Novo número 2 da Abin já afirmou que Lula e Dilma "não priorizaram" o setor de Inteligência
Em artigo publicado em 2020, Marco Cepik defendeu que atividades estratégicas relacionadas à segurança nacional até se expandiram sob as gestões petistas, mas a reboque de outros fatores
Escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para ocupar o cargo de diretor-adjunto da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Marco Cepik já afirmou, em artigo publicado numa revista especializada, que as gestões petistas — sob o próprio o Lula, entre 2003 e 2010, e posteriormente com Dilma Rousseff — "não consideravam" o setor de Inteligência "uma prioridade".
No texto, de 2020, o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) sustentou que atividades estratégicas relacionadas à segurança nacional até se expandiram durante os mandatos dos dois presidentes, mas a reboque de outros fatores.
A análise compreende o período que vai até 2014, ano em que a Copa do Mundo foi realizada no Brasil. No artigo, Cepik defende que a expansão do trabalho de inteligência deu-se justamente por conta do protagonismo brasileiro em grandes eventos internacionais, bem como de uma tentativa de ampliar a presença do país no cenário internacional.
Neste segundo quesito, destacavam-se, para o professor, atividades relacionadas ao G20 e aos Brics, grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, além das missões da ONU no Haiti, capitaneadas por militares brasileiros. Além do Mundial de futebol, o país também sediou a Jornada Mundial da Juventude, a Rio+20 e as Olimpíadas de 2016.
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Outro elemento que, na análise de Cepik, fomentou o setor de inteligência foi a crise na segurança pública, que se agudizou nos últimos anos. De acordo com o novo número 2 da Abin, a expansão nas atividades estratégicas deu-se principalmente no âmbito das Forças Armadas e no sistema de Justiça Criminal.
Esse crescimento, no entanto, não veio acompanhado de fiscalização, ainda conforme a tese defendida pelo professor. "O sistema pode ter se tornado mais eficaz, mas as burocracias cada vez mais definiram as suas missões sem controle ou supervisão democrática externa", argumenta ele no artigo em inglês (tradução livre).
Neste contexto, porém, Cepik menciona a Abin como exemplo positivo de um órgão que conseguiu desenvolver mecanismo internos e externos de controle de suas atividades. São citadas, neste sentido, a Secretaria de Controle Interno da Presidência, o Tribunal de Contas da União, o Ministério Público Federal e a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI) no Congresso Nacional.
'Tutela militar'
Cepik também já defendeu em artigos que a tutela militar, a indevida politização da aplicação da lei e segurança e o insuficiente controle externo das atividades de inteligência representavam preocupações durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL). Ele apontou duas questões problemáticas na inteligência e na segurança durante o último governo.
A primeira é a ampla e crescente, naquele momento, militarização do governo Bolsonaro. O novo diretor-adjunto cita um levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU) que indicou existirem cerca de 6.157 militares em cargos no governo federal. A quantidade de membros das Forças Armadas nas atividades de inteligência poderia, segundo o especialista, resultar em problemas de obediência hierárquica.
"Isto levanta preocupações sobre o potencial uso indevido de componentes de inteligência obrigados pela hierarquia e lealdade na aplicação da lei e nas Forças Armadas", escreve Cepik no artigo artigo Intelligence and Security Services in Brazil Reappraising - Institutional Flaws and Political Dynamics (Serviços de Inteligência e Segurança no Brasil - Reavaliando Falhas Institucionais e Dinâmicas Políticas, em tradução livre), publicado no The International Journal of Intelligence, Security, and Public Affairs.
A segunda questão levantada por Cepik é o que ele chama de "securitismo", termo cunhado pelo pesquisador da Universidade de Liverpool, Peter Gill. Segundo Cepik, o fenômeno ocorre quando há relações secretas e sem controle externo envolvendo agências do Estado com entidades paraestatais, governos estrangeiros e empresas.