Irmão de deputado diz à PF que trocou celular e não guardou conversas sobre pressão por vacina
O servidor do Ministério da Saúde Luís Ricardo Miranda afirmou à Polícia Federal que não tem cópia de segurança das mensagens cujo teor, sustenta ele, mostra pressão recebida por dirigentes da pasta pela compra da vacina indiana Covaxin.
Ouvido na semana passada no inquérito que apura irregularidades no processo de aquisição do imunizante, Ricardo disse que trocou o celular e não providenciou backup. Confirmada pela reportagem, a informação foi revelada pelo jornal O Globo.
Ele reforçou na PF o relato feito no mês passado à CPI da Covid, segundo o qual durante o processo de compra ele recebeu diversas mensagens e ligações de seus superiores.
Ricardo e o irmão, o deputado Luís Miranda (DEM-DF), afirmaram que, no dia 20 de março, o presidente Jair Bolsonaro foi alertado sobre as suspeitas envolvendo a negociação da Covaxin. As declarações da dupla sobre a Covaxin arrastaram Bolsonaro ao centro das apuração da CPI.
No depoimento à PF, o servidor público disse que o chefe do Executivo fez anotações, inclusive nomes. O parlamentar também será ouvido pela polícia.
"Apesar de meu irmão não ter o aparelho antigo, mas todas conversas ele printou, ele encaminhou para mim. Provas existem. E eu quero colaborar. Vou entregar tudo que for necessário para contribuir com a investigação", disse o deputado à reportagem.
"Tudo aqui que meu irmão não tem mais ele me mandou na época. Eu tenho. Não tem nada deletado aqui. Na PF, eu entrego tudo.”
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O presidente tem alegado que, após a conversa com os dois, solicitou ao então titular da pasta, general Eduardo Pazuello, que averiguasse a situação, mas que nada de irregular foi encontrado. A PF, por sua vez, somente foi acionada recentemente pelo Palácio do Planalto.
O governo fechou contrato para compra de 20 milhões de doses da Covaxin em 25 de fevereiro, por R$ 1,6 bilhão. Fabricada pela Bharat Biotech, a vacina é negociada no Brasil pela Precisa Medicamentos.
Telas com mensagens relativa à suposta pressão interna foram reproduzidas em uma apresentação que o deputado Miranda fez à CPI no mês passado. O material foi entregue aos integrantes da comissão.
Uma dessas mensagens é atribuída ao coronel Marcelo Bento Pires, ex-diretor de Programa do ministério, e teria ocorrido no dia 19 de março, véspera do encontro dos irmãos com Bolsonaro.
De acordo com o diálogo, o coronel Pires encaminhou para o WhatsApp de Ricardo dois contatos: de um coordenador da Secretaria em Vigilância de Saúde e de Francisco Emerson Maximiano, sócio da Precisa e representante da Bharat Biotech.
"Meu amigo, estamos com muitos brasileiros morrendo. Precisamos fazer tudo para ajudar. O representante da empresa veio agora à noite falar com o Elcio para agilizar a LI [licença de importação] para encaminhar as vacinas esta semana, quatro milhões", diz o texto.
A existência de denúncias de irregularidades em torno da compra da Covaxin foi revelada pela Folha no dia 18, com a divulgação do depoimento sigiloso ao Ministério Público Federal do servidor, que é chefe da divisão de importação da Saúde.
À CPI, o deputado e o servidor disseram que Bolsonaro prometeu encaminhar os indícios de irregularidades à PF. O parlamentar afirmou que o presidente especulou sobre a ligação de um parlamentar com o caso – o líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), que nega envolvimento em irregularidades.
Inicialmente, o deputado não mencionou o nome. "O presidente entendeu a gravidade. Olhando os meus olhos, ele falou: 'Isso é grave'. Não me recordo do nome do parlamentar, mas ele até citou um nome pra mim, dizendo: 'Isso é coisa de fulano'", afirmou.
Depois, ao ser questionado pela senadora Simone Tebet (MDB-MS), falou: "A senhora também sabe que foi o Ricardo Barros que o presidente falou. Eu não me sinto pressionado para falar, eu queria falar desde o primeiro momento, mas é porque vocês não sabem o que vou passar”.
O parlamentar disse que avisou ao ex-ministro Pazuello sobre a denúncia levada a Bolsonaro. "Expliquei para Pazuello de forma resumida... Aí ele olhou pra minha cara com uma cara de descontentamento e falou assim: 'Luis, no duro, mas nessa semana, é certeza, eu vou ser exonerado. Eu tenho conhecimento de algumas coisas, tento coibir, mas, exatamente por eu não compactuar com determinadas situações, é que, assim, eu vou ser exonerado’."
Após a oitiva à CPI, senadores de oposição ao Planalto acionaram o STF (Supremo Tribunal Federal) para que Bolsonaro fosse investigado por crime de prevaricação.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, se recusou inicialmente a analisar o pedido, sob a justificativa de que esse juízo seria feito ao término da apuração parlamentar.
Encarregada do caso no Supremo, a ministro Rosa Weber discordou de Aras e determinou que ele avaliasse a representação dos senadores. Aras, então, pediu a abertura de inquérito.
Em uma decisão com duras críticas à PGR, a magistrada afirmou que a Constituição não prevê que o Ministério Público deve esperar os trabalhos de comissão parlamentar de inquérito para apurar eventuais delitos.
"Não há no texto constitucional ou na legislação de regência qualquer disposição prevendo a suspensão temporária de procedimentos investigatórios correlatos ao objeto da CPI", disse.
Segundo a ministra, "no desenho das atribuições do Ministério Público, não se vislumbra o papel de espectador das ações dos Poderes da República”.
Integrantes da CPI da Covid, conforme mostrou o jornal Folha de S.Paulo, temem que a abertura de inquérito para investigar se Bolsonaro prevaricou ao supostamente ter ignorado indícios de irregularidade no contrato da Covaxin possa se voltar contra a comissão.
Motivo: eles acreditam que a PGR pediu abertura forçada pelo Supremo e já deu indicativos de não ver crime no caso. A avaliação é que um pedido de arquivamento da apuração por parte da Procuradoria pode enfraquecer a tese levantada pela CPI.