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Política

Moro acerta contas com Bolsonaro e defende legado da Lava Jato em livro

Presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro Presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro  - Foto: Alan Santos/ PR / Ministério da Justiça / Flickr

Sergio Moro diz que perdeu a confiança em Jair Bolsonaro no dia 22 de janeiro de 2020, pouco depois de completar um ano à frente do Ministério da Justiça, ao saber pelas redes sociais que o presidente cogitava retirar os assuntos da segurança pública da sua área de influência.

"Se a pasta fosse dividida, não continuaria no governo de jeito algum", ele afirma ao narrar o episódio em "Contra o Sistema da Corrupção", que chega às livrarias nesta terça (30). "Também concluí que ele simplesmente não confiava em mim e não desejava a minha presença no governo."

Moro saiu três meses depois, em meio a um desentendimento causado pelas pressões de Bolsonaro para que o comando da Polícia Federal fosse trocado, e boa parte do livro é dedicada aos esforços do ex-juiz da Lava Jato para explicar por que demorou tanto tempo para pedir demissão.

O ex-ministro diz que seu objetivo era proteger a PF contra as tentativas de interferência do presidente, mas sua crônica sugere que as diferenças entre eles surgiram muito antes e mostra que as situações em que Moro se recolheu foram mais numerosas do que aquelas em que desafiou o chefe.

Ele conta que, quando surgiram os primeiros indícios do envolvimento da família de Bolsonaro com o esquema das "rachadinhas" na Assembleia Legislativa do Rio, semanas antes da posse, achou as explicações de Bolsonaro satisfatórias e não viu sinal de que ele quisesse obstruir o inquérito.

Seis meses depois, o Supremo Tribunal Federal suspendeu as investigações a pedido do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) e Moro foi até o presidente defender a reversão da medida. "Se não vai ajudar, então não atrapalhe", disse Bolsonaro, segundo o ex-ministro, que então silenciou.

No fim do primeiro ano de governo, novo desentendimento surgiu quando Bolsonaro sancionou a lei anticrime proposta por Moro sem vetar mudanças introduzidas pelo Congresso que contrariavam o texto original. "Praticamente implorei", afirma o ex-ministro no livro. "Minhas súplicas foram em vão."

Moro diz achar hoje que deveria ter saído do governo após essa humilhação, mas afirma que ficou mais tempo porque Bolsonaro começara a exigir mudanças na Polícia Federal. "Esse seria o meu limite", escreve. "Se não conseguisse conter a interferência, não haveria mais razão para continuar."

No início deste mês, ao depor no inquérito que investiga as acusações feitas pelo ex-ministro contra ele, Bolsonaro disse que Moro lhe propôs uma barganha: em troca do seu aval à mudança na cúpula da PF, queria que o presidente se comprometesse a nomeá-lo para uma vaga de ministro do Supremo.

Moro nega ter feito a exigência e diz no livro que também não tratou do assunto ao ser convidado a participar do novo governo. "Eu não descartava a possibilidade de ser nomeado pelo presidente no momento oportuno, mas não cabia estabelecer isso como condição para aceitar o cargo", escreve.

Ao relatar o episódio em que Bolsonaro juntou-se a uma manifestação contra o Congresso e o STF na frente do quartel-general do Exército, em abril de 2020, Moro diz que considerou a participação do presidente imprópria mas não viu nada de errado no discurso inflamado que ele fez na ocasião.

O ex-ministro, que há três semanas se filiou ao Podemos e começou a recrutar aliados para disputar as próximas eleições presidenciais, é especialmente cuidadoso no livro ao tratar dos militares, que ocuparam postos-chave no governo Bolsonaro e se tornaram seus interlocutores frequentes.

A certa altura, ele afirma que "não deve ser ignorado ou depreciado o papel dos militares na consolidação da independência e da unidade do Brasil" e que o "reconhecimento dos méritos militares" é devido por todos, mas acrescenta que "uma intervenção militar, em pleno século XXI, é inconcebível".

Em outra passagem, Moro diz que não viu nenhum problema no tuíte publicado em 2018 pelo general Eduardo Villas Bôas, então comandante do Exército, na véspera do julgamento de um habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo STF, que rechaçou a manifestação como imprópria.

"Não cabe, evidentemente, às Forças Armadas intervir na política ou mesmo influenciar julgamentos", afirma o ex-ministro. "Não me parece que foi isso que ocorreu". Ele diz considerar o general "um homem honrado", que "manteve os militares nos quartéis" num "período de grande turbulência".

O ex-ministro distribui acenos à direita e ao centro do espectro político no livro, incluindo elogios ao governador paulista, João Doria (PSDB), que também quer se lançar candidato, e ao ministro da Economia, Paulo Guedes, que fez as primeiras sondagens para levar Moro ao governo Bolsonaro.

Moro defende os decretos do presidente que facilitaram a posse de armas e permitiram que fazendeiros andassem armados em toda a extensão de suas propriedades, não só em suas casas. Ele diz que se opôs a outras medidas, como a que aumentou o número de armas que cada pessoa pode ter.

Ao rememorar os anos em que conduziu a Lava Jato, o ex-juiz rebate os que o acusam de ter perseguido Lula e critica o Supremo por ter anulado suas decisões. Lula ficou preso e foi impedido de disputar as eleições de 2018 após ser condenado por Moro por corrupção e lavagem de dinheiro.

O STF concluiu neste ano que Moro foi parcial na condução das ações movidas contra o líder petista, o que levou à anulação de todos os processos que ele enfrentou na Justiça nos últimos anos. A decisão foi confirmada por maioria no plenário da corte, com 7 votos contra Moro e 4 a favor.

"A anulação tem por base fatos e afirmações que não são reais", afirma o ex-ministro no livro, em que defende a legalidade de suas decisões. "Nunca houve qualquer fraude cometida contra o ex-presidente no processo que resultou em sua condenação e jamais se atuou com parcialidade com ele."

Moro também reclama da repreensão que sofreu do STF pela divulgação de um diálogo entre Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff interceptado pela Lava Jato em 2016. "Se eu sofresse alguma punição naquele caso, penso, seria uma afronta à independência da magistratura", escreve.

Repetindo argumentos que sempre usou para se justificar nesse caso, ele diz ter apenas seguido um padrão que assegurava ampla publicidade aos processos da Lava Jato, mas omite o fato de que tratou de forma diferente outros alvos de escutas telefônicas, como a Folha de S.Paulo mostrou em 2019.

Moro faz recortes seletivos também ao tratar das mensagens hackeadas que vieram à tona há dois anos, que expuseram suas conversas com procuradores e policiais nos bastidores da operação e foram publicadas pelo site The Intercept Brasil e outros veículos jornalísticos, entre eles a Folha.

Ao criticar uma das reportagens que reuniu evidências de que ele orientava as ações da polícia, pondo em xeque sua isenção como juiz, Moro destaca uma das mensagens citadas para desqualificar as conclusões dos jornalistas e omite outros diálogos comprometedores que o mesmo texto continha.

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