Ministros do STF aumentam rigor e concedem apenas 4 de cada 100 habeas corpus julgados
Edson Fachin lidera ranking dos que mais atenderam pedidos, enquanto Flávio Dino é o último
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O Supremo Tribunal Federal (STF) tornou-se mais rígido neste ano na análise de habeas corpus (HC). Em média, de cada cem pedidos que chegaram à Corte, apenas quatro foram concedidos. O percentual é menor que no ano passado, quando o índice foi de 14 decisões favoráveis de cada cem que foram julgadas monocraticamente pelos ministros.
Ao todo, os magistrados analisaram 15.130 habeas corpus de janeiro a outubro deste ano, com 577 decisões favoráveis. Enquanto isso, no ano passado, foram 16.348 pedidos analisados, e 1.131 concedidos.
No topo das concessões está Edson Fachin, com quase 9% de decisões favoráveis neste ano. Já o magistrado que menos atendeu HCs foi Flávio Dino, com uma taxa de apenas 0,27%.
Os dados foram levantados pelo advogado criminalista e pesquisador David Metzker, que coleta todos as decisões favoráveis em HCs tanto no STF quanto no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os números foram atualizados até o fim de outubro.
Neste ano, Fachin concedeu 138 HCs, entre um total de 1.543 analisados por ele. Se como relator da Operação Lava-Jato no STF o ministro notabilizou-se por uma postura mais dura com os réus, quando são analisados todos os casos o retrato é outro.
— O habeas corpus é uma garantia do cidadão nas democracias e tem desde Rui Barbosa, na história jurídica brasileira, características muito próprias. Assegurar a liberdade diante de ilegalidades ou abusos deve ser a missão primeira de um tribunal de direitos humanos e fundamentais — afirmou Fachin ao GLOBO, comentando os dados.
Em seguida no ranking, aparecem Gilmar Mendes (100 decisões favoráveis, 6,5% do total) e André Mendonça (92, ou 5,9%). Já os ministros que menos concedem HCs são, além de Dino, Luiz Fux (0,9%) e Cristiano Zanin (1,74%).
A análise dos dados evidencia as tendências que marcam as duas turmas da Corte: os quatro ministros que mais concedem HCs fazem parte da Segunda Turma, considerada por especialistas de tradição mais garantista. Já os quatro que mais rejeitam são da Primeira Turma, que já foi chamada de "câmara de gás" nos bastidores do tribunal por ter uma tendência mais punitivista.
Tráfico é maioria
O habeas corpus é um instrumento previsto na Constituição e pode ser apresentado ao STF “sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.
Quando são considerados os dados desde o início de 2023, o principal crime relacionado aos pedidos concedidos é o tráfico de drogas (620), seguido por furto (170). Ainda há 111 pedidos envolvendo aspectos da execução penal.
Já em relação aos temas analisados, o principal é a possível redução da pena por tráfico de drogas, caso sejam cumpridos alguns requisitos (o réu precisa ser primário, de bons antecedentes e não integrar organização criminosa).
David Metzker, autor do estudo, afirma ser possível encontrar alguns padrões nas decisões dos ministros. A maior parte dos HCs julgados favoráveis envolve acusações de tráfico de drogas, portanto a postura de cada ministro em relação ao tema afeta os números gerais.
— Fachin e o Gilmar têm um entendimento de que, quando a prisão é decretada simplesmente em razão da quantidade da droga, eles entendem que isso não é fundamentação suficiente. Por causa disso, os dois acabam concedendo muito mais em relação aos outros ministros.
Em fevereiro, por exemplo, Fachin concedeu habeas corpus a um jovem de 19 anos, sem antecedentes criminais, que foi preso com 15 gramas de maconha. “A mera menção à quantidade de drogas apreendida não conduz à automática conclusão de que a ‘ordem pública, a futura aplicação da lei penal e a conveniência da instrução criminal’ estariam sob risco concreto”, argumentou o ministro na época.
Já o ministro André Mendonça se destaca nas decisões envolvendo a possibilidade de realização do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) — segundo tema mais contemplado nos HCs.
Em setembro, o plenário do STF decidiu esse tipo de acordo pode ser fechado também em processos criminais que estavam tramitando quando o instrumento foi criado, em 2020. Esse entendimento, contudo, já vinha sendo aplicado por parte dos ministros.
— Havia uma discussão se aplicava o ANPP para processos já com a denúncia recebida e o ministro André Mendonça, ministro Gilmar Mendes, ministro Nunes Marques, ministro Edson Fachin, os quatro ministros foram os que mais concederam este tema, a retroatividade do ANPP e determinando que seja aberto vista ao Ministério Público se manifestar sobre o acordo, mesmo o processo já com a denúncia recebida — explica Metzker.
Rigor de Dino
No caso dos ministros com índice maior de negativas, Metzker explica que não é possível detalhar os fundamentos porque apenas as decisões favoráveis são analisadas. Entretanto, ele aponta um rigor de Flávio Dino com os aspectos formais dos pedidos. O ministro concedeu cinco HCs, entre 1.852 analisados.
— Ele é muito criterioso com as questões formais do habeas corpus, a admissibilidade, cabimento do habeas corpus. E aí acaba que ele denega a maioria.
Em uma de suas decisões favoráveis, Dino permitiu que um homem condenado a um ano e quatro meses de prisão por furtar 40 aparelhos de barbear, avaliados em R$ 159,80, cumpra a pena em regime aberto. O ministro considerou que a conduta foi de “diminuta significação” e houve uma “inexpressividade econômica”.
Um dos principais obstáculos à concessão de um HC pelo STF é o entendimento de os pedidos não devem ser analisados antes do mérito da questão ser julgada nas instâncias inferiores. Em casos de flagrante ilegalidade, no entanto, é permitida a atuação dos ministros.