Mourão tira Salles do Fundo Amazônia, mas imagem negativa é obstáculo para volta do fundo
O colegiado havia sido extinto pelo governo Bolsonaro em abril do ano passado
Numa tentativa de reativar as doações da Noruega e Alemanha para ações ambientais no Brasil, o vice-presidente, Hamilton Mourão, enquadrou o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o retirou da presidência do comitê orientador do Fundo Amazônia.
O colegiado havia sido extinto pelo governo Bolsonaro em abril do ano passado. Isso desencadeou uma disputa com os dois principais doadores e culminou com a paralisação do fundo.
A Noruega já transferiu R$ 3,1 bilhões para o mecanismo e a Alemanha, R$ 192 milhões. Os recursos são aplicados em projetos de combate ao desmatamento e de promoção da conservação da floresta.
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Para vencer a resistência dos europeus, Mourão, designado por Bolsonaro para presidir o Conselho da Amazônia, se reuniu nesta quinta-feira (28) com os embaixadores de ambos países.
Ele apresentou a nova modelagem do comitê. Segundo o vice, o órgão será recriado por decreto. Entre as mudanças, a presidência do comitê sairá das mãos de Salles e passará para Mourão.
"Convocamos os dois embaixadores, mais o presidente do BNDES [Gustavo Montezano], que é a parte técnica, para apresentar a nossa nova visão da governança do fundo. E a constituição do comitê do Fundo Amazônia, que passa a ser presidido por mim também", disse Mourão, após o encontro com Nils Gunneng (Noruega) e Georg Witschel (Alemanha).
No entanto, os chefes das missões diplomáticas disseram a Mourão que o maior obstáculo hoje para que seus governos deem luz verde para a retomada das doações é a imagem amplamente negativa do governo Bolsonaro na Europa em temas de conservação e sustentabilidade.
A percepção de que a atual administração brasileira não está comprometida com a preservação ambiental, que já era disseminada no continente diante do aumento do desmatamento e a crise das queimadas do ano passado, ficou ainda pior com a divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril.
Nela, Salles defende aproveitar o "momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas".
Neste momento, fica difícil, senão praticamente impossível, conseguir a aprovação de Oslo e Berlim para a volta das contribuições ao Brasil, disseram os diplomatas a Mourão.
Apesar das barreiras apontadas pelos europeus, só o afastamento de Salles como interlocutor do governo é visto com bons olhos pelos governos estrangeiros.
Os termos propostos por Salles nas fracassadas rodadas de negociação no ano passado foram considerados inaceitáveis pelos dois países doadores.
Nas diversas embaixadas em Brasília, por outro lado, Mourão é visto como uma voz pragmática e aberta ao diálogo.
Depois do encontro, o vice-presidente reconheceu que cabe ao Brasil apresentar números que mostrem aos europeus que as transferências podem voltar a ser feitas.
"É aquela história, estou falando francamente aqui com vocês: temos de mostrar que estamos fazendo a nossa parte. Estamos com essa operação para impedir o desmatamento", disse Mourão.
"A nossa grande visão é no segundo semestre a gente derrubar aquela questão de queimada. A gente terá, então, um trabalho para mostrar. A partir daí, não tenho dúvida que retorna o financiamento", afirmou.
"Uma coisa tem de ficar clara: se nós vivêssemos num país com tranquilidade fiscal, com recursos sobrando, eu não preciso de recursos de ninguém de fora. Concordam comigo? Mas nós não estamos nessa situação. Então, vamos usar o recurso que eles vão oferecer para gente", disse.
Em paralelo, ele destacou que há cerca de R$ 400 milhões em projetos do fundo que estão atrasados e que, após a reestruturação do comitê orientador, já podem ser retomados.
O desafio de Mourão é acordar uma metodologia com Noruega e Alemanha que não dependa das taxas de desmatamento captadas por satélites pelo Prodes, uma vez que eventuais resultados positivos da Operação Verde Brasil - que envolve o emprego de militares para o combate ao desmatamento na Amazônia Legal– só aparecerão, por esse sistema de medição, em 2021.
Além de assumir a presidência do comitê do Fundo Amazônia, Mourão propôs outras modificações na governança.
O vice estabeleceu que os 27 integrantes do comitê serão divididos entre representantes do governo federal (9), dos estados da Amazônia Legal (9) e da sociedade civil (9).
Pela modelagem feita, o comitê não ficaria responsável apenas por traçar as diretrizes dos projetos que recebem recursos do fundo, como ocorria até a sua extinção, mas também por dar uma aprovação política para essas iniciativas.