Lula diz que STF, ao "se meter em tudo", cria "rivalidade" ruim para a democracia
Declaração representa também um gesto na direção do Congresso, que reclama abertamente do que chama de "ativismo político" do Poder Judiciário.
Alinhado aos posicionamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) desde o início do seu terceiro mandato no Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez seu primeiro movimento mais crítico à Corte durante entrevista ao UOL, nesta quarta-feira, 26.
Ao tratar da discussão sobre a descriminalização do porte de maconha, aprovada anteontem pelo STF, Lula disse que o tribunal "não tem que se meter em tudo". A declaração representa também um gesto na direção do Congresso, que reclama abertamente do que chama de "ativismo político" do Poder Judiciário.
Em sua fala, Lula manifestou preocupação com a atuação do STF, citando que a situação "começa a criar uma rivalidade que não é boa nem para a democracia, nem para a Suprema Corte, nem para o Congresso Nacional".
Leia também
• Porte de maconha: entenda a decisão do STF sobre descriminalização
• Moraes cassa sentença que apontou "erro" seu e manda CNJ investigar juiz que "desafiou" STF
• STF elege Cristiano Zanin como ministro substituto do TSE
"A Suprema Corte não tem que se meter em tudo. Ela precisa pegar as coisas mais sérias sobre tudo aquilo que diz respeito à Constituição", disse.
"Não pode pegar qualquer coisa e ficar discutindo."
Com dificuldades para consolidar uma base mínima para aprovar propostas de seu interesse, Lula tem enfrentado problemas seguidos com o Parlamento, justamente por essa falta de apoio.
Ao criticar a interferência excessiva do Supremo em pautas que o Congresso poderia legislar, Lula sinaliza um gesto de apoio ao que os parlamentares vêm cobrando, que é a menor participação dos ministros da Corte nesse tipo de debate.
Na prática, Lula tenta blindar a discussão sobre a descriminalização do porte da maconha de uma espécie de "revanche" de deputados e senadores sobre o tema, o que poderia acarretar uma radicalização em torno da discussão, como ocorreu no PL do Aborto, recentemente (mais informações nesta página).
Juscelino
Na entrevista, o presidente foi questionado sobre o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil). Lula indicou que afastará o auxiliar caso ele seja denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF).
Lula falou em indiciamento, embora o ministro já tenha sido indiciado pela Polícia Federal pelos crimes de corrupção passiva, fraude em licitações e organização criminosa. Juscelino é suspeito de participar de um esquema de desvio de emendas parlamentares em 2022.
O ministro diz que é inocente e que a ação da PF foi "política e previsível".
O presidente disse que não sabe se o União Brasil permanecerá com o cargo em caso de afastamento de Juscelino. Segundo ele, isso ainda seria discutido. "Não gosto de antecipar discussões", declarou. "Quando se apresentar o fato concreto, eu vou me reunir com as pessoas do União Brasil e vou saber se eles querem continuar."
Bolsonaro
Sobre seu antecessor no Planalto, Lula disse defender a "presunção de inocência" do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas afirmou que ele "tentou dar o golpe".
"O que eu defendo para ele eu defendo para mim: que ele tenha direito à presunção de inocência, que ele tenha direito de se defender e que ele seja ouvido", declarou. "Não quero que ele seja condenado ou que ele seja inocentado, eu quero que ele seja julgado corretamente." O presidente, no entanto, acrescentou: "Que ele tentou dar o golpe, tentou. Isso é visível."
8 de Janeiro
Lula também afirmou que o governo brasileiro está negociando com a gestão de Javier Milei para que os foragidos dos atentados golpistas de 8 de janeiro de 2023 cumpram pena na Argentina, caso não queiram retornar ao Brasil. O petista afirmou que a gestão federal está tratando do assunto da forma "mais diplomática possível".
De acordo com o chefe do Executivo brasileiro, os ministros da Justiça, Ricardo Lewandowski, e das Relações Exteriores, Mauro Vieira, além do diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, estão tratando do assunto com o governo argentino. "(Eles) Estão discutindo para ver o seguinte: se os caras (condenados pelos atentados do 8 de Janeiro) não quiserem vir, que eles sejam presos lá e fiquem presos na Argentina, ou venham para cá", declarou o petista na entrevista.
Na semana passada, o governo Javier Milei repassou ao Itamaraty uma lista com dados de brasileiros condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro que ingressaram no país vizinho e são considerados foragidos da Justiça. Os investigadores no Brasil tentam descobrir o paradeiro de 143 condenados por participação na tentativa de golpe.
Por meio de cooperação via adido, a Polícia Federal havia obtido informações de que pelo menos 47 réus já condenados ou com mandado de prisão em aberto de fato fugiram para a Argentina e fizeram pedidos de refúgio ao chegar ao país vizinho.
Na entrevista, Lula afirmou que ainda não conversou com Milei desde sua eleição, em novembro do ano passado, e só abrirá o diálogo com um pedido de desculpas. "Acho que ele tem que pedir desculpas ao Brasil e a mim. Ele falou muita bobagem."
Eleições
O presidente foi questionado sobre uma possível candidatura à reeleição em 2026. Ele citou o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e outros três chefes de Executivos estaduais - Romeu Zema (Minas Gerais), Ronaldo Caiado (Goiás) e Ratinho Jr. (Paraná) - como possíveis presidenciáveis do campo bolsonarista (o ex-presidente está inelegível até 2030).
"Quando citei o Tarcísio (em entrevista na semana passada), não é só ele. O bolsonarismo tem perspectiva de ter quatro candidatos (em 2026). Tem o Tarcísio, governador do Estado mais importante, Zema, Caiado e Ratinho Jr. Mas não sei se serão", afirmou.
Sobre as eleições municipais deste ano, o presidente voltou a afirmar que o PT pretende ter candidatos nos municípios em que há condições para disputar. Em outras cidades, disse ele, o partido deve apoiar "aliados importantes".