Logo Folha de Pernambuco

Investigação

Juiz nega a Flávio Bolsonaro acesso a dados de investigações contra ele rastreados pela Receita

Senador queria acessar o resultado da investigação feita sobre os dados fiscais dele

Senador Flávio Bolsonaro (sem partido)Senador Flávio Bolsonaro (sem partido) - Foto: Jefferson Rudy / Agência Senado

A Justiça Federal negou nesta, segunda-feira (21), o pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) para acessar o resultado da devassa feita nos sistemas da Receita Federal para identificar acessos aos dados fiscais do filho do presidente Jair Bolsonaro.

O juiz Márcio Moreira, da 8ª Vara Federal do Distrito Federal, entendeu que o habeas data, instrumento utilizado pelos advogados para obter as informações, não era o adequado para os objetivos do senador.

"O objetivo do habeas data é saber 'o que' existe a respeito do impetrante nos bancos de dados do Estado, e não para saber 'quem' acessou as informações ali constantes", afirmou o magistrado em sua decisão. O habeas data tem como objetivo assegurar a um cidadão acesso a dados e informações pessoais sob a guarda do Estado. 

O instrumento foi usado por perseguidos políticos na ditadura militar (1964-1985) a fim de obter, após a redemocratização, as informações produzidas sobre eles durante o regime. A defesa do senador afirmou que vai recorrer da decisão.

Conforme o jornal Folha de S.Paulo revelou, a Receita fez uma devassa para tentar identificar investigações em dados fiscais do presidente Bolsonaro, de seus três filhos políticos, de suas duas ex-mulheres, da primeira-dama, Michelle, e de Fabrício Queiroz, suposto operador financeiro de Flávio.

O levantamento foi muito mais amplo do que apontado meses atrás como um movimento apenas da defesa de Flávio contra a investigação da suposta "rachadinha" tocada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro.

Atingiu, na verdade, todo o entorno familiar do presidente, incluindo suas duas ex-mulheres com quem dividiu seu patrimônio e que não são alvo da investigação contra Flávio. O rastreamento abrangeu 22 sistemas de dados da Receita no período de janeiro de 2015 a setembro de 2020.

Os advogados dizem que não solicitaram a realização das demais pesquisas no entorno do presidente. A Receita não informou o responsável pela solicitação da devassa.

A defesa de Flávio afirma também que não recebeu o resultado da apuração especial sobre o senador e sua mulher, Fernanda, e recorreu à Justiça para obtê-los.

Os alvos do habeas data são o coordenador-geral de Tecnologia e Segurança da Informação da Receita, Juliano Neves, e o presidente do Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados), Gileno Gurjão Barreto.

Em sua decisão, Moreira não entra no mérito do pedido. O magistrado apenas afirma apenas que o meio jurídico para o pedido foi errado.

"O que se busca é o nome de quem pesquisou esses dados, as datas e as vias de acesso, informações que, obviamente, não fazem parte do banco de dados sobre a pessoa do impetrante e que não podem ser requeridas pela via do habeas data, uma vez que extrapolam sua finalidade instrumental concebida na Constituição Federal", escreveu o magistrado.

Ao negar oficialmente o acesso ao resultado da pesquisa, a Receita afirmou aos advogados do senador que os "logs" – como são chamados os arquivos sobre as consultas aos sistemas do Fisco – são sigilosos e não podem ser fornecidos com base na Lei de Acesso à Informação.

"Revelar os logs de acesso a determinada declaração ou dado fiscal, ou para que fim foi acessado, ou quem o acessou, sem motivação contundente, é revelar as ações da Administração Tributária no desempenho de suas funções legais, bem como a própria informação protegida por sigilo fiscal.”

A Receita também menciona parecer da CGU (Controladoria-Geral da União) que aponta risco de assédio sobre os auditores fiscais caso as informações dos "logs" fossem reveladas.

"Os servidores estariam expostos à cooptação criminosa de pessoas físicas e jurídicas, visando à obtenção de informações pertinentes não somente à sua situação fiscal e tributária própria e de terceiros, mas de eventuais procedimentos investigativos em curso na RFB", afirma o parecer.

A Receita não explicou, contudo, a razão do pedido de apuração especial sobre os nove CPFs de pessoas no entorno do presidente. A apuração especial é um meio pelo qual se obtém todo e qualquer "log”.

Os "logs" indicam a data e o nome do auditor responsável pela consulta aos dados fiscais dos contribuintes. Caso não haja justificativa para a atuação, o servidor pode ser punido pelo acesso imotivado.

O resultado da apuração especial, porém, também permite identificar investigações legais ainda em sigilo contra o dono do CPF analisado.

A mobilização da estrutura do governo em favor de Flávio foi revelada em outubro pela revista Época. Na ocasião, soube-se que as advogadas do senador recorreram à Receita e ao Serpro para tentar descobrir em que momentos os dados fiscais de Flávio e de sua mulher foram acessados.

O motivo manifestado pela defesa era o de que o relatório do Coaf (órgão federal de inteligência financeira) que originou a investigação da "rachadinha" continha informações com detalhes cuja origem não eram os bancos, com os quais o órgão troca informações. Os dados viriam, na verdade, da Receita.

A suspeita da equipe de Flávio era que ele tenha sido vítima de prática semelhante à revelada por mensagens obtidas pelo Intercept Brasil, na qual dados fiscais sigilosos eram obtidos informalmente por procuradores da Operação Lava Jato.

A prática é conhecida como "fishing expedition", no qual investigadores acessam dados fisciais de uma pessoa sem justificativa legal em busca de possíveis irregularidades.

Veja também

Moraes autoriza que Anderson Torres cuide da mãe com câncer e flexibiliza cautelares
EX-MINISTRO DA JUSTIÇA

Moraes autoriza que Anderson Torres cuide da mãe com câncer e flexibiliza cautelares

MP do TCU pede suspensão de salários de Bolsonaro e outros 24 militares indiciados
trama golpista

MP do TCU pede suspensão de salários de Bolsonaro e outros 24 militares indiciados

Newsletter