Militar que enviou ofício para reaver joias na Receita ganhou da gestão Bolsonaro cargos em estatais
Ex-chefe de gabinete de Bento Albuquerque hoje é diretor da ENBPar, com salário de R$ 37.802 e mandato até 2024. Em ofício, ele havia dito ao Fisco que diamantes iriam para acervo oficial
O ex-chefe de gabinete de Bento Albuquerque, ex-ministro de Minas e Energia do governo Jair Bolsonaro, foi indicado para cargos em empresas estatais no fim do mandato do agora ex-presidente. José Roberto Bueno Junior havia sido, em 2021, um dos primeiros servidores a empenhar esforços para tentar reaver as joias de R$ 16,5 milhões trazidas do Oriente Médio e que seriam um presente da família real saudita à então primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
Contra-almirante da Marinha e formado em Ciências Navais, Bueno Junior foi nomeado para a diretoria executiva da ENBPar (Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional). O militar assumiu o cargo de diretor de Gestão Corporativa e Sustentabilidade em 11 de novembro, dias após o segundo turno da eleição presidencial. Seu mandato na estatal criada pelo governo Bolsonaro vai até 3 de janeiro de 2024.
A ENBPar é acionista controladora da Eletronuclear e indicou Bueno Junior para presidir seu Conselho de Administração. A indicação foi aprovada em assembleia geral realizada em 9 de dezembro de 2022.
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A remuneração mensal autorizada pela Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais para os diretores da ENBPar é de R$ 37.802,04 — os ocupantes do cargo têm direito ainda a 13°, 14° e 15° salário. Por sua participação no Conselho de Administração da Eletronuclear, Bueno Junior também tem direito a receber por mês cerca de R$ 3.780 (um décimo da remuneração dos diretores da empresa).
No passado, Bueno Junior integrou o Conselho Fiscal da Pré-Sal Petróleo SA (PPSA), entre maio de 2021 e setembro de 2022. A participação em conselhos de estatais rende aos servidores gratificações pagas pelo governo (jetons). Na PPSA, o então chefe de gabinete de Bento Albuquerque ganhou cerca de R$ 7.000 por mês.
Bueno Junior foi um dos primeiros a agir nas tentativas frustradas para recuperar as joias apreendidas no Aeroporto de Guarulhos. Ele enviou ofício à Receita Federal em 3 de novembro de 2021, dias depois da apreensão do conjunto de diamantes, dizendo que Bento Albuquerque esteve em Riad para o lançamento da Iniciativa Oriente Médio Verde e que, na ocasião, “foram oferecidos, por autoridades estrangeiras, alguns presentes à representação brasileira”. O então chefe de gabinete disse que, uma vez que o ministro não poderia recusar ou devolver os presentes, “se faz necessário e imprescindível que seja dado ao acervo o destino legal adequado”.
O ofício foi enviado acompanhado de algumas fotos dos eventos em que Bento Albuquerque participou. Em uma das imagens, o ministro posa com o membro da família real saudita e então ministro da Energia do país, Abdulaziz bin Salman Al Saud. Os dois seguram a miniatura de cavalo que depois seria apreendida junto às joias em Guarulhos — no momento da apreensão, a miniatura foi encontrada com três patas quebradas.
Em nota, a Receita Federal informou que a incorporação dos itens ao patrimônio oficial "exige pedido de autoridade competente, com justificativa da necessidade e adequação da medida". "Isso não aconteceu neste caso. Não cabe incorporação de bem por interesse pessoal de quem quer que seja, apenas em caso de efetivo interesse público", diz o texto.
A Polícia Federal abriu inquérito para apurar se houve irregularidades nas tentativas do governo de recuperar as joias apreendidas. O Ministério Público Federal (MPF) pediu nesta segunda-feira mais informações à Receita Federal sobre o caso.
O ex-ministro Bento Albuquerque, que deixou o Ministério de Minas e Energia em maio de 2022, portanto antes da indicação de Bueno Junior para a ENBPar, não quis comentar o assunto. O GLOBO não conseguiu contato com José Roberto Bueno Junior.