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PRESIDENTE

Lula nega ter cancelado jantar com príncipe que deu joias a Bolsonaro por receio da repercussão

Mohammed bin Salman faria homenagem em encontro nesta sexta-feira em Paris, dois dias após Lula afirmar que diferenças ideológicas não devem impedir diplomacia

Presidente Lula em ParisPresidente Lula em Paris - Foto: Ricardo Stuckert/PR

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva explicou, neste sábado (24), em entrevista coletiva em Paris, o cancelamento de última hora do jantar com o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, previsto para a noite de sexta-feira. O petista disse que a anulação do compromisso não foi por um eventual receio de repercussões negativas.

Acusado de ordenar o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, o líder de facto da nação rica em petróleo deu em 2021 joias milionárias ao então presidente Jair Bolsonaro — peças que o governo da época tentou trazer ilegalmente para o Brasil e que hoje são alvo de investigação.

"Não pensei nisso", afirmou. "Sabia de uma proposta de uma reunião com o príncipe da Arábia Saudita, que queria discutir investimento no Brasil. Eu simplesmente não tive condições de participar da reunião, e vou pedir para que o Itamaraty o convoque para ir ao Brasil discutir negócios com os empresários brasileiros".

Lula disse, ainda, que tem interesse comercial no contato com o príncipe herdeiro.

 

— Temos muito interesse em que a Arábia Saudita faça investimentos no Brasil. Sobretudo na questão da transição energética, para a qual vamos apresentar um grande projeto neste mês de julho. Se a Arábia Saudita tiver interesse em investir no Brasil, pode ficar certo de que o Brasil terá interesse em conversar com a Arábia Saudita. Independentemente das polêmicas, não estou preocupado com as joias, isso não é comigo — destacou.

Após afirmar que diferenças ideológicas não devem ser empecilho para a diplomacia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinha previsão de participar de um jantar em sua homenagem oferecido pelo príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman. Citando "a agenda pesada dos últimos dias", o presidente Lula cancelou o jantar posteriormente.

Bin Salman, que está em uma cruzada para se reabilitar, receberia Lula e primeira-dama, Janja Lula da Silva, na residência oficial da Arábia Saudita em Paris às 20h30 (15h30 no Brasil). O compromisso encerraria a agenda do presidente desta sexta, que teve como ponto alto sua participação na Cúpula para um Novo Pacto Financeiro Global, onde voltou a criticar os termos europeus para concluir o acordo entre União Europeia e Mercosul, fez outra defesa de desdolarização e criticou o sistema financeiro internacional.

Bin Salman está na França desde a semana passada, quando foi recebido pelo presidente Emmanuel Macron no Eliseu. Ele tinha boas relações com o governo de Bolsonaro, para quem deu joias que a perícia da Receita Federal estimou neste mês custarem R$ 5 milhões. O caso foi revelado pelo Jornal Estado de S. Paulo.

O pacote, que supostamente seria para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, tinha um colar da marca com 2 mil diamantes que, sozinho, custa cerca de R$ 3,3 milhões. O relógio da marca Chopard foi avaliado em R$ 935, mil, e um anel cravejado com uma centena de brilhantes, em R$ 151,7 mil. Há também brincos de R$ 633 mil, todos dados à comitiva brasileira quando uma equipe do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, ao Oriente Médio.

Um dos assessores do então ministro teria tentado entrar com as peças ilegalmente no Aeroporto de Guarulhos, sem declará-las à Receita. Elas, contudo, foram apreendidas, e foram ao menos quatro tentativas de tentar desbloqueá-las sem pagar altas tarifas.

Em depoimento à Polícia Federal, Bolsonaro disse que só soube dos presentes de Bin Salman e da retenção pela PF um ano depois, mas não soube dizer como ficou ciente da informação. Ele disse que acionou seu ajudante de ordens, Mauro Cid, para descobrir mais detalhes sobre o caso, e nega ter cometido qualquer irregularidade.

Há ainda outros dois kits de joias: um destinado ao ex-presidente, que teria entrado com Albuquerque e foi adicionado ao acervo pessoal de Bolsonaro, o que contraria às normas da legislação. O terceiro estojo foi recebido dois anos antes, em 2019, e teria sido entregue pessoalmente ao então presidente durante uma visita a Riad. Os estojos foram devolvidos ao Tribunal de Contas da União após reportagens, mas o caso está sob investigação.

Assassinato de Bin Salman
O príncipe herdeiro saudita, por sua vez, volta à cena internacional — no ano passado, chegou a receber em Jedá o mesmo presidente Joe Biden que durante a campanha o chamou de pária — após ser acusado de ordenar o assassinato do jornalista dissidente Jamal Khashoggi. O colunista do jornal Washington Post foi visto pela última vez entrando na embaixada saudita em Istambul, onde pretendia resolver trâmites burocráticos para se casar.

Segundo um relatório da ONU de 2019, ele teria sido morto por um grupo de 15 agentes sauditas, que desmembraram seu corpo e retiraram os vestígios do local. Os restos mortais nunca foram encontrados. O documento diz ainda haver "provas confiáveis" do envolvimento de Khashoggi, conclusão similar à obtida por um relatório do Departamento de Estado americano de 2021, que acusa Bin Salman de ter aprovado a operação.

A Coroa saudita nega qualquer envolvimento, mas as conclusões foram por algum tempo suficientes para o Ocidente tentar se afastar do aliado. O ponto de virada, contudo, veio com a Guerra na Ucrânia e disparada no preço dos combustíveis — o reino é o segundo maior produtor de petróleo do planeta e os interesses econômicos falaram mais alto para tentar aliviar o aumento que era sentido nas bombas de combustível americanas e contribuía para a maior inflação em quatro décadas no país.

Biden, após a reunião, disse que o príncipe negou envolvimento na morte de Khashoggi, que prometeu uma resposta caso incidentes similares voltem a acontecer, e que conversaram sobre violações de direitos humanos. Organizações da sociedade civil como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch acusam o reino de repressão maciça aos direitos humanos.

Agenda de Lula
Há uma série de denúncias de detenções arbitrárias, tortura, execuções em massa, enorme desigualdade de gênero e perseguição a minorias. Bin Salman também acusado de ter ordenado bombardeios ilegais que mataram civis no Iêmen.

A reunião com o príncipe saudita ocorreria dois dias após Lula se reunir com a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, de extrema direita — encontro que foi confirmado de última hora, depois de o Itamaraty afirmar que as agendas divergentes inviabilizariam a bilateral. Questionado pela imprensa do país europeu sobre a opção de se sentar com alguém distante no espectro político, o petista disse que não cabe aos chefes de Estado escolher com quem negociar:

"Em nenhum país do mundo que eu visito, me preocupo com o pensamento ideológico do presidente. Enquanto chefe de Estado, estou conversando com outro chefe de Estado. É isso que eu levo em conta, porque ele foi eleito pelo seu povo e eu, pelo meu", afirmou o petista. "Quando se trata de chefe de Estado, não existe nenhuma possibilidade de ter veto ideológico a qualquer pessoa".

Durante esta visita à Europa, Lula encontrou-se também com o Papa Francisco e com uma série de autoridades internacionais. O presidente terá uma entrevista coletiva na manhã de sábado em Paris e, depois, seguirá viagem para o Brasil.

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