Lira suspendeu votação de destaques por falha técnica, mas problema não impediu aprovação do texto
Presidente da Câmara interrompeu sessão quando deputados iriam votar retirada do estado de emergência do projeto, o que retiraria blindagem de Bolsonaro
A votação da proposta de emenda à Constituição (PEC) Eleitoral, que institui um estado de emergência e amplia o pagamento de benefícios às vésperas das eleições, empacou na Câmara, justamente a Casa que entrega com mais velocidade a aprovação de projetos do interesse do governo.
Além do problema de mobilização da base para manter o quórum, um “apagão” afetou a sessão da terça-feira e adiou a análise da proposta pela segunda vez.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), suspendeu a votação da PEC ontem à noite por causa dos problemas técnicos, justamente no momento em que se analisava um destaque, do PT, que que retiraria a menção ao estado de emergência do texto.
A retirada da emergência derrubaria também uma blindagem ao presidente Jair Bolsonaro, que usa esse artifício para driblar a lei eleitoral, que veda a criação de benefícios no ano do pleito. Sema o estado de emergência, a avaliação do próprio governo é que Bolsonaro poderia ter problemas com a Justiça Eleitoral.
A sessão ontem foi suspensa por volta das 20h40. Mas os problemas de conectividade começaram quase duas horas antes.
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Era por volta das 18h45 quando Lira estava encerrando a votação da PEC do piso da enfermagem que os primeiros sinais surgiram: a conexão de wi-fi da Câmara caiu, o que foi rapidamente percebido tanto por quem estava trabalhando na Casa quanto pelos próprios parlamentares, já que alguns faziam transmissões ao vivo neste horário para celebrar a aprovação da proposta em primeiro turno.
Depois, houve uma avalanche de quedas em sistemas. As transmissões em redes sociais caíram – a sessão da Câmara nas redes sociais ficou por muito tempo congelada e o horário em tela mostrava que estava parada às 19h03 –, o site da Casa ficou inacessível e o sistema Infoleg caiu. O Infoleg é o sistema pelo qual os deputados podem votar remotamente, e aí começaram os problemas da sessão.
O quórum estava elevado – havia 467 deputados marcando presença quando o problema começou – , mas só era possível votar do plenário. Por mais de uma vez, Lira usou o microfone para apelar aos deputados que estivessem em Brasília para voltarem para a Câmara para votar de suas bancadas. Ali, não houve qualquer problema para a votação.
Para aprovar um requerimento de retirada de pauta e a votação do primeiro turno da PEC, a solução improvisada, com quórum menor, serviu.
Mas ali já vieram alertas, sobre o quórum e a insatisfação de alguns parlamentares com o andamento da sessão. A votação para retirada de pauta começou às 19h e fechou às 19h23, e só 273 parlamentares votaram.
Já o primeiro turno teve o intervalo de votação entre 19h42 e 20h16, e ele já transcorreu em meio a intensificação de declarações sobre o problema técnico. O próprio Lira anunciou que pediria à Polícia Federal e Ministério da Justiça para investigarem o incidente e deputado da base levantou a possibilidade de fraude.
Quando concluiu a votação em primeiro turno, apenas 408 deputados votaram. O texto foi aprovado, com 393 votos favoráveis e apenas 14 contrários. Para aprovar uma PEC, é necessário o apoio de pelo menos 308 dos 513 deputados. Esse é o mesmo número que o governo precisa para manter o estado de emergência na proposta, que a oposição quer derrubar.
O problema é que para aprovar o texto-base, o governo teve a ajuda da oposição. Apesar de criticarem o caráter eleitoreiro da proposta, os deputados concordam com o mérito do projeto, de ampliar o valor do benefício do Auxílio Brasil.
Aí dois movimentos ocorreram simultaneamente. O problema técnico levou muitos parlamentares que estavam acompanhando a sessão à distância e ligarem e reclamarem da impossibilidade de votar, o que chegou a diversos líderes e ao próprio Lira.
Sem esses votos aliados e com a oposição querendo aprovar um destaque que contra o governo, o risco de manter a votação e sofrer um revés com uma mudança no texto da PEC era muito grande. Em caráter reservado, parlamentares da base e oposição acreditam que isso também pode ter influenciado a decisão pela suspensão.
A votação toda está se desenrolando de forma totalmente atípica no Congresso. Depois de uma aprovação muito rápida no Senado, que geralmente impõe mais resistência, a Câmara vem enfrentando problemas de articulação política e técnicos, que impedem a conclusão da análise.
Lira acelerou o ritmo na tramitação na comissão especial, com a realização de sessões plenária de um minuto para a contagem do prazo, a votação empacou quando chegou ao plenário, e nem foi preciso de nenhuma ação da oposição.
A PEC Eleitoral amplia o pagamento de benefícios sociais e institui um estado de emergência, um dos pontos mais polêmicos e que é criticado por juristas. A legislação eleitoral proíbe a criação e ampliação de benefícios no ano do pleito, a não ser em caso de emergência ou calamidade. A PEC dribla leis fiscais e eleitorais para abrir caminho para R$ 41 bilhões em despesas públicas com a instituição de um estado de emergência no Brasil até dezembro.
Os gastos vão financiar benefícios como a ampliação do Auxílio Brasil (para R$ 600) e a criação do "Pix Caminhoneiro", no valor de R$ 1 mil, para subsidiar gastos com combustível de caminhoneiros autônomos. A pressa do governo com a aprovação é para tentar antecipar esses pagamentos, para que haja efeitos na popularidade do presidente Jair Bolsonaro antes das eleições.