"Jabuti Salim Mattar": Assembleia de Minas aprova projeto que beneficia doadores de campanha de Zema
Projeto de lei votado pela Casa prevê isenções fiscais para locadoras de veículo; sócios da Localiza contribuíram com R$ 5 milhões para a reeleição do governador
A Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) aprovou nessa terça-feira (11) um projeto que beneficia os maiores doadores de campanha do governador Romeu Zema (Novo), os sócios da empresa Localiza. O projeto que recebeu aval dos parlamentares mineiros prevê benefícios tributários para locadoras de veículos. No ano passado, os donos da principal locadora — Salim Mattar, Eugênio Mattar, Antônio Cláudio Brandão e Flávio Brandão — contribuíram com R$ 5 milhões para a reeleição (28,2% dos gastos de Zema no pleito).
Segundo o Sindicato dos Servidores da Tributação, Fiscalização e Arrecadação do estado de Minas Gerais (Sinfazfisco-MG), com a medida concedida, a Localiza deixará de pagar R$ 460 milhões aos cofres públicos, referentes ao IPVA complementar.
A alteração foi proposta pelo deputado Zé Guilherme (PP), que integra a base do governo e é pai do secretário Marcelo Aro, dentro do projeto de lei (2803/2021) que prevê transparência nos repasses do IPVA. Sem relação direta com o tema da proposta, a oposição começou a chamar o trecho de "Jabuti Salim Mattar". O termo "Jabuti" é utilizado em casos que parlamentares inserem temas desconexos em textos legislativos.
Desde 2017, uma lei estadual sancionada por Fernando Pimentel (PT) previa alíquota de 4% de IPVA para contribuintes comuns e 1% para locadoras de veículos. No entanto, na hora da venda do veículo seminovo, a empresa deveria pagar os 3% proporcionais à tributação. Com a aprovação, as empresas não precisarão fazer a complementação. Neste período de 6 anos, o governo deveria ter arrecado R$ 1,2 bilhão nesta modalidade de imposto, mas a lei só foi regulamentada em dezembro de 2022. Com a mudança na legislação, as locadoras receberam desconto para quitar o passivo acumulado.
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Em nota, o governo de Minas afirmou que a política de redução de alíquota é praticada desde 2004 no estado e em outras quinze unidades federativas. O pronunciamento não cita a mudança legislativa, mas reitera a importância de manter as locadoras no estado. (Confira a íntegra no final da reportagem).
Além de doador de campanha, Salim Mattar é fundador da Localiza e presta consultoria não remunerada na Secretaria de Desenvolvimento Econômico. No entanto, tem tido influência no governo: participa das reuniões com o primeiro escalão e conversou com o governador antes da demissão de Igor Eto. No mandato de Jair Bolsonaro (PL), aliado de Zema, o empresário ocupava o posto de secretário de Desestatização e Privatização.
O projeto foi rechaçado por parlamentares que integram a base do chefe do Executivo. Sargento Rodrigues (PL) votou não à proposta e afirmou que a medida é motivo de vergonha para o governador.
Já o líder da oposição na ALMG, Ulysses Gomes (PT), afirmou que Zema conseguiu, "mais uma vez", beneficiar seus aliados:
— Enquanto a população de Minas paga o IPVA mais caro e sofre com as estradas estaduais abandonadas, Zema beneficiou seu principal doador de campanha. Está abrindo mão de recurso que iria direto para os municípios.
Colega de bancada, Macaé Evaristo, repudiou o que chamou de incoerência do governador:
— Ao mesmo tempo que quer renegociar dívidas com União, encaminha para a Assembleia projeto que aumenta seu salário em 300% e reduz impostos para os amigos.
O Globo procurou a Localiza. A reportagem será atualizada em caso de resposta.
Confira o pronunciamento de Zema:
A política tributária de renúncia fiscal decorrente da redução de alíquota do IPVA dos veículos de locadoras é praticada desde 2004 em Minas Gerais, por determinação da Lei 14.937/2003. A medida tem se mostrado bastante eficaz e fundamental para a ampliação de empresas do setor no estado e a consequente geração de empregos e renda. Por esse motivo, ao longo dos últimos 18 anos, todos os governos mantiveram a alíquota reduzida. Hoje, a maior parte dos estados do país pratica uma alíquota de IPVA de 1%. São eles: BA, ES, PR, PB, RN, RS, SE, SP, TO, GO, MT, RO, RR, SC e DF. Desta forma, o PL aprovado pela Assembleia garante que Minas Gerais possa manter a mesma alíquota de 1%, evitando uma fuga de empresas para outros estados.
Como 67% dos veículos de locadoras do país estão emplacados em Minas Gerais, essa possível migração das empresas para outros estados significaria uma perda anual de 622,7 milhões em arrecadação de impostos, sendo R$ 140,9 milhões relativos ao IPVA e R$ 481,8 milhões oriundos do ICMS de veículos novos comprados pelas locadoras, segundo análise técnica realizada pela Secretaria de Estado da Fazenda (SEF).
O novo cenário impactaria não só o caixa do Tesouro Estadual, mas também os cofres dos municípios mineiros, que teriam a cota-parte nos impostos diminuída substancialmente – atualmente, 40% do valor do IPVA arrecadado é destinado para a prefeitura onde o veículo está emplacado, sendo outros 40% para o Tesouro Estadual e 20% para o Fundeb. Outro aspecto a ser considerado é o fechamento substancial dos postos de trabalho, caso essas empresas saiam de Minas Gerais atraídas por benefícios oferecidos por outros estados.