Lula atende grupo de Lira e mantém Codevasf e Dnocs com centrão para ampliar base aliada
Petista assegura espaço no governo e orçamento bilionário ao grupo do presidente da Câmara
Em sua investida para arregimentar uma base sólida no Congresso, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu manter o comando da cobiçada Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf) nas mãos do Centrão.
A indicação à presidência da estatal, que tem orçamento bilionário, caberá ao líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA), aliado próximo do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Além disso, o Planalto entregará o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) para o Avante, sigla também sob a influência do parlamentar do PP.
A decisão sela um arranjo político que vem sendo costurado desde que Lula venceu as eleições, em outubro. Ciente de que precisaria da influência de Lira na Câmara para aprovar seus projetos, o petista mudou o tom das declarações sobre o deputado, a quem chegou a chamar de “imperador” na campanha, e ofereceu em troca amplo apoio de seu partido à recondução do líder do Centrão à presidência da Casa.
O parlamentar, por sua vez, até então aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, acenou de volta a Lula. Agora, ao deixar a Codevasf sob o controle de um indicado de Elmar, o titular do Planalto busca atender também a Lira. Como presidente da Câmara, ele tem o poder sobre a pauta de votações e, com isso, pode criar obstáculos à governabilidade.
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O PP, legenda de Lira, e o União Brasil acertaram que vão se unir numa federação, modelo que obriga os partidos participantes a atuarem no Congresso como se fossem um só pelos próximos quatro anos. O movimento do governo visa a atrair a futura coligação — juntos, PP e União contam com 108 deputados, o que vai representar a maior bancada da Câmara, e 15 senadores, a segunda mais numerosa daquela Casa.
Desde que assumiu, Lula tem trabalhado ativamente para conquistar PP, PL e Republicanos, as três legendas que formam o Centrão, bloco partidário mais conhecido pelo pragmatismo político do que pelos posicionamentos ideológicos. Até agora, havia conseguido firmar um acordo com Republicanos, que aceita votar com o governo em projetos da pauta econômica e social. Ao agraciar Lira, aproxima-se do PP. A negociação mais complicada se dá com o PL, sigla de Bolsonaro.
O nome do presidente da Codevasf, porém, será apresentado por Elmar Nascimento, personagem que o governo tinha deixado pelo caminho. Ele estava entre os favoritos para ser ministro da Integração Nacional, mas a ascensão foi barrada por petistas da Bahia, seus adversários no estado. Depois disso, passou a atuar nos bastidores para seguir dando as cartas na Codevasf, como ocorria no governo de Jair Bolsonaro.
A estatal é presidida desde 2019 pelo engenheiro Marcelo Andrade Moreira Pinto, apadrinhado de Elmar. Segundo integrantes do governo, caberá ao líder do União decidir se manterá o atual presidente ou apresentará outro indicado. A atual gestão acumula uma série de denúncias de irregularidades.
Além da situação da Codevasf, foi definido que o comando do Dnocs ficará na cota do deputado Luís Tibé (MG), presidente do Avante. O partido elegeu sete deputados. Tibé também é próximo de Arthur Lira. O atual diretor do Dnocs, Fernando Marcondes de Araújo Leão, chegou a ser exonerado no começo do governo Lula, mas o ato depois foi revisto por interferência de Tibé e Lira.
Histórico de problemas
Tanto a Codevasf quanto o Dnocs se tornaram destino de emendas de relator nos últimos anos, enquanto vigorou o orçamento secreto. Trata-se do instrumento parlamentar por meio do qual deputados e senadores podiam destinar verbas da União sem serem identificados. Os dois órgãos estão subordinados ao Ministério da Integração Nacional, que é comandado pelo ex-governador do Amapá Waldez Góes. A indicação de Góes foi bancada pelo ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (União-AP).
Com relação à Codevasf, após a definição do presidente, deve ser iniciada uma disputa pelos demais postos da diretoria da companhia. Deputados do PT pleiteiam cargos na estatal.
Nos quatro anos de governo Bolsonaro, a imagem da Codevasf esteve vinculada a suspeitas de fraudes. Somente a Controladoria-Geral da União (CGU) produziu mais de 20 relatórios apontando indícios de irregularidades nos contratos da companhia, que promove políticas públicas como obras de infraestrutura e repasses de equipamentos a estados e municípios. Os levantamentos da CGU identificaram sinais de superfaturamentos, além de “inconsistências e incompatibilidades com as normas internas”. Documentos da Controladoria indicam que a estatal não conta com mecanismos de controle eficientes para coibir irregularidades.
A estatal também foi alvo de diversas investigações. Em julho do ano passado, a Polícia Federal deflagrou uma operação para desarticular uma associação criminosa suspeita de fraudes em licitações, desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro envolvendo verbas federais em contratos com a companhia. Em janeiro, a PF também cumpriu mandados de busca e apreensão, além de prisões preventivas, nas cidades de Petrolina, no sertão de Pernambuco, e Campo Formoso, na Bahia.
Procurada pelo GLOBO, a Codevasf informou, por meio de nota, que “possui sólida e ativa estrutura de governança” e que respeita a legislação e “atua em cooperação permanente com órgãos de fiscalização e controle”. A estatal sustenta ainda que mantém melhorias contínuas de suas atividades. Cita como exemplo a assinatura com a CGU de um protocolo de intenções “para implantar sistema que aumenta a eficiência na gestão de informações de procedimentos licitatórios” feitos pela companhia.