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Justiça

MP-RJ abre sindicância sobre perda de prazo de caso Flávio Bolsonaro

O procedimento foi aberto após a procuradora Soraya Gaya negar ao procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, Eduardo Gussem, que tenha acessado pessoalmente a intimação eletrônica

Flávio BolsonaroFlávio Bolsonaro - Foto: Pedro França/Agência Senado

O Ministério Público do Rio de Janeiro instaurou uma sindicância para apurar como se deu o início da contagem do prazo perdido para recorrer da decisão que concedeu foro especial ao senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).

O procedimento foi aberto após a procuradora Soraya Gaya negar ao procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, Eduardo Gussem, que tenha acessado pessoalmente a intimação eletrônica. A entrada no sistema do Tribunal de Justiça, no dia 2, antecipou em três dias o fim do prazo perdido pelo MP-RJ.

Gussem relatou a procuradores, segundo a reportagem apurou, que a sindicância tem como objetivo verificar quais logins foram usados para abrir o sistema de contagem de prazo. O procurador-geral disse aos colegas que o procedimento foi aberto a pedido da própria procuradora

Em nota na terça-feira (11), o MP-RJ afirmou que a "procuradoria de justiça que atua na segunda instância" acessou a intimação eletrônica da decisão. Gaya é a responsável pela procuradoria na 3ª Câmara Criminal, que concedeu foro especial a Flávio.

Defensora de foro especial em favor de Flávio no processo, Soraya Gaya já elogiou Bolsonaro nas redes sociais. A perda de prazo criou um clima de desconfiança no Ministério Público, alimentando suspeita de que Soraya tenha antecipado intencionalmente o prazo.

O acesso lançou no sistema o registro de que o MP-RJ tinha tomado oficialmente ciência da decisão, dando início ao que a Justiça chama de fluência de prazo. A petição que oficializou a ciência, contudo, só foi protocolada no dia seguinte.

Em junho, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio concedeu foro especial a Flávio. Pela decisão, o processo que investiga a prática de "rachadinha" no gabinete dele na Assembleia Legislativa do Rio saiu das mãos do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, e passou para o Órgão Especial do TJ, colegiado formados por 25 desembargadores.

O MP-RJ tentou um recurso à decisão, mas o Tribunal de Justiça alegou a perda de prazo e o rejeitou.
A iniciativa da procuradora Soraya contrariou a programação definida pela Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (GAECC/MPRJ) --responsável pela investigação do caso--, que pretendia dar início à contagem dos dias apenas na segunda-feira seguinte, dia 6 de julho.

Em processos penais, a contagem começa no dia seguinte ao conhecimento das intimações, à exceção das vésperas de final de semana e feriados. Quando a intimação é formalmente recebida em uma sexta-feira, o prazo começa a valer na segunda-feira seguinte.

A reportagem apurou que era essa a estratégia dos promotores que, por terem acessado o sistema na sexta-feira, 3 de julho, agiram como se esse fosse o pontapé inicial para apresentação de recurso.

Em nota, o Ministério Público afirmou que a procuradoria-geral só havia tomado ciência da decisão na sexta-feira (3). Mas o acesso de Soraya já estava registrado no sistema um dia antes.

Pelas regras, a Justiça lança uma decisão no sistema. O Ministério Público tem até dez dias para tomar ciência de uma decisão, o que dá início à contagem, que é de 15 dias corridos. Ao acionar o sistema no dia 2, Soraya fez com que o prazo expirasse em 17 de julho.

A reportagem apurou que os promotores não se deram conta do acesso do gabinete de Soraya e trabalharam como se a contagem tivesse sido iniciada na segunda-feira (6). Por esse cronograma, o prazo expiraria no dia 20 de julho, exatamente o dia em que o MP-RJ apresentou o recurso e acabou perdendo o prazo.

Em julho de 2019, por exemplo, ela compartilhou o vídeo de um canal seguido por apoiadores do presidente em que Jair Bolsonaro defende as políticas ambientais de seu governo e questiona dados sobre desmatamento. "Gostei das respostas dele, bem objetivo."

Também no ano passado, em outubro, a procuradora --que costuma enfeitar suas fotos nas redes sociais com uma bandeira do Brasil-- publicou a notícia de que Bolsonaro pretendia obrigar presos a trabalhar e perguntou o que os amigos achavam disso.

A procuradora manteve suas postagens mesmo depois de a Folha de S.Paulo revelar o parecer em que ela defendia a concessão de foro especial a Flávio.
Há um ano, Soraya se manifestou em favor do foro especial em resposta ao habeas corpus impetrado pelos advogados do senador. Na manifestação, a procuradora disse que Flávio teria cometido supostos crimes "escudado pelo mandato que exercia à época".

Ela também disse que, sendo ele o filho do presidente, havia grande "interesse da nação no desfecho da causa e em todos os movimentos contrários à boa gestão pública".

Ao defender a concessão de foro especial ao senador, a procuradora afirmou que não lhe parecia a melhor postura querer julgar Flávio "de forma unilateral e isolada, quando o mesmo tem uma função relevante e que a todos interessa".

"Existe uma tendência em extirpar o chamado foro privilegiado, que de privilégio não tem nada. Trata-se apenas de um respeito à posição ocupada pela pessoa. Assim, é muito mais aparentemente justo ser julgado por vários do que apenas por um, fica mais democrático e transparente", escreveu.

Na manifestação, Soraya disse também que o juiz Itabaiana tem carregado sozinho "um grande fardo nos ombros" e que "nem Cristo carregou sua cruz sozinho". Foi Itabaiana quem autorizou a quebra do sigilo fiscal e bancário de Flávio Bolsonaro e a prisão de seu ex-assessor Fabrício Queiroz.

Assinado pela advogada Luciana Pires, o pedido que garante foro especial ao senador questionou a competência da primeira instância para julgar o caso. A advogada argumentou que Flávio era deputado estadual na época dos fatos e que, portanto, teria foro especial.

Nesta quinta-feira, a desembargadora Elisabete Filizzola Assunção, terceira vice-presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, decidiu não aceitar recurso devido à expiração do prazo.

Na decisão, a desembargadora afirma que "o prazo do recurso começou sua fluência no dia seguinte, ou seja, 03 de julho, terminando, assim, no dia 17 de julho de 2020. Considerando que a interposição dos referidos recursos se deu em 20 de julho de 2020, conclui-se por sua intempestividade".

O MP-RJ tem cinco dias para recorrer ao STJ (Superior Tribunal de Justiça). No Ministério Público, o mal-estar não se restringem às dúvidas acerca de eventuais intenções de Soraya, mas também ao fato de promotores terem perdido o prazo.

Na tarde desta quinta-feira (13), em email encaminhado à assessoria do MP-RJ, a reportagem pediu para entrevistar quem tinha dado início à contagem do prazo.

Em nota, o Ministério Público afirmou que a Procuradoria de Justiça só havia tomado ciência da decisão na sexta-feira (3). Mas que o acesso de Soraya já estava registrado no sistema um dia antes.

Ela não foi localizada pela reportagem. Em um desabafo feito a amigos, Soraya negou que ser apoiadora do presidente Jair Bolsonaro, dizendo não gostar de política. Disse também que não abriu o sistema pois sua tese foi acolhida integralmente pela Justiça e o acesso à intimação interessava apenas aos que pretendiam apresentar o recurso. Soraya encerrou a mensagem dizendo-se cansada de ter celular grampeado e o computador bugado.

 

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