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DIPLOMACIA

Mauro Vieira diz que Brasil negocia rota direta para deportados dos EUA

Ministro das Relações Exteriores negocia acordo para que americanos forneçam aviões melhores, em voo sem escalas e com condições de dignidade para brasileiros que são repatriados

O ministro das Relações Exteriores, Mauro VieiraO ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Uma semana depois de um impasse diplomático envolvendo a deportação de brasileiros dos Estados Unidos, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirma que o governo negocia um acordo para ter uma rota direta para esse transporte.

"Temos interesse em trazer os brasileiros de volta tão pronto possível e eles (os EUA) também têm interesse em mandar as pessoas", disse Vieira em entrevista ao Globo.

O plano, segundo ele, prevê uso de aviões melhores, que possam voar diretamente a Belo Horizonte, sem a necessidade de escalas no Panamá ou em Manaus, como ocorreu na sexta-feira passada.

Na ocasião, um grupo de 88 brasileiros desembarcou com algemas nas mãos e correntes no pé após problemas técnicos no voo. O episódio motivou críticas do governo brasileiro e um pedido de explicação ao representante diplomático dos EUA no Brasil.

Por que o Brasil só viu necessidade agora de criar um planejamento para receber os deportados que vêm dos Estados Unidos?
O sistema de recepção existe desde do início de 2018, quando foram acertados esses voos regulares de deportação. Na ocasião, foi estabelecido um fluxo mensal e o tratamento das pessoas com dignidade.

O que aconteceu foi um acúmulo de erros em um problema específico num desses voos. A preocupação do atual governo é a de que todos fossem recebidos dignamente e corretamente. O que inspira o governo na ação dentro desse esquema de repatriação é evitar que os brasileiros fiquem retidos lá muito mais tempo.

Se o juiz dá a sentença final pela deportação, os brasileiros podem ficar um período muito longo esperando o retorno. A preocupação do governo Lula é que isso seja abreviado e que voltem o mais rápido possível, sobretudo para os que querem, que aceitam, que é a grande maioria. Tem alguns que dizem que não, que não querem voltar, e o que se há de fazer?

O governo estuda uma rota direta para a vinda de brasileiros deportados?
Um grupo de trabalho foi estabelecido e estamos estudando melhor essa operação, como voos diretos (sem escalas em outros países) e aviões melhores. Vai depender também do raio de ação do avião, da autonomia. Há um mecanismo de acolhimento em Minas Gerais.

Temos interesse em trazer os brasileiros de volta tão pronto possível e eles (os EUA) também têm interesse em mandar as pessoas.

O Itamaraty fez uma série de notas consulares sobre o tratamento com dignidade a esses deportados brasileiros. Por que o Brasil foi ignorado?
Ignorado em quê? Não foi ignorado. Nós estamos negociando, estamos conseguindo tratar de temas importantíssimos: possibilidade de voos diretos, possibilidade de atendimento correto, frequência dos voos, avisar antes.

Isso foi pedido quando foram feitos os acordos, que fossem avisados. Os americanos se comprometeram a avisar os voos cinco dias antes. Não estavam cumprindo. Então, houve uma conversa sobre isso. Não teve nada ignorado até agora.

A comunicação dos voos não estava sendo cumprida?
Comunicavam, mas não em cinco dias, como acertado. Estamos trabalhando para estabelecer um novo prazo sob todos os aspectos, frequência e tudo mais.

As algemas também não foram retiradas antes do desembarque.
É uma das coisas que estamos tratando. O voo direto facilita, e muito, em tudo.

Todo o protocolo do voo tem de ter o atendimento normal, como seria em qualquer voo, sem qualquer limitação. Não pode um voo durar tantas horas e não ter comida. E quando vem criança? Outra coisa, não separar as famílias, o que é muito importante para o Brasil.

O senhor pretende tratar do assunto com o secretário de Estado americano, Marco Rubio?
Não precisa. O (diálogo) que se tem é excelente. É um tema muito técnico, muito específico, que está sendo tratado do lado do Brasil em coordenação com todas as agências e órgãos do governo envolvidos. E do lado americano a comunicação também está muito fluida, muito direta.

O tema da imigração afeta toda a América Latina. O Brasil poderia se articular com outros países, em busca de uma posição comum?
Cada país tem um problema unilateral. O Brasil está longe de ser o primeiro, em número. Há outros países que têm, em números absolutos, muito mais nacionais nessa situação do que nós temos de brasileiros.

É um tema que nós temos interesse, para defender o interesse dos cidadãos brasileiros, em tratar bilateralmente. É um diálogo diferente entre cada um dos países.

Então o Brasil prefere tratar disso sozinho?
Nós não nos negamos. Havia uma reunião da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), que acabou sendo adiada, e essa reunião seria importante para a troca de experiências e informações.

Mas eu acho que o tratamento tem de ser bilateral, pela dimensão do problema e pelas características de cada país. Não dá para fazer uma coisa única.

A situação da Colômbia, de bater de frente com os Estados Unidos e depois recuar, não demonstra fragilidade da América Latina perante os EUA?
Os países têm relações que também são diferentes entre si. A Colômbia tem uma relação muito importante, de longa data, com os governos americanos, que não é de hoje. Não acho que haja fragilidade.

A relação é muito intensa, muito grande e muito importante, ela tem múltiplas escolhas. Os setores privados se falam e têm o maior interesse.

A Organização Internacional para Migrações (OIM) avisou ao Brasil que o Trump deixou o país fora da liberação da verba humanitária. Como ficará a Operação Acolhida, que recebe refugiados venezuelanos no Brasil?
A operação não vai acabar por causa disso. Aliás, a maior parte já é financiada pelo governo brasileiro, e continuará a ser. Não se pode abandonar. Um pouco mais de 1,2 milhão de venezuelanos entraram no Brasil. E há outras fontes, outros organismos que fazem esse trabalho.

A operação não será paralisada pela falta da participação da OIM.

O senhor consegue prever como será a relação entre Lula e Trump?
Não sei, eles precisam se encontrar. Mas acho que ambos querem defender os interesses de seus países.

O presidente Lula, e eu posso responder por ele, estará sempre pronto a defender os interesses brasileiros e terá, sim, com certeza, uma boa relação com Trump.

Há alguma tentativa de aproximação com o presidente da Argentina, Javier Milei?
Os dois governos têm um ótimo relacionamento. Tinha um excelente contato com a ex-ministra das Relações Exteriores, Diana Mondino, e temos com o atual, Gerardo Werthein.

E os presidentes Lula e Milei se encontraram na Cúpula do Mercosul, no Uruguai, e no Rio de Janeiro, no G20. Só não se encontraram na primeira ocasião, na Cúpula do Mercosul no Paraguai porque o presidente Milei não foi.

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