O que você precisa saber sobre a trama golpista de Bolsonaro
Novos depoimentos implicam ainda mais o ex-presidente em investida antidemocrática
O ex-presidente Jair Bolsonaro foi ameaçado de prisão caso avançasse com a trama golpista e teve o incentivo do então comandante da Marinha na ofensiva para permanecer no poder, segundo informações prestadas pelo ex-chefe da Aeronáutica Baptista Júnior à Polícia Federal. De acordo com ele, o general Freire Gomes, à frente do Exército na ocasião, disse a Bolsonaro que o prenderia se o plano fosse levado adiante. E, na contramão da posição adotada pelos dois chefes, o almirante Almir Garnier colocou as tropas da Marinha “à disposição” do então chefe do Executivo na tentativa de ruptura constitucional.
Com as novas descobertas, a PF avalia que foi esclarecida a “participação efetiva” de Bolsonaro no episódio. O ex-presidente, investigado por crimes como tentativa de golpe de Estado e organização criminosa, foi diretamente implicado como agente do plano, na avaliação de investigadores. O sigilo de parte dos depoimentos que compõem a investigação foi derrubado nesta sexta-feira pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Após a derrota para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2022, Bolsonaro convocou reuniões no Palácio da Alvorada com a presença dos comandantes das Forças e de Paulo Sérgio Nogueira, ministro da Defesa à época. O ex-mandatário, segundo o inquérito, apresentou um documento que previa as hipóteses de instaurar Estado de defesa ou de sítio, além de dar início a uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). A minuta golpista seria o primeiro passo para impedir a posse de Lula, de acordo com a investigação. O advogado Fabio Wajngarten, que defende Bolsonaro, afirmou nas redes sociais que “não houve nada de golpe nem de prisão”.
Ameaça de prisão
Dos integrantes da cúpula militar, Baptista Júnior e Freire Gomes reagiram ao plano, enquanto Garnier e Nogueira estavam alinhados ao ex-presidente, ainda de acordo o inquérito. O ex-chefe da FAB informou aos investigadores que a postura de Freire Gomes foi determinante para que trama fosse interrompida e que, se o ex-comandante do Exército tivesse concordado, “possivelmente a tentativa de golpe teria se consumado”.
“Em uma das reuniões dos comandantes das Forças com o então presidente da República, após o segundo turno das eleições, depois de o Presidente da República, Jair Bolsonaro, aventar a hipótese de atentar contra o regime democrático, por meio de alguns institutos previsto na Constituição (GLO ou Estado de Defesa ou Estado de Sítio), o então comandante do Exército, general Freire Gomes, afirmou que caso tentasse tal ato teria que prender o presidente da República”, disse Baptista Júnior.
Procurados, Garnier e Nogueira não comentaram. Eles ficaram em silêncio quando foram intimados pela PF.
'Tropas à disposição'
O ex-comandante da Aeronáutica disse que ele e Freire Gomes insistiram com Bolsonaro que não havia ocorrido qualquer fraude nas urnas eletrônicas — Baptista Júnior acrescenta ter deixado explícito que “não aceitaria qualquer tentativa de ruptura institucional”. Voz dissonante entre os chefes das Forças, Garnier, no entanto estimulou a trama. De acordo com o tenente-brigadeiro do ar, após Bolsonaro apresentar as hipóteses da minuta golpista, o então comandante da Marinha deu aval:
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“Em uma das reuniões com os comandantes das Forças após o segundo turno das eleições presidenciais, dentro do contexto apresentado pelo então presidente Jair Bolsonaro da possibilidade de utilização dos institutos jurídicos da GLO e do Estado de defesa, o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, afirmou que colocaria suas tropas à disposição de Jair Bolsonaro”, contou Baptista Júnior à PF.
Um dos conselheiros jurídicos por trás da iniciativa era o então ministro da Justiça, Anderson Torres, segundo o depoimento. Nesta sexta, a defesa dele defendeu uma acareação com os ex-chefes do Exército e da Aeronáutica.
Bolsonaro 'assustado'
Baptista Júnior relatou ainda que Bolsonaro estava resignado com a derrota eleitoral, mas ganhou novo fôlego em 14 de novembro de 2022, quando um instituto contratado pelo PL apresentou um estudo que questionava as urnas eletrônicas — as suspeitas eram falsas e não foram comprovadas. O militar disse, entretanto, que o ex-presidente ficava “assustado” quando informado que não haveria adesão à trama golpista.
Os depoimentos dos oficiais revelam ainda uma outra reunião em que a hipótese de golpe foi apresentada. Segundo os ex-chefes da Aeronáutica e do Exército, Nogueira convocou um encontro com os três comandantes de Forças no dia 14 de dezembro de 2022.
Sem reação
Baptista Júnior contou ainda que o ex-ministro da Defesa apresentou a minuta golpista e foi questionado:
“Esse documento prevê a não assunção do cargo pelo novo presidente eleito?”, afirmou o ex-comandante da Aeronáutica, segundo o depoimento à PF, seguido por um silêncio de Nogueira.
Baptista Júnior disse ter reiterado que a FAB não admitiria a hipótese de golpe de Estado e que Freire Gomes “expressou que também não concordaria com a possibilidade de analisar o conteúdo da minuta”. Garnier, segundo este relato, “não expressou qualquer reação contrária ao conteúdo da minuta”.
Plano contra Moraes
Na decisão de ontem, Moraes levantou sigilo de 27 depoimentos — parte desses, no entanto, ficaram em silêncio ao serem inquiridos pela PF.
Em janeiro, o ministro revelou ao GLOBO a existência de três planos contra ele, envolvendo prisão e até homicídio dentro dessa trama que pretendia tomar o poder. Coronel da reserva suspeito de integrar um núcleo que insuflava o golpe, Laércio Vergílio afirmou à PF que a detenção do Moraes seria necessária até que a “normalidade constitucional se restabelecesse”. Ele negou, no entanto, que a iniciativa se tratasse de um golpe, mas revelou até a quem caberia a captura do ministro: aos militares das Forças Especiais do Exército sediados em Goiânia.