Janja hackeada: como a PF chegou a suspeitos de invasão à rede social da primeira-dama
Em três dias, foram cumpridos seis mandados de busca e apreensão em Minas Gerais e no Distrito Federal
O nome do adolescente que confessou à Polícia Federal ter invadido o perfil da primeira-dama Janja da Silva no X (antigo Twitter) apareceu em uma postagem que ele mesmo fez na conta. Além desse indício, a PF também o identificou ao analisar o celular e computador apreendidos na residência de João Vitor Ferreira — o primeiro alvo dos policiais. Os investigadores se depararam com o nome do menor em um depósito PIX e na lista de contatos de Ferreira.
Desde o dia da invasão, a PF também conta com a colaboração da rede X, que costuma fornecer o número de IP (Internet Protocol) das máquinas que acessaram os perfis invadidos em casos criminais de grande repercussão. Esse dado funciona como uma espécie de RG dos aparelhos e é rastreado por meio das operadoras de telefonia.
O inquérito aponta que os dois jovens fazem parte de comunidades de “incel” — a junção das palavras “involuntary celibates" —, que descreve aqueles que se consideram "celibatários involuntários”. O termo “incel” costuma ser atribuído a homens que se reúnem em fóruns de discussão online para falar sobre as frustrações de não conseguirem manter relações sexuais e amorosas. Em geral, culpam mulheres e homens sexualmente ativos por isso.
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Esses fóruns acabam virando espaço de disseminação livre de mensagens de ódio, sobretudo contra mulheres. “Durante as apurações ficou constatado que os possíveis envolvidos também tinham perfis e postagens na plataforma Discord, participando de grupos que trocavam mensagens de caráter misógino e extremista”, informou a PF, em nota.
Grupos do gênero costumam ainda ser monitorados pelas autoridades em função de conterem informações sobre potenciais atentados em escolas e integrantes de movimentos neonazistas. Em depoimento à PF prestado nesta quarta-feira, o adolescente confessou o crime, enquanto Ferreira, de 25 anos, negou ter participado da invasão. A PF cumpriu mandados de busca e apreensão contra eles em Minas Gerais e no Distrito Federal.
A defesa dos dois não foi localizada. Procurado por e-mail, Ferreira não retornou aos contatos da reportagem.
Segundo informações da coluna de Bela Megale, o adolescente relatou que encontrou informações do e-mail e da senha da primeira-dama por meio do vazamento de dados na internet. Ele admitiu que fez mais de 30 postagens com ofensas a Janja, mas se disse arrependido do ataque hacker.
Produtor de música
Enquanto o menor não era tão conhecido no grupo dos "incel", Ferreira possuía mais popularidade entre a comunidade virtual. Morador de Ribeirão das Neves (MG), ele administrava um perfil chamado "Maníaco" em redes sociais, como YouTube, Deezer e Facebook, com foco em produção de música. Um dos seus álbuns traz o lema de separatistas dos estados da Região Sul, "O Sul é meu país", e uma canção chamada "Ariano", que defende a pureza da raça ariana e ataca a miscigenação na mesma tese que embasou as políticas implementadas por Adolf Hitler na Alemanha nazista.
A conta do jovem tem também músicas com apologia à violência de gênero. Uma delas ("Mulher gosta de porrada", do álbum "Incel pardo") diz que mulheres gostam de apanhar e descreve uma cena em que um homem é morto ao tentar apartar “um camarada quebrando sua mulher na porrada”. Outra ("Inflação do mercado bucetal"), que “mulher se resume a dois meros buracos”.
Na noite de segunda-feira, a PF expediu um ofício ao X, solicitando que todas as informações do perfil de Janja fossem preservadas. Como O GLOBO mostrou, a Advocacia-Geral da União (AGU) também pediu que a empresa congelasse a conta até a conclusão das investigações sobre a invasão, e mantenha "todos os registros e elementos digitais" relacionados à conta para "subsidiar futuras ações judiciais".
No documento, a AGU afirmou que a "não observância das medidas ora requeridas será interpretada como lesão a direitos", podendo resultar em medidas judiciais cabíveis para "ressarcimento de danos, bem como para a responsabilização civil e penal dos infratores".
Janja se pronunciou sobre a invasão e declarou que os ataques que sofre diariamente atingiram outro patamar, e que "a realidade é que a internet é um espaço potente para o bem e para o mal".
"Eu já estou acostumada com ataques na internet, por mais triste que seja se acostumar com algo tão absurdo. Mas a realidade é que a internet é um espaço potente para o bem e para o mal. E é comprovado que nós, mulheres, somos as que mais sofrem com os ataques de ódio aqui nas redes. O que eu sofri ontem é o que muitas mulheres sofrem diariamente", disse a primeira-dama em publicação no Instagram.