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Entrevista

Magno Martins: "Marco Maciel, ave rara num País de corruptos"

Jornalista Magno Martins revela em entrevista bastidores do livro "O Estilo Marco Maciel", que será lançado nesta segunda (9), no Recife

Jornalista Magno Martins, autor do livro Jornalista Magno Martins, autor do livro  - Foto: Divulgação

O livro O Estilo Marco Maciel, biografia do ex-vice-presidente da República, será lançado hoje no Recife. A noite de autógrafos está marcada para às 18 horas, na Assembleia Legislativa. Autor, o jornalista Magno Martins revela, nesta entrevista exclusiva à Folha, os motivos que o levaram a dar um corte na sua atribulada rotina de blogueiro, colunista e âncora da Rede Nordeste de Rádio, para se dedicar à obra.

“Marco Maciel era tão discreto que pouco ou nada se conhece da sua trajetória de relevantes serviços prestados ao País. Sem ele, Tancredo não teria derrotado Maluf. Sem ele, os caminhos da redemocratização teriam sido muito mais espinhosos”, diz ele, para acrescentar: “Maciel foi uma ave rara de honradez num País de corruptos. No linguajar de hoje, ficha limpa”.

Por que escrever sobre Marco Maciel?

Há pouca literatura disponível sobre Marco Antônio de Oliveira Maciel, que ocupou todos os cargos de relevância que um homem público almeja. Foi, nesta ordem, deputado estadual, deputado federal, presidente da Câmara dos Deputados, governador de Pernambuco, senador da República por três mandatos, ministro da Educação e Casa Civil, e vice-presidente da República de Fernando Henrique Cardoso por dois mandatos, sem nunca ter seu nome envolvido em escândalos, algo tão corriqueiro na vida pública brasileira. Foi um grande brasileiro, um estadista.

Mas ele foi beneficiário do regime militar ao ser escolhido governador biônico. Não é uma mancha?

Como não tinham como atacar a honra de Marco Maciel, seus adversários o agrediam na seara ideológica. Nas campanhas, o carimbavam como filhote da ditadura, mas desconheço um político tão democrata quanto Maciel. Não fosse a sua enorme capacidade de construir consensos, Tancredo Neves não teria sido eleito presidente da República, derrotando Paulo Maluf, o que levou o País a se reencontrar com a democracia. Maluf era a continuidade do regime de exceção no País. Governador, Marco Maciel fez um governo de grandes realizações: 100 mil casas populares, triplicou o acesso de estudantes ao ensino público. Numa época em que as comunidades distantes eram isoladas por falta de comunicação, implantou o sistema móvel de telefonia da Telpe em todos os municípios do Estado. No seu Governo, dentre tantas marcas, Suape viu o primeiro navio ser atracado em suas águas profundas.

O senhor era próximo a ele?

O conheci como repórter estagiário da equipe do Palácio das Princesas no final do seu Governo, em 1981. Algum tempo depois, escolhido pelo jornalista Ângelo Castelo Branco, seu secretário de Imprensa, recebi a missão de cobrir as viagens pelo País, ele na condição de pré-candidato ao Palácio do Planalto nas eleições indiretas do Colégio Eleitoral. Foi a partir daí que conheci melhor o homem e o político Marco Maciel.

Como assim?

O título do livro fala de estilo. Quando se trata de Marco Maciel, um estilo que foge à regra da grande maioria dos políticos brasileiros: nunca usou verba de gabinete como parlamentar nem tampouco cartão corporativo como vice-presidente. Morreu sem fazer patrimônio. Um único imóvel que teve, foi financiado pela CEF. Quando perdeu a eleição de senador em 2010 se desfez do apartamento no Recife para comprar outro em Brasília, onde morou até a sua morte, em 2021. Só teve um carro, um Opala, que comprou pagando as mensalidades dos rendimentos de uma poupança. Nunca empregou um filho, todos advogados e com empregos mediante concurso público. Hoje, com raras exceções, os políticos brasileiros têm casa de campo, na praia e até em Miami.

Então, o legado de Marco Maciel é o da ética e da moralidade?

Ele tinha zelo pela coisa pública e no seu modus operandi da política não fulanizava, ou seja, não agredia ninguém. Para ele, a política era um sacerdócio. Não mentia, nem enganava. Temente a Deus, ia todos os domingos à missa. Quando vice-presidente, criou o hábito de convidar políticos e amigos para uma missa no Palácio do Jaburu, residência oficial do Vice-Presidente, às quintas-feiras. Foi por diversas vezes ver o Papa em Roma e quando governador recebeu João Paulo II no Recife. Seu estilo ia além disso. Talvez fosse um dos políticos que mais tinham em mente os nomes de aliados, de líder comunitário ao cargo mais importante. Fazia questão de ligar no aniversário de quase todos, ou mandar um carinhoso cartão de parabéns. Era um homem elegante no trato. Em sua apresentação no livro, o jornalista Marcelo Tognozzi diz que Marco Maciel deixou a sua marca na política construindo a paz, num Brasil onde a guerra pelo poder sempre foi movida a ódio e rancor.

Dizem que ele como vice-presidente não fez muito por Pernambuco e há quem diga que tenha sido omisso em algumas situações.

Isso é uma mentira deslavada. Em seu depoimento para o livro, a viúva Anna Maria Maciel diz que Marco Maciel trabalhava pelo País com os olhos voltados para Pernambuco. Maciel foi vice-presidente quando o governador de Pernambuco era Jarbas Vasconcelos. E Jarbas não fazia nenhuma viagem a Brasília que não passasse pelo gabinete de Maciel para destravar os interesses do Estado junto ao Governo Federal. Tudo que Fernando Henrique Cardoso fez pelo Estado teve o dedo de Marco Maciel. FHC, aliás, prestou um depoimento exclusivo para o livro no qual revela que a cabeça de MM estava voltada para Pernambuco. “Foi quem mais me cobrava as coisas do Estado. Teve um papel preponderante na expansão do porto de Suape”, disse FHC, nesse mesmo depoimento.

Marco Maciel foi, portanto, um homem plural na política?

Marco Maciel foi batizado no singular pelos pais José do Rego Maciel e Carmem Sylvia Cavalcanti, mas viveu no plural e exercitou a pluralidade nas ideias até sua morte. No prefácio, o ex-senador Jorge Bornhausen, também ex-governador de Santa Catarina, conta que sem Marco Maciel, Tancredo não teria derrotado Paulo Maluf no colégio eleitoral, em 1985. Revela que quando chegou ao Congresso, eleito senador, procurou Maciel para se aconselhar e dele recebeu duas advertências que apontam as preocupações do ex-vice-presidente no campo da moralidade: não participar da Comissão de Orçamento nem de CPI. Para o primeiro caso, justificou para não ser confundido com os manipuladores de verbas públicas. Para o segundo, disse: “Fomos eleitos para legislar e não para algozes”.

Enfim, não existem mais políticos assim, com tamanho zelo?

Difícil encontrar, mas teria enormes dificuldades em enumerá-los. O ex-governador Gustavo Krause, da escola macielista, foi muito feliz quando disse que “Marco Maciel foi o ser humano menos imperfeito que conheci em minha vida”. Fico feliz em dar essa contribuição literária para o legado de Marco Maciel. Escrevi o livro pensando nos nossos filhos e netos, nas próximas gerações, para que um político da dimensão de MM não seja esquecido ou desconhecido como hoje. Fiquei chocado certa vez ao almoçar com um amigo meu do Recife e seus dois filhos, um já se formando e outro de 16 anos. Nenhum dos dois nunca tinha ouvido falar em Marco Maciel. Não sabiam se era grego ou troiano. 


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