Pacote fiscal gera crise interna na bancada do PT e desgasta relação do governo com PSOL
Ex-presidente do PT votou contra medidas de ajuste fiscal e disse que 'não é funcionário do governo'
As votações dos projetos que fazem parte do pacote fiscal elaborado pelo governo expuseram uma divisão interna no PT, partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em meio à disparada do dólar e a pressão pelo ajuste nas contas, o partido registrou algumas defecções. O principal recado veio, porém, do deputado Rui Falcão (PT-SP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no ano passado e influente quadro da sigla.
Após votar contra a alteração de regras como a do abono salarial, ele disse que não é "funcionário do governo" e, portanto, não é obrigado a aderir às iniciativas. A pauta indigesta para a esquerda também gerou desgaste do governo com o PSOL, cujos parlamentares fizeram questão de discursar de forma contrária em plenário. A legenda faz parte da base e abriga o deputado Guilherme Boulos, que foi o candidato apoiado por Lula a prefeito de São Paulo.
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O pacote inclui um Projeto de Lei (PL) que muda a forma de reajuste do salário mínimo e faz ajustes na concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), relatado pelo deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL); um Projeto de Lei Complementar (PLP) que permite o bloqueio de emendas, com relatoria de Átila Lira (PP-PI); e uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que muda regras do abono salarial, sob a responsabilidade do relator Moses Rodrigues (União–CE).
Os relatores fizeram mudanças nos textos para atenuar algumas das medidas, mas o acordo não foi suficiente para conquistar os votos de toda a esquerda.
Nenhum deputado do PSOL votou a favor da PEC nem do PLP. Na bancada do partido, foram 12 votos contrários e uma ausência nas duas iniciativas. Para efeitos de comparação, o PL do ex-presidente Jair Bolsonaro entregou 17 votos favoráveis à PEC relatada por Moses e dez votos no PLP que tem Átila Lira como relator.
No PT, a maioria votou a favor das iniciativas, mas também houve dissidências. Além de Rui Falcão, Natália Bonavides (RN) e Marcon (RS) se posicionaram contra a PEC.
Na votação do PLP, apenas Rui Falcão votou contra. O parlamentar é ex-presidente do PT e tem diálogo direto com o presidente Lula.
— Eu sou do PT, não sou funcionário do governo. O Diretório Nacional tinha questionado as medidas de austeridade, a (presidente do PT) Gleisi (Hoffmann) tinha até dito que é uma política austericida. Nunca votei para reduzir direitos — disse o petista.
No texto do salário mínimo, o relator Isnaldo Bulhões mudou o texto para amenizar os critérios mais duros de liberação do BPC estabelecidos inicialmente pelo governo, mas Falcão disse que a iniciativa ainda não ficou boa. Ele e mais quatro petistas foram contra, junto com a bancada do PSOL.
— Pode falar que o salário mínimo continua com ganho real, é verdade, mas com menos. O abono salarial também. E a redução relativa do salário mínimo implica sobre todos os outros, sobre o BPC, sobre a Previdência e assim por diante. São medidas que sequer são aceitas pelo mercado, que quer mais, que diz que é muito pouco. Foi por isso que votei contra — disse Rui Falcão.
Apesar das queixas, o deputado declarou que continua apoiando o governo e que deseja que Lula seja reeleito.
O ex-presidente do PT reclamou ainda do fato de não ter sido enviado ainda o projeto que vai fazer uma reforma no Imposto de Renda, com isenção para quem ganha até R$ 5 mil e que propõe maiores cobranças para quem tem renda superior a R$ 50 mil mensais, incluindo salário, aluguel e dividendos, por exemplo.
— Eu já tinha avisado todo mundo que ia votar contra. Já tinha exposto meus argumentos. Inclusive eles tinham ficado de mandar para cá o projeto do Imposto de Renda, que era para dar discurso para quem quisesse dizer: “Olha, estão tirando daqui, mas estão pondo lá”. Mas não só não veio, como hoje estou vendo nos jornais o (ministro da Fazenda Fernando) Haddad dizendo que vão mandar depois que votar (o pacote fiscal) aqui, até porque isso (reforma do IR) só vai ser votado ano que vem — apontou.
Procurado, o deputado Marcon disse que votou contra a PEC que muda o abono “por convicção política”.
Já a deputada Natália Bonavides disse que não apoia ”propostas que diminuem o poder do governo de mudar a vida de nosso povo”. Ela ainda afirmou que o pacote seria uma agenda relacionada ao governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
— A especulação financeira chantageia o governo para fazer com que ele não dê certo e para sequestrá-lo. Querem fazer com que a agenda que foi derrotada nas urnas seja adotada pelo nosso governo. Ao contrário do que querem, o governo conquistou êxitos colocando em prática o programa eleito nas urnas de garantia de direitos e de combate às desigualdades. Nós precisamos continuar com essa agenda.
Por sua vez, o líder do PT na Câmara, Odair Cunha (MG), disse que ia conversar sobre o assunto internamente na bancada, mas que não daria declaração sobre os votos divergentes.
Além de votar integralmente contra as propostas, o PSOL foi um dos partidos que mais discursou contra o pacote e que tentou trabalhar na opinião pública para desgastar a iniciativa do governo.
O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) chegou a reclamar que o governo demorou meses para terminar o pacote e que, por outro lado, o Congresso teve pouco tempo para discutir as iniciativas.
— Toda a postura do PSOL aqui ontem, e o será hoje, está baseada em dois valores fundamentais para a vida política e para a vida cotidiana: coerência e transparência. Nós achamos que o governo errou profundamente, ficou discutindo três meses, quatro meses o pacote fiscal e a nós restou a celeridade absoluta — disse ele: — Entendemos que, até aqui, o tal ajuste só está fazendo cortes que atingem quem mais precisa de equilíbrio orçamentário e tributário, o povo, os mais de 6 milhões de brasileiros que precisam do Benefício de Prestação Continuada — acrescentou Alencar.