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ELEIÇÕES

O que esperar da disputa eleitoral nas redes sociais em 2022?

Disputa terá mais regras contra fake news, mas falta de transparência, Telegram e ação multiplaforma desafiarão autoridades

Urna eletrônicaUrna eletrônica - Foto: Fábio Pozzebom/Agência Brasil

Em um cenário com as redes sociais cada vez mais relevantes na vida dos brasileiros, as eleições de outubro prometem ter a desinformação como um dos seus principais gargalos. Na comparação com a última disputa presidencial, haverá mais instrumentos jurídicos, de um lado, para combater mensagens falsas e campanhas de ódio. O principal movimento vem do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que aprovou resoluções que miram o impacto da desinformação sobre o processo eleitoral e deve adotar uma postura mais rígida no ano que vem.

Do outro lado, porém, os desafios permanecem e novos surgem, na avaliação de especialistas.  A falta de transparência das plataformas, principalmente dos aplicativos de mensagem, nos quais a circulação de conteúdo é mais difícil de acompanhar, seguirá dificultando a identificação ágil de mensagens enganosas e a punição de seus responsáveis, assim como a viralização de fake news em diferentes plataformas simultaneamente.

Já o crescimento no país do Telegram, aplicativo russo que não costuma colaborar com as autoridades, e a popularização de táticas de desinformação entre candidatos de diferentes correntes ideológicas serão complicadores adicionais para tornar o ambiente digital menos virulento.

O GLOBO listou o que há de novidade no pleito do ano que vem e os temas que serão motivo de alerta para candidatos e eleitores.

Do ponto de vista regulatório, a sinalização mais recente veio do TSE. A Corte aprovou uma resolução que veda a divulgação de “fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados” que atinjam a integridade do processo eleitoral, incluindo processos de votação, apuração e totalização de votos. Fica também proibido o disparo em massa de mensagens em aplicativos de comunicação instantânea, como WhatsApp e Telegram, para pessoas que não se inscreveram para recebê-las ou a partir da contratação de tecnologias ou serviços não fornecidos pela plataforma e em desacordo com os seus termos de uso. Já a proibição para pagamento de influenciadores digitais por postagens eleitorais ficou mais explícita.

Não havia regras semelhantes em vigor em 2018. O texto incorporou sinalizações recentes do tribunal no julgamento da cassação da chapa Bolsonaro-Mourão e do deputado estadual bolsonarista do Paraná Fernando Francischini (PSL), acusado de propagar fake news sobre fraudes nas urnas eletrônicas.

"Provavelmente, a única novidade que teremos nesta eleição do ponto de vista da legislação é a resolução do TSE. O código eleitoral, que foi bastante discutido e aprovado na Câmara, não foi votado a tempo pelo Senado. Já o projeto de lei das fake news dificilmente será aprovado a tempo para ter validade para as eleições — resume o diretor do Instituto Cultura e Democracia e coordenador do projeto Desinformante, João Brant.

Como há menos de um ano para o pleito, mudanças na legislação eleitoral não são mais possíveis. Por não tratar de questões eleitorais, o PL das fake news, com alterações gerais no funcionamento das redes, pode entrar em vigor antes do próximo pleito, mas o projeto prevê um período de seis meses de adaptação antes de boa parte das novas regras valerem. Especialistas também alertam que haverá pouco tempo para a Justiça consolidar teses para a aplicação da lei.

Depois de ser aprovado no Senado, o PL das fake news sofreu mudanças substanciais na Câmara e aguarda análise do plenário. Entre os principais pontos do texto, estão a cobrança de ação das empresas de tecnologia para impedir a distribuição massiva de conteúdos, a criminalização de “disseminação em massa” de mensagens com desinformação com até três anos de prisão e a exigência de relatórios trimestrais de transparência das plataformas.

Outro texto com impacto no pleito é a lei de combate à violência política contra a mulher durante as eleições e no exercício de funções públicas, sancionada em agosto. A norma inclui no Código Eleitoral o crime de assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo.

A postura mais combativa do TSE é outra mudança esperada, na comparação com 2018, na avaliação de pesquisadores. A corte são só aprovou uma resolução para 2022 com regras contra a desinformação e fixou entendimento de que disparos em massa com desinformação podem configurar abuso econômico e gerar cassação do registro de candidatura, como cassou pela primeira vez um deputado por propagar fake news sobre as urnas eletrônicas e abriu uma investigação contra o presidente Jair Bolsonaro por ataques ao processo eleitoral. O tribunal também tem se aproximado e buscado diálogos com as plataformas.

"O TSE atuou no sentido de criar precedentes para uma atuação mais rigorosa em 2022 e enviar a sinalização para os atores políticos de que não vai tolerar que o pleito seja um vale tudo, de que vai adotar postura mais dura de combate a estratégias de desinformação, podendo no limite até cassar candidaturas. Resta saber até que ponto vai conseguir colocar tudo isso em prática" explica o pesquisador da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (DAPP/FGV) Amaro Grassi.

O tribunal será comandado pelo ministro Alexandre de Moraes, nome considerado mais punitivista no tema. Moraes é relator de inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF) contra fake news e ataques a instituições democráticas, tidos como pontos de pressão contra bolsonaristas e as plataformas e no quais já determinou prisões e buscas e apreensões. O ministro também tem o controle sobre o julgamento de duas ações que discutem a eventual suspensão do WhatsApp, parado desde 2020 após seu pedido de vista.

"O comportamento do juiz é tão importante quanto a regra do jogo, se o juiz é briguento e vai dar cartão amarelo para todo mundo, ou se é um juiz que vai deixar passar. A maior diferença é que o presidente será o Alexandre de Moraes" acrescenta o diretor do InternetLab, Francisco Cruz.

Outra frente de pressão vem do Ministério Público Federal (MPF). Em novembro, o MPF abriu uma investigação contra a atuação de Telegram, Whatsapp, Facebook, Instagram, Twitter, TikTok e YouTube. As empresas terão que explicar como atuam para frear a desinformação relacionada à saúde pública e à democracia no país. Embora não tenha relação com discussões eleitorais, a apuração pode revelar informações sobre como as plataformas atuam e funcionar como um instrumento para levá-las a agir contra fake news.

Apesar dos avanços na fixação de mais regras sobre o ambiente digital e de uma postura mais atenta das autoridades, a dificuldade na produção de provas será um dos principais obstáculos para punir abusos, principalmente nos aplicativos de mensagem como WhatsApp e Telegram. Se de um lado há pouco acesso fornecido por essas plataformas de mensagem ao que acontece nelas, do outro, o TSE fixou nos casos de disparo em massa a necessidade de provar impacto grave no resultado da eleição. A desinformação disseminada de forma orgânica é outro desafio.

"Essas mensagens vão para um ambiente que o Judiciário não consegue ver. É um ambiente que não acontece apenas (com envio) de um para um, mas em uma arquitetura de milhares grupos e no qual as mensagens são sutis. Isso torna mais difícil provar irregularidades. O TSE não entendeu o problema e o funcionamento dos aplicativos de mensagem" alerta a advogada eleitoral Samara Castro, vice-presidente da Comissão de Privacidade e Proteção de Dados da OAB-RJ.

A dificuldade para lidar com plataformas que mesclam uso privado, para troca de mensagens entre familiares e conhecidos, e público com a viralização de conteúdo e grupos de discussão, se agrava ainda mais no caso do Telegram. Sem representação jurídica no Brasil, a empresa de origem russa não tem respondido às tentativas de contato do TSE. A avaliação é que dificilmente o aplicativo, que é hoje mais usado no país que em 2018 e ganhou a adesão de bolsonaristas nos últimos meses, atenderia a possíveis decisões judiciais, por exemplo, para remoção de conteúdo.

Para João Brant, caberá justamente às plataformas boa parte das ações para conter a desinformação e há risco de determinadas proibições previstas em lei e na resolução do TSE terem pouca validade efetiva.

"As decisões que os TREs têm condições de tomar vão ser necessariamente lentas, ante a velocidade das eleições. A Justiça está devendo respostas mais céleres. Se não houver uma ação significativa e enérgica das plataformas, é difícil que não haja influência negativa da desinformação no processo eleitoral. 

A espera por uma atuação mais proativa das redes não é consenso. O Brasil será a “bola da vez” para as grandes empresas do setor, como um ponto crítico do mapa global de potenciais riscos à imagem, destaca Amaro Grassi:

"A atenção vai ser grande para o caso do Brasil e devemos esperar ação mais incisivas em remover conteúdo, o que também não está livre de polêmicas. Falta transparência sobre quais critérios são utilizados. Isso tende a gerar incentivo de uma certa fragmentação do uso do ambiente digital, do uso de plataformas “alternativas”, sobretudo o Telegram. O que veremos não é concentração numa plataforma específica e sim numa lógica de ecossistema.

Desde as últimas eleições americanas e do início da pandemia, redes como Facebook, Instagram, Twitter e YouTube atualizaram suas regras e retiraram do ar vídeos com desinformação sobre a Covid-19 e com ataques à democracia. Enquanto o ex-presidente dos EUA Donald Trump foi “desplataformizado” após o ataque ao Capitólio, Bolsonaro tem sido alvo de remoções e bloqueios, principalmente por declarações falsas sobre vacinas e a prevenção à Covid em suas lives.

Francisco Cruz, do InternetLab, vê mais pressão para que as plataformas ajam, mas avalia que a proatividade virá da aproximação com a Justiça, e não das remoções de conteúdo:

"Há um cenário diferente, as plataformas estão acuadas e isoladas politicamente. Dá para esperar uma postura mais proativa, não em relação a remoção de conteúdo, mas ao investimento e proatividade com a Justiça Eleitoral. As plataformas não vão mais entrar em conflito com a Justiça. Se chegar uma ordem, elas vão cumprir.

Já Samara Castro, da OAB-RJ, não vê movimentações consistentes que indiquem uma mudança de postura.

"A verba das plataformas contra desinformação vai mais para publicidade que para a tecnologia. Apesar da boa relação com o TSE, ainda há milhares de vídeos que atacam o tribunal e seus ministros circulando. Não saíram do ar. Também não há preocupação em abrir acesso a dados, mesmo entre pesquisadores. Quais são as medidas reais? O que tiram do ar rapidamente?" questiona.

Já o protagonismo do ambiente digital na eleição é uma das principais apostas dos pesquisadores e dos candidatos. A corrida para chegar no pleito com uma estrutura forte nas principais plataformas já começou, e esse ativo será essencial para se manter relevante. A participação de influenciadores digitais e de gamers, grupo que no passado esteve mais alinhado a Bolsonaro, são algumas das tendências, assim como a presença de políticos no TikTok, rede social chinesa focada em vídeos curtos que se popularizou entre os mais jovens. Na largada, Bolsonaro e seus aliados seguem com o maior impacto virtual.

"O poder de fogo que o bolsonarismo tem, não só para o candidato Bolsonaro mas para quem apoiarem entre os candidatos a governador e senador, vai valer muito. É um grupo que tem know-hall, rede e recursos" destaca Brant, do Instituto Cultura e Democracia.

Por outro lado, as estratégias de desinformação, que marcaram a campanha vitoriosa de Bolsonaro há três anos, não ficarão mais restritas a um grupo político e apenas à disputa presidencial. Uma prévia foi a mobilização em torno da mensagem falsa de que Bolsonaro havia sido xingado de “noivinha do Aristides”. O termo homofóbico foi inicialmente compartilhado por uma conta identificada como “Felipe do PT”.

"A eleição 2018 foi inovadora para o bem e para o mal. Foi um uso novo dos aplicativos de mensagem, do WhatsApp sobretudo. O mundo político, os atores políticos, observam o que funciona e vão tentar usar as estratégias que dão certo. É mais do que esperado que as práticas que tiveram sucesso sejam reproduzidas. A desinformação será um padrão no ano que vem. Teremos mais gente produzindo, outras plataformas, outros espaços"conclui Amaro Grassi, da DAPP/FGV.

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