Julgamento sobre orçamento secreto no STF gera primeiro atrito entre Lira e Lula; entenda
Articulações do presidente eleito nos bastidores do STF pela derrubada das emendas de relator irritaram o presidente da Câmara
O julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a legalidade do orçamento secreto deflagrou o primeiro atrito entre o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
O deputado se irritou ao receber informações de que o petista teria articulado junto a ministros da Corte para derrubar o mecanismo de partilha de recursos da União sem transparência e lhe cobrou explicações.
Na tentativa de manter o bom ambiente no Congresso durante a tramitação da “PEC da Transição”, aliados de Lula enviaram recados ao tribunal de que não se opõem a uma saída alternativa, como o próprio Legislativo definir regras que tornem a distribuição das verbas mais transparente, sem a necessidade de por fim às chamadas emendas de relator.
Durante a campanha eleitoral, Lula fez diversas críticas ao orçamento secreto e chegou a classificá-lo como “excrescência”. A eventual proibição do instrumento, por meio do qual deputado e senadores podem destinar verbas federais sem serem identificados e de forma desigual, retira poder do Parlamento. Um dos maiores prejudicados pela vedação seria Lira.
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Desde que assumiu o comando da Câmara, ele tem participado ativamente das decisões sobre quais parlamentares devem ser agraciados com destinações de dinheiro para seus redutos eleitorais. Alguns petistas foram beneficiados. Reservadamente, parte deles se diz entusiasta das emendas de relator.
Nesse cenário, Lira e Lula tinham interesses distintos em relação ao julgamento no Supremo. Na quarta-feira, a Corte começou a analisar ações que questionam a constitucionalidade do orçamento secreto. O julgamento, entretanto, foi interrompido e deverá ser retomado na semana que vem.
No mesmo dia, Arthur Lira disse ao vice-presidente do PT, o deputado José Guimarães (PT-CE), que movimentos de Lula em direção a magistrados para barrar as emendas de relator atrapalhariam a votação da “PEC de Transição” na Câmara. O projeto, aprovado anteontem pelo Senado, abre espaço de R$ 168 bilhões no orçamento para que o petista possa cumprir promessas de campanha, como a concessão do Bolsa Família de R$ 600.
Também na quarta-feira, à tarde, Lula e Lira conversaram por telefone. O mandatário da Câmara se queixou do “timing” do julgamento e disse que repercussão da proibição das emendas de relator poderia impactar negativamente a votação da PEC. O presidente eleito negou qualquer interferência.
Nomes importante do PT ouvidos pelo GLOBO, na condição de anonimato, tratam a investida de Lira como uma tentativa de pressão inócua. Esses políticos apostam que a PEC da Transição deverá ser aprovada, pois grande parte deputados integra partidos que negociam o ingresso no futuro governo, como MDB, PSD, PSB, União Brasil, Solidariedade, entre outros. Além disso, o PT já declarou apoio à reeleição de Lira no ano que vem e uma eventual ruptura poderia ameaçar os planos do deputado de permanecer na presidência da Câmara por mais dois anos, a partir de 2023.
O presidente do PP, partido de Lira, o deputado Cláudio Cajado (PP-BA) reforçou que o “principal ruído” para a PEC da Transição avançar é possibilidade de o Supremo enterrar as emendas de relator.
— Até segunda-feira essas coisas devem ser clareadas. O próprio presidente Lira está intermediando as negociações — diz o cacique partidário, que acrescenta: — Se o RP-9 (emendas de relator) cair, isso vai trazer uma consequência muito grande ao Congresso.
Após a conversa telefônica entre Lira e Lula, petistas ligados ao presidente eleito passaram a enfatizar que estão de acordo com um projeto esboçado pelo relator do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI), que dá transparência na distribuição dos R$ 19 bilhões em emendas de relator previstos para o ano que vem. O Centrão, grupo político de Lira, apoia o texto.
Fator Pacheco
A proposta de Castro é considerada um caminho de menor dano para os congressistas. Eles o veem como uma medida importante para, na prática, convencer o Supremo a não acabar com o mecanismo. A nova regra, embora jogue luz sobre quem destinou recursos e para onde os enviou, não estabelece critérios de distribuição. Dessa forma, os caciques partidários poderiam continuar sendo privilegiados na partilha.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), encorpou as articulações. Ele afirmou a aliados que faria o meio de campo para demonstrar aos ministros do STF que o texto gestado no Congresso resolve o problema.
No Supremo, as movimentações da Câmara dos Deputados e do Senado para a elaboração de uma proposta que vise a dar transparência à ferramenta orçamentária são acompanhadas de perto pelos ministros. Nos bastidores da Corte, o entendimento é de que o desfecho do julgamento do orçamento secreto dependerá das medidas que forem adotadas pelos parlamentares e que é preciso haver regras para que a concessão de emendas não seja mais “secreta”.
Reservadamente, ministros do STF confirmam que emissários do PT já procuraram a Corte para manifestar apoio à proposta de modulação costurada pelo Congresso. Auxiliares do tribunal lembram ainda que nenhuma das ações contra o orçamento secreto foram apresentadas pelo partido do presidente eleito.