Irritado com PSL, Bolsonaro avalia dar ao centrão liderança e até Saúde
No último fim de semana, em conversa reservada, Bolsonaro disse a um aliado que pode fazer uma mudança em curto prazo na articulação política
Irritado com traições do PSL, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) decidiu aumentar o espaço do centrão no Poder Executivo e considera entregar mais cargos de primeiro escalão ao bloco partidário. O presidente avalia passar ao grupo político a liderança do governo na Câmara e até o comando do Ministério da Saúde em meio à pandemia do coronavírus.
No último fim de semana, em conversa reservada, Bolsonaro disse a um aliado que pode fazer uma mudança em curto prazo na articulação política. Segundo um assessor palaciano, ele reafirmou a intenção nesta quarta-feira (22), após a aprovação na Câmara da proposta que torna permanente o Fundeb, principal mecanismo de financiamento da educação básica no país.
Inicialmente, o governo tentou desidratar o texto e adiar a vigência do fundo para 2022. Com o risco de derrota, passou a apoiar a proposta em troca do compromisso de líderes partidários de endossar a criação do Renda Brasil, projeto de assistência social que pode substituir o Bolsa Família.
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Bolsonaro se irritou com a atitude de seis deputados bolsonaristas do PSL, que, mesmo com a mudança de posição do governo, votaram no primeiro turno contra o Fundeb, expondo uma fragilidade na articulação do Planalto e passando a impressão de derrota.
O antigo partido do presidente é também o do líder do governo na Câmara, deputado Major Vitor Hugo (GO)."Seis ou sete votaram contra. Se votaram contra, eles devem ter os seus motivos. Só perguntar para eles por que votaram contra. Agora, alguns dizem que a minha bancada votou contra. A minha bancada não tem seis ou sete, não. A minha bancada é bem maior do que essa aí", disse Bolsonaro nesta quarta em frente ao Palácio da Alvorada.
A PEC (proposta de emenda à Constituição) do Fundeb foi apresentada em 2015. Ao longo do ano passado e deste ano, as discussões foram feitas na Câmara. O governo Bolsonaro se ausentou dos debates. O Ministério da Educação, sob comando de Ricardo Vélez Rodríguez e depois com Abraham Weintraub, também esteve distante da proposta. Apesar disso, Bolsonaro nesta quarta tentou se cacifar politicamente.
"Fundeb? Alguém quer saber sobre Fundeb aí? Uma negociação que levou anos. Queriam 40%. Eu queria dar 200%, mas só que não tem dinheiro. Foi negociado, passou para 23%. A Câmara e o Executivo mostraram responsabilidade", disse aos apoiadores.
"O PT ficou 14 anos no poder e não fez nada. Ou melhor, via método Paulo Freire nos colocou em último lugar no Pisa. O governo conseguiu ontem mais uma vitória, aprovamos o Fundeb, e o Senado deve seguir para o mesmo caminho."
Porém, contrariado, Bolsonaro avalia acomodar Vitor Hugo, aliado de primeira hora, em uma autarquia federal e nomear o deputado Ricardo Barros (PP-PR) como líder do governo. A expectativa é de que a troca seja feita no início de agosto. A intenção do presidente é repetir o modelo adotado no Senado. Na Casa, a liderança já é exercida por uma sigla do centrão, o MDB. E, na avaliação da cúpula do governo, ela tem sido estratégica para garantir o apoio no bloco partidário.
Com a mudança, o presidente pretende também garantir votos para futuras votações de interesse do governo, como a reforma tributária, e atender a um pleito dos deputados do centrão, que têm feito pressão por uma troca na articulação política.
A avaliação é a de que, apesar de Vitor Hugo ter a confiança do presidente, ele enfrenta resistência no Legislativo e entra frequentemente em choque com o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, responsável pela articulação política do Planalto.
A ideia é que o comando da liderança do governo sirva também como uma espécie de "test-drive" para Barros, que pode até o fim do ano ser deslocado para um cargo na Esplanada dos Ministérios. O nome do congressista é avaliado por Bolsonaro para assumir o Ministério da Saúde após a saída do atual ministro, o general Eduardo Pazuello. O militar já disse ao presidente que, após o arrefecimento da pandemia, deixará a pasta.
A expectativa é de que ele permaneça no posto até outubro. Para seu lugar, Bolsonaro já disse que quer um perfil semelhante ao do general. Ou seja, o de um bom gestor que não seja necessariamente médico de formação. Barros é engenheiro e foi ministro da Saúde entre 2016 e 2018, no governo Michel Temer (MDB). Sua gestão é elogiada inclusive pela atual cúpula militar, para quem ele foi eficiente na economia de recursos e na atualização de portarias.
No mês passado, Bolsonaro anunciou a recriação do Ministério das Comunicações e o entregou ao deputado Fábio Faria (PSD-RN), outro integrante do centrão. No Congresso, não há consenso sobre a saída de Vitor Hugo. A avaliação de parlamentares de siglas do centrão, como PP, Republicanos e PL, é que o líder nunca foi bom de articulação política, mas vem melhorando. Esses congressistas apontam ainda que, caso Barros assuma a liderança do governo, o líder do PP, Arthur Lira (AL), pode perder a liderança efetiva sobre a bancada.
Se for escalado um congressista com mais anos de casa e algum protagonismo político, a liderança desses outros parlamentares pode ficar em xeque. Além disso, avaliam que Barros não tem bom trânsito na Câmara. A articulação para tirar Vitor Hugo tem o respaldo também de outros integrantes da equipe ministerial.
Após ficar distante dos debates sobre a renovação do Fundeb, o governo comemorou nesta quarta a aprovação da proposta na Câmara. Ela prevê mais que o dobro de gastos da União na educação básica, passando a complementação dos atuais 10% para 23%.
O resultado na Câmara foi considerado uma derrota do governo, que passou a se empenhar nas negociações praticamente às vésperas da votação. Desde que passou a se aproximar de partidos do centrão, o governo Bolsonaro cedeu cargos em órgãos importantes. O presidente, por exemplo, nomeou indicados políticos para praticamente todas as diretorias do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação).