Ministros de Lula priorizam seus redutos eleitorais em viagens a serviço do governo; veja quais
Políticos costumam combinar agendas oficiais do Executivo federal com compromissos em suas bases eleitorais
Ministros do presidente Luiz Inácio Lula da Silva têm priorizado seus redutos eleitorais em viagens a serviço do governo. Levantamento do Globo mostra que oito deles dedicaram pelo menos metade desses deslocamentos a estados onde mantêm influência política. Nessas ocasiões, costumam combinar agendas oficiais do Executivo federal com compromissos políticos, como inaugurações de obras de aliados, atos de filiação e visitas a lideranças locais.
Foram analisados os voos de ministros com histórico político. Segundo dados do Painel de Viagens, do Ministério da Fazenda, 16 titulares da Esplanada fizeram pelo menos três viagens para seus redutos — média de uma por mês.
Juntos, esses ministros gastaram cerca de R$ 1 milhão em viagens nos três primeiros meses de governo. Nem todos explicaram o motivo do itinerário no Portal da Transparência, apesar de haver um campo específico de justificativa. Uma prática que se mostrou comum é a compra de passagens com urgência, sem antecedência, o que pode encarecer o valor pago à companhia aérea.
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"Muitos ministros foram parlamentares ou estão licenciados. Eles não sabem por quanto tempo estarão no cargo, por isso precisam manter essas conexões nos estados como estratégia de sobrevivência política no longo prazo" afirma Carlos Pereira, professor da FGV/ Ebape.
À frente da Casa Civil, Rui Costa (PT) fez oito viagens desde o início do governo, das quais 75% foram para a Bahia, estado que governou por dois mandatos. Grande parte foi para acompanhar o governador Jerônimo Rodrigues (PT).
Num dos voos mais recentes, Costa participou da inauguração de um colégio estadual onde, em clima eleitoral, jogou uma partida de futebol com Jerônimo. Em outra visita, segundo a sua própria agenda, esteve em reuniões sobre segurança pública e saúde com o governador e o secretariado estadual. O compromisso conjunto ocorreu na mesma viagem em que o chefe da Casa Civil participou da retomada de obras do Minha Casa, Minha Vida.
A onipresença do ministro de Lula nos primeiros meses de mandato de Jerônimo tem incomodado aliados do governador, que se queixam do estilo centralizador de Costa.
Renan Filho (MDB) é outro que tem seguido os passos de seu sucessor. Das 13 viagens do ministro dos Transportes, seis foram para Alagoas. E, em pelo menos três ocasiões, para encontrar o governador Paulo Dantas (MDB).
Renan Filho participou de agendas com secretários estaduais e prefeitos e visitou obras federais em andamento. Um dos voos foi para marcar presença em uma única reunião da Associação Municipal de Alagoas.
O ministro da Previdência, Carlos Lupi (PDT), também não foge à regra: fez três de suas quatro viagens oficiais para o Rio. Uma delas foi solicitada com urgência tendo como justificativa uma reunião com o secretário da Polícia Militar do Rio e uma visita à gerência executiva do INSS de Duque de Caxias — ambas ocorreram no mesmo dia, 24 de março. Mesmo assim, o afastamento durou quatro dias, período que Lupi usou para participar do ato de filiação do deputado federal Max Lemos.
Dias antes, Lupi comprou um voo para um encontro com a União Geral dos Trabalhadores e o Sindicato Nacional dos Aposentados e Pensionistas. Nas redes sociais, porém, o presidente nacional do PDT publicou um vídeo cantando no bloco de carnaval Órfãos de Brizola.
Titular da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macêdo (PT) já foi três vezes para Sergipe, de um total de dez viagens. O ministro fez visitas à sede do PT e esteve em instituições para as quais destinou emendas quando era deputado federal. Os voos custeados pelo governo federal o ajudaram a participar de uma sessão na Câmara Municipal de Aracaju em comemoração aos 43 anos do PT e num ato de lançamento da Nova Orla de Aracaju, fruto de emenda sua.
Já o ministro das Cidades, Jader Filho (MDB), viajou ao Pará, estado onde tem forte tradição familiar, em nove de suas 16 viagens oficiais. Em fevereiro, o deslocamento foi para anunciar a retomada de obras do Minha Casa, Minha Vida. Ele aproveitou para reinaugurar uma ponte com seu irmão e governador Helder Barbalho (MDB).
Em janeiro, no seu primeiro mês como ministro, Jader Filho viajou todos os fins de semana para Belém. Chegou até a comprar uma passagem em cima da hora para participar da comemoração do aniversário de 407 anos da cidade.
O ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União), por sua vez, foi ao Maranhão em seis oportunidades. O custo, incluindo passagens e diárias, foi o segundo maior entre os ministros analisados: R$ 151 mil. Em duas ocasiões, ele justificou a ida ao estado com uma visita ao escritório regional da Anatel. Nessas viagens, que incluem um fim de semana em que completou 12 anos de casado, Juscelino participou da posse da nova diretoria da Federação dos Municípios do Estado do Maranhão e de encontros com o governador Carlos Brandão (PSB) e o prefeito de São Luís, Eduardo Braide (PSD).
Peso dos estados
Em alguns casos, os redutos eleitorais coincidem com estados de grande peso para o tema do ministério. É o que acontece com Paulo Teixeira (PT), ministro do Desenvolvimento Agrário, que voou oito vezes para São Paulo em agendas que discutiram assuntos como uso de agrotóxicos e produção de bioinsumos. Também é o caso do ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França (PSB-SP), que fez 88,9% de seus voos para São Paulo, onde fica o maior porto do país.
Outro exemplo é Fernando Haddad, da Fazenda, que fez uma série de seminários e reuniões com empresários em São Paulo; e Alexandre Silveira (PSD-MG), ministro de Minas e Energia, cujas viagens foram dedicadas a encontros sobre barragens, além de lançamento do Minha Casa, Minha Vida no estado. Já Carlos Fávaro (PSD), ministro da Agricultura, tem como reduto Mato Grosso, um dos principais polos do agronegócio; e Daniela Carneiro (União), do Turismo, foi para o Rio em sete de suas 12 viagens, em agendas que incluíam preparativos para o Carnaval.
As assessorias de Renan Filho, França, Luciana Santos (Ciência e Tecnologia) e Teixeira disseram que as agendas oficiais trataram de pautas ligadas às respectivas pastas. Lupi e Wellington Dias (Desenvolvimento Social) afirmaram que as viagens e agendas são definidas não pelo local, mas pela importância da pauta. Já Flávio Dino (Justiça) disse que não se trata de uma questão de “reduto”, e sim “lealdade federativa”. Fávaro pontuou que as atividades são de conhecimento público. E Silveira ressaltou que cumpriu agendas em outros seis estados. Daniela Carneiro justificou que o Rio é um dos destinos mais procurados do país. Juscelino, por sua vez, declarou que o Maranhão tem um dos menores índices de inclusão digital. E Márcio Macêdo, que as viagens referem-se a compromissos de interesse do governo.