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Política

'Fui vítima da maior mentira jurídica contada em 500 anos de história', diz Lula

LulaLula - Foto: MIGUEL SCHINCARIOL / AFP

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) concedeu entrevista coletiva, nesta quarta-feira (10), direto do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, com transmissão ao vivo nas suas redes sociais. A entrevista aconteceu dois dias depois do petista recuperar os direitos políticos em decisão monocrática do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal. A decisão anulou todas as condenações proferidas contra o ex-presidente Lula pela 13ª Vara Federal da Justiça Federal de Curitiba, responsável pela Lava Jato. O pronunciamento estava previsto para a terça (9), mas o ex-presidente preferiu aguardar o início do julgamento da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro.

Depois de pedir permissão para tirar a máscara, Lula iniciou a sua fala lembrando que o mesmo Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo foi o palco do último discurso antes dele ser levado à prisão. "Faz quase três anos que eu saí da sede desse sindicato para ir me entregar à Polícia Federal. Eu fui, obviamente, contra a minha vontade, porque sabia que estavam prendendo um inocente. Muitos dos que estavam aqui não queriam que eu fosse me entregar. Tomei a decisão de me entregar porque não seria correto um homem da minha idade pudesse aparecer na capa dos jornais como um fugitivo", recordou.

"Quando resolvi marcar essa entrevista, muita gente ficou preocupada com meu humor. Como é que o Lula vai estar, ele vai estar bravo, vai estar xingando alguém? ele vai falar palavras e esperança?", disse o ex-presidente, que desabafou sobre os sentimentos que teve ao ter sido preso naquelas circunstâncias, em 2018.

"Se tem um brasileiro que tem razão de ter muitas e profundas mágoas, sou eu. Mas não tenho. Sinceramente eu não tenho, porque o sofrimento que o povo brasileiro e as pesoas pobres estão passando nesse pais é infinitamente maior do que qualquer crime que cometam contra mim, é maior do que cada dor que eu sentia quando estava preso na Polícia Federal. Se tem um cidadão que tem razão de estar magoado com as 'chibatadas', sou eu. Não tô. As pessoas pensam que depois de dar chibatada jogam um pouco de sal e pimenta e a pessoa vai se curar com o tempo, não importam as cicatrizes".

Segundo o petista, sua trajetória na política acompanha o desenvolvimento político dos trabalhadores. "Eu sou, na política, o resultado da consciência política da classe trabalhadora brasileira. Quando ela evoluiu, eu evoluí", comparou o ex-presidente. "Sei que fui vítima da maior mentira jurídica contada em 500 anos de história. Eu sei que a minha mulher Marisa morreu por conta da pressão e o AVC se apressou. Eu fui proibido até de visitar o meu irmão dentro do caixão", lembrou Lula. 

Lula

Processos
"Só foi possível acontecer o que aconteceu segunda-feira pela coragem. Vocês estão lembrados quando eu disse que não trocava minha liberdade pela minha dignidade e que minha canela não era canela de pombo para usar uma tornozeleira? Eu tinha certeza que esse dia chegaria. Esse dia chegou com o voto do Fachin. De reconhecer que nunca teve crime cometido por mim e nunca teve envolvimento meu com corrupção na Petrobras", afirmou Lula.

Sobre os processos judiciais que tem enfrentado ao longo dos anos, Lula disse estar tranquilo e voltou a exigir o direito de um  julgamento justo. "Eu não sei onde vai parar o processo. Eu fico trabalhando com a seguinte ideia: estou pedindo para que qualquer pessoa que quiser me acusar de alguma coisa, que mostre uma prova", disse. Segundo Lula, nos últimos cinco anos, ele tem sido "tripudiado" por acusações sobre desvios na Petrobras, que agora se comprovam, na decisão de Fachin, que comprovariam que ele é inocente da acusação que sofreu da Operação Lava Jato.

"Eu já fui absolvido em 11 ações porque nós vivemos a decada do denuncismo. Isso parece que está baixando agora, porque as pessoas vão ter que ter mais responsabilidade. Não existe país do mundo que um juiz fizesse o que o Moro fez. Não existe um procurador do mundo que fizesse o que Dallagnol fez. Esses estavam montando quase que uma quadrilha. Quem estava roubando a Petrobras eram eles. Isso não é o PT que fala, eles que falam [nas mensagens vazadas]", pontuou.

Moro e a Lava Jato
"Eu estou muito de bem com a vida. A Lava Jato desapareceu da minha vida. Eu não espero que as pessoas que me acusam parem de me acusar. Estou satisfeito que tenha sido reconhecido aquilo que meus advogados vêm dizendo há muito tempo. Nós derrubamos 11 ações ao longo de 5 anos. Ou seja, tivemos 100% de êxito na decisão do Fachin", comemorou. 

Lula também questionou a demora para que o o Supremo julgasse a incompetência de Sergio Moro sobre seu processo. "Por que o Fachin não tinha feito isso antes [decidir sobre o vício de competência]? Estou dizendo isso há cinco anos", lembrou.

"Quando você envereda no caminho da mentira, é difícil voltar atrás. Era a razão pela qual a quadrilha de procuradores e o Moro entendiam que a única forma de me pegar era levar para a Lava Jato. Eles tinham isso como obsessão, porque queriam criar um partido político para me criminalizar", avaliou. 

"Moro diz que não reconhece [as mensagens vazadas], Dallagnol não reconhece, mesmo tendo uma peritagem e a Suprema Corte autorizando. Eles nunca apresentaram nenhum documento e nenhum centavo ou a razão de eu ser condenado a nove anos de prisão. E agora quem é vítima do apartamento [Triplex] é o Boulos. E, se fosse verdade que eu era o dono, eu não processei o Boulos. E eles têm que dizer quem processou, quem era o dono do apartamento", desafiou.

"Nós vamos continuar brigando para que Moro seja considerado suspeito. Porque ele não tem o direito de se transformar no maior mentiroso da história do Brasil e ser um herói. Deus de barro não dura muito tempo. Eles sabem que cometeram erro. E eu sabia que não tinha cometido erro", destacou. "A Lava Jato podia ter apurado a corrupção, ter prendido o político que é ladrão e deixado as empresas funcionando", criticou o ex-presidente.

Candidatura
"Quero voltar a andar por esse país e a conversar com esse povo. O povo não tem o direito de permitir que um cidadão que causa os males que Bolsonaro causa ao país continue governando. Eu não sei qual, mas alguma atitude vamos ter que tomar, mas para discutir candidatura eu acho que vai ser bem pra frente. Tem momento pra tudo. A gente não pode ficar respondendo a insistência da imprensa de saber se vamos ter candidato. Depois a gente discute o resultado daquilo que fomos capazes de produzir", desconversou.

"Na verdade, temos que esperar chegar o momento de discutir, de escolher quem vai ser candidato para, quando chegar o momento de escolher candidato, decidir se vai ser possível candidatura única, se vai ter mais de um candidato", ponderou.

Frente Ampla
Para comentar sobre a criação de uma frente ampla para derrotar Bolsonaro em 2022, com a particpação de setores do centro e da centro direita, Lula lembrou que o PT tem experiência em alianças com setores fora da esquerda, e citou como exemplo o seu primeiro vice-presidente, o empresário José Alencar. "Foi a primeira vez nesse país que fizemos uma aliança entre o capital e o trabalho para governar o país. Foi o momento mais promissor da história democrática desse país.  Eu duvido que esse país possa repetir um vice da qualidade de José Alencar", lembrou Lula.

O papel da imprensa
Em seu pronunciamento, Lula criticou a atuação de parte da mídia durante seu julgamento e ao noticiar as ações da Lava Jato que envolviam seu nome. "Durante muitos anos, amplos setores da imprensa não exigiram nenhuma veracidade de Moro, dos procuradores e da Polícia Federal para divulgar as mentiras que contaram a meu respeito. Mas agora nós temos um perito que está analizando os documentos. e mesmo esse perito avalizando, vocês acompanham a imprensa", questionou.

Lula

"O vazamento era selecionado. Quantas e quantas matérias do principal jornal da televisão aparecia um gasoduto saindo dinheiro para falar 20, 30 minutos sem nenhuma prova contra mim? Contra o Lula não era preciso provar que o documento tinha seriedade, era preciso destruir. Afinal, esse torneiro mecânico já tinha feito demais nesse país". Segundo Lula, a Lava Jato tinha "um pacto com a mídia" para dar holofote às suas ações, mesmo as que não encontravam respaldo na legalidade.

"Nunca queiram sair na página dos jornais com a cara de vocês taxadas por um crime qualquer. Porque vocês vão perceber que muitas pessoas que achavam que era amiga de vocês vao desaparecer logo. Voces vão passar semanas sem receber um telefonema", relatou. 

"Ontem eu acho que quem assistiu à televisão não estava acreditando no que estava vendo. Pela primeira vez, a verdade prevaleceu. Dita não por ninguém do PT, mas dito por membros da Suprema Corte. Eu, como acho que tenho um pouco de experiência, fiquei feliz com a verdade, porque é para isso que servem os meios de comunicação. Jornalista não existe pra sair pra rua para cumprir a ordem do editor. Vocês não sabem, mas aqui nessa sala não tem ninguém que tenha lidado com a imprensa 10%  do que eu lidei. Desde 1975, eu lido com a imprensa. E sempre digo que o jornalista quando sai pra rua tem que dizer a verdade. A verdade nua e crua e é para isso que precisamos de uma imprensa livre, não uma impresa que divulga só o que politicamente ela quer".

Pandemia
Lula dedicou grande parte do seu pronunciamento para falar sobre a pandemia da Covid-19 e a luta para vencer o coronavírus no País, sem deixar de criticar as políticas adotadas pelo governo Bolsonaro para conter a crise sanitária. "Quero prestar minha solidariedade às vítimas do coronavirus, aos profissionais de saúde, mas, sobretudo, aos heróis e heroínas do Sus que sempre foram descredenciados", destacou o ex-presidente.

"Seria um erro da minha parte não falar para vocês que o Brasil não merecia estar passando o que está passando. Eu tenho 75 anos de idade, falo brincando que eu tenho energia de 30 ou de 20. Semana que vem, se Deus quiser, eu vou tomar a minha vacina. Não me importa de que país ou se é duas ou uma. Vou tomar minha vaicna e quero fazer propaganda para o povo brasileiro: 'não siga nenhuma orientação do presidente da República ou do ministro da Saúde. Mas, mesmo tomando vacina, não ache que pode tirar a camisa e ir para o boteco pedir uma cerveja gelada, não! Você precisa ir para o isolamento, lavar as mãos e usar máscara", advertiu.

"Esse vírus, essa noite, matou quase duas mil pessoas. As mortes estão sendo naturalizadas. Mas eram mortes que muitas delas poderiam ser evitadas, se a gente tivesse um governo que fizesse o elementar. Governar é a arte de saber tomar decisão. Bolsonaro deveria ter criado, em março do ano passado, um comitê de crise. Era preciso priorizar as vacinas que pudessem ser compradas em qualquer lugar do planeta terra, mas tínhamos um presidente que inventou uma tal de cloroquina. Que falava que quem tem medo do Covid é maricas, que o Covid era uma gripezinha, que ele era ex-atleta e quem portantom não iria morrer. Esse não é o papel, num mundo civilizado, de um presidente da República", criticou.

"Essa país poderia estar pesquisando e fazendo vacinas. Quando veio a H1N1, a gente vacinou 80 mihões de brasileiros em três meses. Esse país tem um sistema de saúde que sabe fazer isso. Cadê o Zé Gotinha? O Bolsonaro mandou embora! Esse país não tem presidente, não tem ministro da Saúde e não tem ministro da Economia. Esse país tem um fanfarrão", disparou. "Eu peço a Deus que leve o Covid-19 embora pra gente poder voltar à normalidade a esse país", seguiu. 

Bolsonaro
"Ele nao sabe o que é ser presidente da República. Ele, a vida inteira, não foi nada. Não era nem capitão, era tenente. E virou capitão porque se aposentou. E se aposentou porque queria explodir um quartel. Vocês imaginaram o poder da força do fanatismo? Através das fake news, o mundo elegeu Trump, elegeu Bolsonaro. A mentira anda em um avião supersônico e a verdade anda no casco da tartaruga", disse.

"Esse país está desordenado. Esse país não tem governo. Esse país não cuida da economia, do salário, do meio ambiente, do jovem, da meninada da periferia. Ou seja, do que eles cuidam?", perguntou o ex-presidente. 

O atual presidente da República não foi poupado de críticas e ironias de Lula: "É importante lembrar que o planeta é redondo. Ele tem um astronauta no governo. Ele já foi ao espaço e, se não dormiu, ele viu. E poderia dizer ao presidente que o planeta é redondo e que ele não deve dar ouvidos a Olavo de Carvalho".

Polarização
"O PT polariza desde 89. O PT é muito grande e não pode ter medo de polarizar. O que o PT deve ter medo é de não polarizar e ser esquecido. Vocês sabem qua a polarização é importante. Mas a polarização não pode cometer o erro como o PSDB cometeu em 2014. Não querendo aceitar o resultado. Deu no que deu, deu em Bolsonaro. Eu tenho certeza é de que, em qualquer circunstância, estaremos junto com os partidos de esquerda. A gente pode polarizar com quem quer que seja, desde que seja a esquerda polarizando com a direita. Desde que o PT surgiu, em todas as eleições presidenciais, o PT polarizou".

Diálogo com empresários
Lembrando que, nos governos petistas, havia muita negociação com o setor empresarial. Lula disse que, apesar de estar aberto a conversar com todos os setores da sociedade, tem como prioridade o bem estar social. "Eu não abro mao de defender os interesses dos trabalhadores brasileiros. Se eles são fascistas e não gostam de um país com sindicato forte, eles têm que saber. Eles têm que saber que um dia a esquerda vai voltar a governar esse país e a gente vai contriuir  os alicerces de um Estado indutor do desenvolvimento do país", afirmou.

Agradecimentos
A lista de agradecimentos  do ex-presidente em seu pronunciamento foi grande e incluiu desde o presidente da Argentina, Alberto Fernandes, o primeiro a telefonar para Lula depois da decisão de Fachin, até o Papa Francisco, para quem dedicou um agradecimento especial.

"Eu recebi uma carta do papa, além dos belos pronuciamnetos em vários momentos. Agradeço ao fato do papa me receber no Vaticano e termos uma longa conversa, não sobre o meu caso, mas sobre a desigualdade, que é o maior mal que paira sobre o planeta Terra. O Papa Francisco é o religioso mais importante que temos nesse momento", disse.

Lula agradeceu, ainda, ao Movimento dos Sem Terra, aos membros da vigília que o acompanharam dia e noite durante os 580 dias de sua prisão em Curitiba e a aliados políticos como Dilma Roussef, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, Aluízio Mercadante, líderes da América Latina, governadores, parlamentares, sindicalistas e movimentos sociais.

Lula falou do ex-presidente uruguaio Pepe Mujica como "uma das pessoas mais extraordinárias" que já conheceu e ainda agradeceu à prefeita de Paris, Anne Hidalgo, por assiscar sua reeleição para homenageá-lo como cidadão parisiense. Também foram lembrados por terem prestado solidariedade o senador e ex-candidato a presidente dos EUA Bernie Sanders e os ex- presidentes Jose Luiz Zapateiro (Espanha), Evo Morales (Bolívia), além da monja Cohen, dos músicos Martinho da Vila, Chico Buarque e do pensador Noam Chomsky.

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