Novo coordenador do PNI critica fake news, se opõe ao 'kit Covid' e defende vacinar crianças
Gurgel declarou que terá como principal missão elevar as taxas de cobertura vacinal no Brasil, que despencaram na pandemia
Novo coordenador do PNI (Programa Nacional de Imunizações), o pediatra Ricardo Queiroz Gurgel levanta bandeiras opostas às do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Nomeado nesta quarta-feira (6) ao cargo que estava vago há mais de três meses, o médico afirmou ser favorável à vacinação de crianças e adolescentes, critica fake news sobre a campanha de imunização e disse que está "suficientemente comprovado" que medicamentos do "kit Covid" não têm eficácia.
Gurgel declarou que terá como principal missão elevar as taxas de cobertura vacinal no Brasil, que despencaram na pandemia. Ele disse que foi escolhido ao cargo "por intermédio de pessoas que são funcionários técnicos" da Saúde.
Sob a gestão do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, as decisões sobre a campanha de vacinação da Covid passaram do PNI para a Secovid (Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19), mas o pediatra afirmou que participará das discussões.
Após pressão de apoiadores do presidente Bolsonaro, a secretaria assinou em setembro orientação de suspender a vacinação de adolescentes, mesmo com aval da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para aplicar doses da Pfizer no grupo de 12 a 17 anos. Ignorada por gestores do SUS, a orientação caiu na semana seguinte.
Gurgel declarou que o tema está superado. "Realmente, é seguro e útil que a vacinação em adolescentes seja feita", disse o pediatra.
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O novo chefe do programa de imunizações ainda projetou que a vacinação das crianças contra a pandemia começará em 2022.
Bolsonaro tem patrocinado campanha de desinformação sobre as vacinas. Questionado sobre as falas do presidente, Gurgel disse que é "técnico" e não tem a missão de mudar o discurso do governo. " Minha pretensão é fazer com que coberturas vacinais sejam restabelecidas."
"Nessas outras questões eu não tenho como interferir e não faz parte do que estou indo fazer", afirma.
Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria, Gurgel é formado em medicina pela UFS (Universidade Federal de Sergipe), onde é professor. Ele também cursou doutorado em saúde da criança e do adolescente na USP (Universidade de São Paulo).
Pergunta - O que espera fazer no comando do PNI?
Ricardo Queiroz Gurgel - A expectativa é realmente da recuperação do índice de cobertura vacinal que o Programa Nacional de Imunizações sempre teve. Já tem algum tempo que está tendo queda nas coberturas. Com a pandemia, houve uma acentuação disso. As coberturas estão em níveis baixos, que já se tornam perigosos para o reaparecimento de algumas doenças que nem aconteciam mais aqui no Brasil. Voltamos a ter sarampo recentemente, depois de mais de dez anos. Então a expectativa é o resgate das coberturas vacinais que nós sempre tivemos.
Como foi feito o convite?
RQG - Em relação ao convite, foi por intermédio de pessoas que são funcionários técnicos do Ministério da Saúde que conhecem meu trabalho. Eu tenho um envolvimento com pesquisas em vacinas. Como pediatra, tenho boa experiência no uso de vacinas, sou um grande defensor da vacinação e foi por esse motivo que foi feito o convite. Nas conversas com o ministro, ele aprovou a minha indicação.
A que o senhor atribui a queda nas taxas de cobertura vacinal?
RQG - Obviamente o fato de estar todo mundo em isolamento, só isso já é possibilidade de diminuir a vacinação. Havia motivo para que houvesse alguma queda. Agora a ideia é resgatar tudo isso. Ter cobertura em níveis seguros, acima de 90% das vacinas que precisam, para que doenças sejam mantidas fora da circulação do nosso meio.
O senhor já chegou a discutir a campanha de Covid para o ano que vem?
RQG - Não chegamos a discutir. Inclusive, a vacinação Covid não é diretamente ligada à coordenação do PNI. Tem uma secretaria especial que cuida da vacina Covid e da área de enfrentamento da pandemia. A minha coordenação participa das discussões, mas não é o órgão decisório para a vacinação Covid.
As decisões sobre a campanha da Covid ficam na Secovid?
RQG - Isso. Já está assim. Eu participarei das discussões e tudo que vai ser feito em conjunto. Obviamente, as ações que passam pela logística PNI eu vou ter que participar, sem dúvida. Tem muitas coisas que a própria vacina Covid faz uso da estrutura logística do PNI. Isso nós continuaremos participando.
Houve uma discussão nas últimas semanas sobre a vacinação de adolescentes. O que o senhor pensa sobre isso?
RQG - Isso está resolvido. O ministério reformulou a posição mostrando que, dentro das evidências que apareceram, era adequado que os adolescentes recebessem a vacina. A Sociedade Brasileira de Pediatria, por intermédio do departamento de imunizações do qual eu faço parte, emitiu uma nota técnica posicionando. Realmente, é seguro e útil que a vacinação em adolescentes seja feita.
Essa mudança, temporária, de se orientar que não se vacinasse adolescentes, foi motivada por uma campanha de pessoas dizendo que não era seguro, mesmo tendo a vacina da Pfizer autorizada para essa idade. Como senhor vê esse tipo de campanha e fake news?
RQG - Acho que isso é um desserviço para o Brasil e para o mundo. Pessoas têm de se basear em alguma coisa que é considerado como correto, como feito de forma para beneficiar as pessoas. Imagino, acho, que é por isso que faço assim, as pesquisas são feitas no sentido de resolver os problemas da pessoa. Vacinas dadas em adolescentes são seguras. Já foram feitos estudos que comprovam isso. Disseminar essas outras informações é desserviço para mundo todo.
Ainda não há vacinação para crianças. O senhor acha positivo que a vacinação da Covid avance para as crianças?
RQG - Sem dúvida. Não tem ainda, mas teremos provavelmente em breve porque tem estudos sendo feitos. Alguns estudos que eu tenho conhecimento já mostraram boa imunogenicidade, boa resposta imune ao uso da vacina, que é bom. E mostrando que é segura. Obviamente, vai ser preciso fazer estudo em fase 3, estudo de campo, para que a vacina possa ser aprovada.
Vê chance de em 2022 ou até antes começar a vacinar crianças?
RQG - Eu imagino que até o fim do ano os estudos de fase 3 com algumas vacinas em crianças já tenham resultados. Imagino que a partir do ano que vem já possam ter algum uso.
Nesse momento da pandemia, indicar tratamento precoce, cloroquina, ainda é possível ou tem de ser descartado?
RQG - Acho que a gente não devia mais conversar sobre isso. Está suficientemente comprovado que não tem eficácia. Em algumas situações pode ser danoso. Não faz sentido continuar usando uma coisa que tem evidência comprovada, números suficientes para mostrar que não tem eficácia. Então, para quê [usar]? Acho que não faz sentido.
O senhor falou de vacinação para crianças e adolescentes, de que é errada campanha de fake news sobre o tema, agora fala que é contrário ao uso de medicamentos do tratamento precoce. Essas bandeiras e campanhas partiram, muitas delas, do presidente da República. Pessoas que se opuseram não tiveram vida muito longa no Ministério da Saúde.
RQG - Meu cargo é técnico...
A sua missão é também tentar mudar esse discurso no governo?
RQG - Não tenho nenhuma pretensão. Minha pretensão é fazer com que coberturas vacinais sejam restabelecidas. É um cargo técnico, vou usar o que conheço e tenho de experiência com uso de vacinações para que a gente possa tentar resgatar as coberturas vacinais aqui no Brasil. Nessas outras questões eu não tenho como interferir e não faz parte do que estou indo fazer.
Francieli Fantinato, ex-coordenadora do PNI, disse que falas do presidente Bolsonaro podem atrapalhar a campanha de vacinação. O que o senhor pensa sobre isso?
RQG - Não tenho muita opinião formada sobre isso. Tenho que ver como que as coisas vão acontecer para poder me posicionar. Não posso tomar posicionamentos.