Longe de entrevistas, Bolsonaro gera crises com declarações em lives e conversas com apoiadores
Em suas lives semanais ou ao falar com apoiadores, o presidente levanta polêmicas
"Quem não gosta de mulher, gosta de homem, não é isso?" A pergunta do presidente Jair Bolsonaro foi feita, em sua live semanal na última quinta-feira (10), a uma youtuber de dez anos.
"Ah, mas é feio isso aí", respondeu a menina, sob gargalhadas do presidente. "Tem que ser certinho, gente, para vocês terem um futuro bem legal lá na frente. Eu, por exemplo, comecei cedo", continuou a youtuber.
Bolsonaro a interrompeu e fez uma possível piada de conotação sexual. "Começou cedo? Como é que é? O que que é?", questionou. Sem entender a insinuação, a menina respondeu que se referia à carreira de youtuber.
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A decisão do presidente de não conceder mais entrevistas a jornalistas não o impediu de promover crises e fazer declarações que geram polêmicas.
Além do comentário de conotação sexual com a criança, Bolsonaro teve, nas últimas semanas, de se explicar ao governo da Bolívia e se viu como líder do movimento antivacina no Brasil. Em paralelo, o presidente enfraqueceu a comunicação institucional da Presidência, concentrando nele o papel de porta-voz de seu próprio governo.
Além da demissão do general Otávio Rêgo Barros, porta-voz do Palácio do Planalto, o presidente enxugou a Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social). A estrutura, que contava com 203 cargos no início do ano, agora soma 153, segundo informou à reportagem o Ministério das Comunicações.
Em junho, Bolsonaro cedeu ao pedido de auxiliares presidenciais e deixou de dar entrevistas diárias. O gesto conferiu ao governo um período de relativa calmaria, mas a máquina de gerar crises continua ativa.
Em suas lives semanais ou ao falar com apoiadores, o presidente levanta polêmicas que, ao mesmo tempo que servem de cortina de fumaça para episódios das crises econômica e política, aumentam o desgaste do governo.
Na mesma live da última quinta-feira (10), Bolsonaro fez comentário gordofóbico com o assessor especial da Presidência Tércio Arnaud Tomaz, integrante do "gabinete do ódio", responsável pelo monitoramento e estratégias digitais do presidente.
As paradas de Bolsonaro na entrada do Alvorada, registradas por um canal bolsonarista no YouTube que tem 2,25 milhões de inscritos, também têm gerado repercussão negativa.
Em 1º de setembro, assim que chegou à residência oficial, parou para falar com os apoiadores e já começou a dar explicações.
Relatou que, na semana anterior, fora abordado por uma pessoa que achava que uma ponte em Rondônia deveria ser construída em um local diferente daquele planejado originalmente. O presidente, então, recomendou que o interlocutor procurasse o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas.
"A partir daí, coube até manifestação da senhora presidente da Bolívia [Jeanine Áñez] dizendo que eu estava discordando de um acordo firmado lá atrás. Olha, qualquer ponte com outro país não vai ser uma decisão unilateral nossa que vai ser mudada de local", explicou Bolsonaro, na semana seguinte, para o celular que gravava tudo.
Após tentar contornar o mal-entendido diplomático, o presidente disse que, a partir daquele dia, só falaria com apoiadores sobre amenidades. "Às vezes eu quero responder, quero colaborar, mas tem uma repercussão enorme o que eu falo aqui. Então, vou evitar falar, a não ser assuntos que têm a ver com família, time de futebol", afirmou o presidente.
Na noite anterior, ele já havia proferido declaração que, quase 15 dias depois, ainda motiva críticas. "Ô, Bolsonaro, não deixa fazer esse negócio de vacina, não, viu? Isso é perigoso", afirmou uma apoiadora, dizendo-se profissional de saúde. "Ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina", respondeu o presidente, como mostra registro em vídeo.
No dia seguinte, a Secom publicou mensagem em que diz que "impor obrigações definitivamente não está nos planos" e que "o governo do Brasil preza pelas liberdades dos brasileiros".
As manifestações do presidente e do órgão oficial de comunicação do governo foram vistas como um desserviço, pelo aspecto sanitário, e, pelo lado político, como a construção de uma narrativa para colocar em descrédito a vacina chinesa que está em teste no Brasil por intermédio do governo de João Doria (PSDB-SP) -virtual oponente de Bolsonaro na eleição presidencial de 2022– e que pode ser disponibilizada antes daquela negociada pelo Ministério da Saúde.
Auxiliares do presidente dizem que a frase foi dita –e divulgada– fora de contexto. Em outras manifestações, Bolsonaro tentou explicar melhor seu posicionamento. "A gente não pode injetar qualquer coisa nas pessoas, muito menos obrigar. Eu falei outro dia 'ninguém vai ser obrigado a tomar vacina', o mundo caiu na minha cabeça. A vacina é uma coisa que, no meu entender, você faz a campanha e busca uma solução, não pode amarrar o cara e dar a vacina dele", disse na terça-feira (8), em uma reunião com médicos transmitida por suas redes sociais.
Assessores presidenciais dizem que Bolsonaro sabe que, quando não cria polêmicas, há efeitos diretos como a redução de notícias negativas sobre ele, mas, por outro lado, ponderam que o presidente é espontâneo e que este é o jeito dele.