ENTREVISTA

Ministra da Ciência, Tecnologia e Inovações, Luciana Santos vai rever contrato com fábrica de armas

Em entrevista à Folha, explicou que o contrato vem do Governo Bolsonaro, mas deverá ser revisto

 "Os recursos do FNDCT estão congelados e vamos reavaliar esses contratos", afirmou Luciana, "Os recursos do FNDCT estão congelados e vamos reavaliar esses contratos", afirmou Luciana, - Foto: Divulgação

A ministra da Ciência, Tecnologia e Inovações, Luciana Santos, pretende rever o acordo que a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) assinou com a Taurus, no valor de R$175,7 milhões, para a modernização das instalações da fabricante de armas brasileira.

Em entrevista à Folha, explicou que o contrato vem do Governo Bolsonaro, mas deverá ser revisto, uma vez que o Governo Lula tem se posicionado contra o armamento da população brasileira. "Os recursos do FNDCT estão congelados e vamos reavaliar esses contratos", afirmou Luciana, sem explicar o motivo da diretoria da Finep ainda ser da gestão Bolsonaro, já que ela anunciou a composição da nova diretoria que ainda não foi nomeada pela Casa Civil da Presidência da República.

A ministra também antecipou que o presidente Lula deverá anunciar brevemente quando passar pelo Recife a publicação de um decreto que irá reativar a fábrica de semicondutores (chips) da Ceitec S/A,, instalada em Porto Alegre (RS), mas que desde o Governo Bolsonaro se encontra em processo de extinção, num momento em que o mundo revê suas prioridades industriais para não ficar mais dependente apenas do que for fabricado pela Ásia. Confira a entrevista!

Como a senhora encontrou o Ministério diante de um Governo que vocês acusaram de negacionista?

Redução drástica de recursos. Esse foi o primeiro sintoma. O Fundo Nacional da Ciência e Tecnologia teve uma redução para menos da metade. Agora mesmo, para recompor esse fundo, uma das nossas primeiras tarefas é recompor os R $4,2 bilhões de uma MP que caiu por decurso de prazo. Para isto, ainda neste mês, vamos fazer um PLN – Crédito Suplementar – para recompor 100% do fundo. Isso faz com que essa comunidade acadêmica, científica, retome com muito mais euforia, porque teremos recursos para o desenvolvimento da pesquisa e da ciência.

Mas esse corte orçamentário feito no governo anterior não atingiu apenas o Fundo Nacional da Ciência e Tecnologia, correto?

Os recursos discricionários do Ministério também tiveram uma redução muito grande, de R $11 bi para R $2 bi. Então, de maneira geral, quando ele desqualifica a base científica do País – chamou as universidades como espaços de balbúrdias – atinge a referência dessa base científica para o mundo e para o próprio País. Isso sem contar com os danos subjetivos, o maior foi a vacinação, que também é ciência. Quando vemos voltar doenças que já estavam com a página virada no País, isso, sem dúvida, foi a maior mazela da negação da ciência.

Por falar em vacinação, como estão as pesquisas da Covid. Soube que estão em estudo três vacinas que serão produzidas no País.

Vamos visitar esses centros que estão desenvolvendo essas vacinas 100% brasileiras. Um deles, vou visitar esta semana, que é a Federal de Minas Gerais. Até porque a data é um marco do início da pandemia, que foi em março de 2020. O problema não é só a vacina, mas os insumos. Mesmo o Brasil que conseguiu produzir através de parcerias com o Butantan, a Coronavac, com a chinesa, e a Fiocruz, com a universidade de Oxford. Elas foram desenvolvidas de maneira cooperada, mas não tínhamos o insumo farmacêutico ativo (IFA). Dependemos 100% da China e da Índia. E nós já fomos capazes de produzir IFA. Então, a crise da Ucrânia a Covid tem uma lição no mundo que está sendo revista – essa ideia de cadeia global que cada país desenvolve um nicho de produtos ou processo, está sendo rediscutido globalmente. Porque a dependência de países levou a uma crise geral. E há uma rediscussão geral para diminuir a dependência de insumos e tecnologias.

Além dessa questão central, quais as outras missões estão sendo delegadas à pasta de Ciência e Tecnologia para a melhoria das condições de vida do povo brasileiro no governo Lula?

Ajudar no combate à fome, porque precisa ter ciência. A Embrapa tem um papel decisivo nisso. Não é da alçada do ministério, mas faz parte do sistema nacional da ciência e da tecnologia. Quando se fala da agenda climática, ela depende fundamentalmente das ferramentas da ciência e tecnologia, somos nós aqui que temos a gestão dos satélites do Brasil, através do INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. E de soluções de várias naturezas, para descarbonização. Ou seja, muitos desses desafios, que são prementes em um país, a gente tem um papel e é nisso que estou focada. Quero ajudar o presidente Lula a dar certo em desafios e soluções que são muitos prementes, como a inclusão digital mesmo, pois é um vetor de desigualdade muito grande, pois quem não está na época digital, sofre ainda mais, será ainda mais excluído.

Falando em digital, a senhora tem algum projeto que vise usar melhor o Porto Digital do Recife para a questão da pesquisa e avanço tecnológico?

O Porto Digital é um parque tecnológico reconhecido em todo o mundo. Fui visitar, com o ministro José Múcio Monteiro, a planta de radares da Embraer em Campinas. Ao chegar lá, soube que quem desenvolve o software para que o radar funcione, é uma empresa do Porto Digital. Então, quando você olha, o Porto Digital tem uma importância muito grande. E eles estão desenvolvendo um programa no Recife, o Embarque Digital, em parceria com o prefeito João Campos, que nós queremos dar escala nacional. Já tratei esse assunto com o presidente Lula, com o ex-governador Camilo Santana, atual ministro da Educação, a quem conheço muito, foi parceiro no Fórum dos Governadores, e que a gente vai querer dar escala a essa experiência. Para se ter uma ideia, hoje temos mais de 400 mil vagas no Brasil e não tem gente com capacidade para atuar como desenvolvedor de software. Então, pelo Embarque Digital, vamos capacitar em dois anos e meio tecnólogos de nível superior.

Como a senhora pretende colocar em prática esse programa do Recife em escala nacional? Como fica a questão orçamentária?

Para isso, fui atrás do meu primo rico (risos), Camilo Santana, para pegar também o dinheiro do FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – juntar os dinheiros e dar escala para garantir que a gente forme desenvolvedores de softwares.

Além de tudo que foi exposto aqui pela senhora, quais as outras orientações dadas pelo presidente Lula que serão prioridades em seu ministério?

Na verdade, ele está muito decidido a ser rápido. Ele repete todos os dias que o tempo é curto e o Brasil está com pressa, até por conta da tragédia social e econômica que estamos vivendo e ele quer ações. Apresentei a ele um conjunto de ações imediatas, que a gente está cumprindo. Boa parte são coisas que ele iniciou e que ficaram paradas. Aliás, em todas as pastas é isso. A exemplo do Minha Casa Minha Vida, o Bolsa Família, algo que seja mais estruturante, porque no governo Bolsonaro, eles tiraram, por exemplo, a exigência de vacinas, a exigência de ir à escola. Então, é um pouco de resgate do que ele fez, claro, atualizando as necessidades atuais.

E o que já foi feito nesse curto período em que a senhora está à frente da pasta?

Nós reajustamos bolsas de CNPQ e Caps, são 270 mil brasileiros que dão sustentação ao desenvolvimento de pesquisa no Brasil e há 10 anos estavam com as bolsas congeladas. Recuperamos a Ceitec, que está em processo de liquidação, uma fábrica de semicondutores, a única do Brasil, um insumo que passa tudo que é cadeia produtiva. São chips para tudo que é equipamento e não podemos ter uma dependência em qualquer nicho. Então, temos que buscar esse nicho e o próprio TCU foi contra a liquidação e estamos fazendo isso. Outra coisa é o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores. Isso é do tempo de Lula, mas que nunca saiu do papel. Essa retomada deverá ser anunciada em Pernambuco, durante a visita do presidente ao estado, na próxima semana. Também fizemos o edital das meninas e mulheres na ciência – do CNPQ – com R$100 milhões para estimular a entrada das mulheres na engenharia, na ciência e na computação, onde há um déficit global. Isso também ajuda a abastecer a base da educação brasileira.

Vai haver mudanças no juros do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT)?

A Taxa de TR, uma taxa do recurso do FNDCT, que vamos recompor integralmente, mas tem uma parte que é reembolsável e outra não. A taxa de juros é muito importante para estimular a iniciativa privada a vim buscar os recursos para a inovação. Então, a gente já aprovou na Câmara, estamos esperando terminar o debate no Senado, devo receber o presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado, cujo foco é justamente dar celeridade a taxa de TR que é de 2% de juros no mercado, com isso, ajudamos a atrair ainda mais o setor produtivo para inovação.

A questão da fábrica de armas Taurus, que está recebendo financiamento do Governo para modernização, isso não vai na contramão do propósito do presidente Lula, que é contra o armamento?

No recurso do FNDCT nós nem mexemos. Só na próxima semana é que vai ter o conselho administrativo, que analisou ontem os nomes que serão indicados. Então, o que nós estamos fazendo, estamos congelando todos os recursos do fundo até que a gente tome posse. O que já estava contratado, no edital do ano passado, nós não podemos mexer, salvo se seja uma coisa muito escandalosa, mas aí envolve toda uma questão jurídica. Mas está congelada a liberação de recursos do fundo, não há autorização para liberação desde que já assumimos, a não ser o que já estava em execução desde o ano passado.

A senhora já conseguiu montar todo o seu segundo escalão?

Não. Montamos todos o CNPQ e Finep. Ainda estamos avaliando melhor o restante das secretarias.

O que trava essas nomeações?

Questão técnica por um lado e composições de várias naturezas, por exemplo, queremos ter uma equipe com mais equidade de gênero. Tanto que no CNPQ são duas mulheres e dois homens. Queremos ver a questão territorial, o perfil técnico, quer dizer, a secretaria de transformação digital não se tem dúvida, tem que ser alguém específico da área. Mas a gente tem que fazer uma questão equilibrada. Fazer um desenho que reflita a capacidade acadêmica e por óbvia composição política que faz parte da regra do jogo.

Então, podemos dizer que o ministério da senhora não é de porteira fechada?

Não. Acho que o nosso tem até menos composição política do que eu vejo por aí.

Em relação a Olinda em 2024, a senhora pensa em sair candidata?

Essa é uma hipótese e não está descartada, mas são coisas que nós vamos ter que construir com o conjunto do nosso campo. aliás, essa sempre foi a postura do nosso partido.

Mas a senhora é um nome natural, uma vez que já foi prefeita e conhece bem os problemas da cidade. Qual outro nome dentro do seu partido poderia ser uma opção além do seu?

Tem Renildo Calheiros.

Mas ele acabou de ser eleito deputado federal e em pouco tempo já conseguiu um espaço grande em Brasília. Será que ele estaria disposto a encarar esse desafio?

Digo que ele é um homem de talento, das relações, de construções das forças políticas. Uma figura reconhecida e respeitada. Tem um papel muito importante, tanto que rapidamente virou vice-líder do governo Lula.

Como a senhora pode ajudar na relação da governadora Raquel Lyra com o governo federal?

O nosso espírito é de colaboração. Essa é a determinação do presidente Lula. Independente de qual campo os governadores pertençam, nós vamos procurar colaborar.

Raquel Lyra já procurou a senhora?

Esteve aqui comigo esta semana a secretária de Ciência e Tecnologia, exatamente apresentando questões relacionadas à Facepe, pesquisas, arranjos produtivos locais. Com Raquel, eu própria a procurei, para tratar de assuntos que têm intersecção conosco, que foi a chuva que ocorreu na Região Metropolitana e depois a do tubarão. É claro que a sabedoria nesse assunto é pernambucano. Mas vamos fazer uma força-conjunto para recuperar o barco Sinuelo para Pernambuco saia do noticiário de tubarão. Temos que agir.
 

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