POLÍCIA FEDERAL

O que se sabe e o que ainda falta ser explicado sobre a operação que mirou espionagem ilegal da Abin

Investigação aponta Ramagem como integrante de uma 'organização criminosa' que chegou a monitorar ministros do STF

Em relatórios, Abin alertou para o "risco de mobilização" de "indivíduos isolados" depois de 8 de janeiro Em relatórios, Abin alertou para o "risco de mobilização" de "indivíduos isolados" depois de 8 de janeiro  - Foto: Antonio Cruz

Nesta quinta-feira (25), a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao deputado federal e ex-chefe da Agência Brasileira de Investigação (Abin) Alexandre Ramagem (PL-RJ), em inquérito que apura suposto uso da ferramenta FirstMile para espionar cidadãos comuns e até autoridade.

Durante o dia, o político bolsonarista recebeu apoio de aliados, que falaram em perseguição contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Já a investigação aponta Ramagem como integrante de uma "organização criminosa" que chegou a monitorar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e um integrante da Esplanada.

Como revelou O Globo em março do ano passado, a Abin utilizou um programa secreto chamado FirstMile para monitorar a localização de alvos pré-determinados por meio dos aparelhos celulares.

Após a reportagem, a Polícia Federal abriu um inquérito e identificou que a ferramenta foi utilizada para monitorar políticos, jornalistas, advogados e adversários de Bolsonaro. O software israelense foi usado ainda contra os ministros do STF Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes e do ministro da Educação, Camilo Santana, além dos então deputados Rodrigo Maia e Joice Hasselmann.

Segundo a PF, foram identificadas anotações em um dos endereços que mostram uma tentativa de associar Moraes e Gilmar à maior facção criminosa de São Paulo. Eles afirmam, nos autos, que fatos apontaram aos investigadores que havia um "viés político de grave ordem", o que indicaria uma instrumentalização da Abin. No começo do mês, Gilmar afirmou que sabia que estava sendo monitorado pela agência.

Outro alvo do esquema teria sido a promotora do Ministério Público do Rio Simone Sibilio, que ficou à frente das investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista, Anderson Gomes, entre 2017 e 2021. Os agentes da PF encontraram um currículo de Sibilio em um dos endereços de Ramagem.
 

Em entrevista à GloboNews, o parlamentar disse desconhecer o motivo pelo qual o documento foi encontrado e informou que "não teria nada a ver com o sistema" FistMile.

Outra parte do inquérito aponta o monitoramento de uma reunião entre o então presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia e a então deputada federal Joice Hasselmann, em um encontro na residência oficial da Presidência, em 2019. Ainda não ficou claro, no entanto, o que teria levado a agência a acompanhar a reunião.

Já sobre o ministro da Educação, Camilo Santana, a PF apurou que houve uso de drones para sobrevoar a casa do político, à época governador do Ceará. Em entrevista à GloboNews, ele não se pronunciou sobre o assunto.

Os investigadores ainda apontaram uma interferência do ex-chefe da Abin na proteção de filhos do ex-presidente com investigações no órgão. Essa estrutura teria sido usada para blindar Jair Renan, o filho "zero quatro" de Bolsonaro, à época alvo de um inquérito por tráfico de influência no governo. O caso foi posteriormente arquivado.

A estrutura do Estado também teria sido usada em favor do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), primogênito do ex-presidente. Em 2020, a Abin participou de uma reunião no Palácio do Planalto sobre o caso das rachadinhas com a defesa do parlamentar que, em dezembro daquele ano, confirmou que tinha recebido relatórios de inteligência diretamente de Ramagem sobre o caso.

No entanto, ainda não foram identificadas quais as motivações por trás de um favorecimento dos filhos do ex-presidente.

O que já se sabe
Quando o programa que motivou a operação foi comprado? A aquisição foi feita no apagar das luzes no governo Temer, sem licitação, a um custo de R$ 5,7 milhões.

Por quanto tempo ele foi utilizado? Segundo a Abin, o programa foi usado pelos agentes por aproximadamente 18 meses, entre dezembro de 2018 e maio de 2021.

Como funciona o programa? Os dados são coletados por meio da troca de informações entre os celulares e antenas para conseguir identificar o último local conhecido da pessoa que porta o aparelho.

Quantas pessoas foram monitoradas? A ferramenta da Abin permitia, sem qualquer protocolo oficial, monitorar os passos de até 10 mil proprietários de celulares a cada 12 meses. Como revelou a colunista do GLOBO Bela Megale, o sistema de monitoramento da Abin foi acionado mais de 30 mil vezes.

Quem eram os alvos? Entre os 30 mil acionamentos, os agentes detalharam cerca de 2 mil usos relacionados a políticos, jornalistas, advogados e adversários do governo Jair Bolsonaro. Já haviam surgido anteriormente, como alvos, os nomes do ex-deputado Jean Wyllys e de Hugo Loss, ex-chefe de fiscalização do Ibama, entre outros. Nesta quinta-feira, também vieram à tona ações que miraram os ministros do STF Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, o hoje ministro da Educação Camilo Santana, à época governador do Ceará, o ex-deputado Rodrigo Maia e a promotora Simone Sibilio, do MP-RJ.

Quais crimes podem ter sido cometidos? Os investigados podem responder, na medida de suas responsabilidades, pelos crimes de invasão de dispositivo informático alheio, organização criminosa e interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. A investigação da PF cita ainda a formação de uma "organização criminosa".

O que falta esclarecer
Quem eram os outros monitorados? Como já citado, foram identificadas 30 mil ocasiões em que houve emprego do programa FirstSmile, mas apenas cerca de 2 mil já foram detalhados. Os registros restantes, porém, foram apagados, como detectou uma etapa anterior da investigação. Além disso, é preciso entender se outros adversários políticos de Bolsonaro foram monitorados de outras maneiras.

Por que havia um currículo de uma promotora do caso Marielle com a diretoria da Abin? Simone Sibilio ficou à frente das investigações entre 2017 e 2021. Os agentes da PF encontraram um currículo da promotora em um dos endereços de Ramagem. Perguntado sobre a apreensão, o ex-diretor da Abin e hoje deputado disse que cabia aos investigadores entender por que o documento estava ali.

Por que a Abin buscou blindar Jair Renan Bolsonaro? Ramagem argumentou, em entrevista na GloboNews, que cabia ao órgão apoiar a segurança da família do então presidente. Isso não inclui, porém, nenhum tipo de atuação para influenciar investigações relativas a parentes do chefe do Executivo, como no caso de Jair Renan.

De quem partiu a ordem para que o programa FirstSmile fosse utilizado? E sobre outros tipos de monitoramento ilegal? Apesar de ter sido adquirido nos últimos dias do governo Temer, o FirstSmile seguiu largamente utilizado durante a gestão de Bolsonaro, por mais de um ano. A PF apura de quem foi a autorização para que o software fosse comprado e também quem ordenou que ele passasse a ser usado pela Abin. Também é preciso descobrir de quem foi a ordem para outras formas de monitoramento descobertas ao longo da investigação.

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