais de Bolsonaro nas esferas administrativa e política foram criticados.
 
Petrobras
Na sexta-feira (19), Bolsonaro anunciou em uma rede social que indicou o general Joaquim Silva e Luna para o comando da estatal no lugar de Roberto Castello Branco. A medida ocorreu em meio às críticas do presidente à política de preços da companhia e aos últimos reajustes nos combustíveis.
 
Como o jornal Folha de S.Paulo mostrou, no fim de semana a expectativa entre analistas e investidores era que as perdas para a empresa cheguem a R$ 100 bilhões. Já na noite de sexta, a Petrobras registrou R$ 28,2 bilhões em redução de valor de mercado no Brasil e outros R$ 30 bilhões com os papéis no exterior.
 
Um dia antes, Bolsonaro já havia avançado sobre a tomada de decisões da estatal. Ele informou que vai zerar os tributos federais incidentes sobre o óleo diesel durante dois meses, a partir de 1º de março, mas não explicou como o governo vai compensar a perda de receita no orçamento.
 
O episódio reforçou as discussões sobre interferência do governo na empresa, o que já vinha impactando negativamente as ações.
 
Em outro caso envolvendo a estatal, Bolsonaro defendeu publicamente em 2019 que a Petrobras rompesse contratos com o escritório de advocacia do presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz.
 
O cancelamento dos contratos ocorreu dias após o chefe do Executivo ter atacado o advogado, cujo pai desapareceu durante a ditadura militar (1964-1985).
 
Polícia Federal
Em 27 de abril de 2020, três dias depois de Sergio Moro pedir demissão do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o STF (Supremo Tribunal Federal) abriu apuração sobre a veracidade das acusações do ex-juiz.
 
O inquérito investiga se Bolsonaro violou a autonomia da Polícia Federal. Segundo Moro, o titular do Planalto queria ter acesso a informações e relatórios confidenciais de inteligência da corporação.
 
A gota d'água para o pedido de demissão de Moro foi a exoneração do então diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, publicada no Diário Oficial da União com a assinatura do então ministro e do presidente. Moro, entretanto, não assinou a medida formalmente nem foi avisado oficialmente pelo Palácio do Planalto de sua publicação.
 
Em um dos últimos atos de 2020 antes do início do recesso, o ministro Alexandre de Moraes prorrogou o inquérito em curso no STF. A próxima etapa do caso na corte deverá ser o julgamento que discutirá se o presidente pode depor por escrito ou se deve ser ouvido pelos investigadores presencialmente.
 
Em 2019, Bolsonaro também avançou sobre decisões internas da PF, ao se antecipar à corporação e anunciar a substituição do então superintendente do órgão no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi. Um presidente da República tomar a dianteira em comunicados do tipo foi algo inédito.
 
A instituição divulgou nota afirmando que Saadi seria substituído por Carlos Henrique Oliveira, mas Bolsonaro disse ter acertado previamente que o cargo seria ocupado pelo superintendente da PF no estado do Amazonas, Alexandre Silva Saraiva.
 
PGR
Em 2019, ao indicar Augusto Aras para a PGR (Procuradoria-Geral da República), Bolsonaro desprezou a lista tríplice votada por procuradores da República e tradicionalmente levada em conta pelos presidentes da República desde 2003. Apesar de uma tradição, a opção pela lista tríplice não é obrigatória.
 
Ele escolheu um nome que correu por fora, de perfil conservador e que buscou mostrar afinidade com suas ideias. A condução do processo foi chamada na época de retrocesso e sofreu críticas por sugerir risco à autonomia do Ministério Público.
 
Um dos principais reparos à atuação de Aras é o de alinhamento aos interesses do presidente da República.
 
Neste ano, o PGR disse ao STF que tem sido "zeloso na apuração de supostos ilícitos atribuídos ao chefe do Executivo" e que já abriu nove apurações para investigar condutas de Bolsonaro na pandemia.
 
Câmara dos Deputados
Disposto a eleger o líder do centrão, deputado Arthur Lira (PP-AL), para a presidência da Câmara dos Deputados – e colocar um potencial aliado no comando da Casa–, Bolsonaro admitiu intervenção do Poder Executivo na eleição do Legislativo e disse que, se Deus quisesse, iria influir na presidência da Casa.
 
"Vamos, se Deus quiser, participar, influir na presidência da Câmara, com estes parlamentares, de modo que possamos ter um relacionamento pacífico e produtivo para o nosso Brasil", afirmou Bolsonaro dias antes de ser confirmada a vitória de Lira para o posto.
 
Para fortalecer a candidatura do deputado, o governo prometeu cargos a congressistas e acenou com a liberação de recursos de emendas parlamentares em troca de apoio. O Planalto ofereceu até a recriação de ministérios para acomodar indicados do centrão.
 
Banco do Brasil
Bolsonaro chegou a determinar a demissão do presidente do Banco do Brasil, André Brandão, no início deste ano, mas foi convencido a recuar pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
 
O titular do Executivo ameaçou remover Brandão da direção do BB depois do anúncio de um plano de demissão voluntária e do encerramento de 361 unidades do banco. A medida de reestruturação, que irritou Bolsonaro, tinha o apoio de Guedes e de outros membros da equipe econômica.
 
Brandão permanece no cargo e disse que houve um problema de comunicação.
 
Em outro episódio envolvendo o BB, Bolsonaro mandou tirar do ar em 2019 uma campanha publicitária do banco dirigida ao público jovem com atores que representavam a diversidade racial e sexual. Ele também ordenou o afastamento do diretor de marketing da instituição, que aprovou as propagandas.
 
"A linha mudou. A massa quer o quê? Respeito à família. Ninguém quer perseguir minoria nenhuma, nós não queremos que dinheiro público seja usado dessa maneira", disse Bolsonaro na época, afirmando que anúncios deveriam seguir a sua orientação.
 
Por causa do ocorrido, o governo federal chegou a tomar a decisão de que empresas estatais deveriam submeter previamente à avaliação da Secom (Secretaria de Comunicação Social) campanhas de natureza mercadológica. Como a medida contraria a Lei das Estatais, o Planalto acabou recuando e desistindo da análise prévia obrigatória.


Inmetro
Em fevereiro de 2020, Bolsonaro anunciou ter "implodido" o Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia), com a demissão da então presidente e de integrantes da diretoria do órgão. Ele nomeou um militar do Exército para o comando da instituição.
 
As exonerações na autarquia federal, vinculada ao Ministério da Economia, foram decididas porque Bolsonaro estava insatisfeito com mudanças que envolveriam tacógrafos e provocaram, segundo ele, reclamações de motoristas e taxistas.
 
AGU
Em diferentes momentos, Bolsonaro requisitou a AGU (Advocacia-Geral da União) para tarefas que podem ser consideradas uma extrapolação do escopo institucional do órgão.
 
Entre as medidas que corroboram as críticas de uso da máquina pública e judicial para defesa de interesses pessoais, está a declaração feita por Bolsonaro neste mês de que acionou a AGU para tomar providências sobre a reclamação de que seguidores não estariam conseguindo postar fotos na página do presidente no Facebook.
 
"Já liguei para a AGU para ver o que a gente pode fazer", disse. A Folha de S. Paulo mostrou que Bolsonaro tem o recurso de envio de fotos por comentários desativado em seu perfil na rede social.
 
O governo também usou a AGU para entrar com uma ação no STF contra a decisão do ministro Alexandre de Moraes de suspender contas de redes sociais de apoiadores do governo investigados em inquérito da corte.
 
Em 2020, Bolsonaro desautorizou a AGU no episódio da posse do delegado Alexandre Ramagem no comando da Polícia Federal, barrada por Moraes. O presidente mandou o órgão recorrer da decisão do ministro, mesmo depois de a AGU divulgar uma nota informando que não contestaria o ato do STF.
 
"É dever dela [AGU] recorrer", disse Bolsonaro. "Quem manda sou eu, e eu quero o Ramagem lá." A AGU impetrou o recurso, que acabou rejeitado pelo magistrado.
 
Ministério da Justiça
O Ministério da Justiça foi mobilizado para entrar com um habeas corpus em favor do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, intimado pelo STF para explicar ataques feitos à corte por ele.
 
A petição, assinada pelo ministro da Justiça, André Mendonça, foi considerada algo inusual, já que a tarefa, em tese, caberia à AGU ou a um advogado pessoal. Membros do governo disseram que enviar um documento com a assinatura de Mendonça foi uma maneira de dar um caráter político, e não técnico, à manifestação, em um momento no qual o Executivo estava em atrito com o Judiciário.
 
Ainda na gestão do ex-juiz Sergio Moro na pasta, um dos primeiros focos de tensão do então ministro com o presidente da República se deu em torno da nomeação da especialista em segurança pública Ilona Szabó como suplente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, em 2019.
 
Moro teve que recuar da escolha de Ilona após campanha de bolsonaristas nas redes sociais. Os apoiadores lembraram que ela, além de divergir de Bolsonaro em temas como armamento e política de drogas, havia se posicionado contra o então candidato na campanha eleitoral de 2018.
 
O presidente confirmou publicamente em duas ocasiões ter pressionado o então auxiliar pela suspensão da nomeação. Ele afirmou que ela possui posicionamentos incompatíveis com o governo e disse que "não foi fácil conseguir" a saída por causa da resistência de Moro.
 
O ex-ministro declarou em um depoimento à PF que a revogação do convite foi pedida por Bolsonaro e que ele relutou em aceitar a ordem, mas teve que ceder.
 
Inpe
Com a insatisfação de Bolsonaro diante do aumento do desmatamento na Amazônia, o presidente do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o físico Ricardo Galvão, responsável pela divulgação do dado, foi exonerado em 2019.
 
Bolsonaro queria que as informações fossem discutidas previamente com o Palácio do Planalto antes de serem tornadas públicas.
 
O presidente, dois dias após a decisão de exonerar Galvão, indicou em entrevista ter ordenado ao ministro Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia) a demissão. "Está a cargo do ministro. Eu não peço, certas coisas eu mando", afirmou.
 
Receita Federal
Os sinais de interferência do Planalto na Receita Federal, sobretudo na unidade do Rio de Janeiro, começaram no primeiro ano do governo, em 2019. As pressões se referem principalmente à troca de servidores em postos de comando do órgão.
 
Em meio a apurações que atingem autoridades e também familiares e pessoas próximas a Bolsonaro, um subsecretário-geral do posto fluminense chegou a ser substituído pelo governo em 2019 por se posicionar de forma contrária às intervenções.
 
Questionado na época sobre as ingerências na Receita e na PF, o presidente da República afirmou: "Está interferindo? Ora, eu fui [eleito] presidente para interferir mesmo, se é isso que eles querem. Se é para ser um banana ou um poste dentro da Presidência, tô fora".

 

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