Partidos da base deram oito em cada dez votos para manter o fundão eleitoral em quase R$ 5 bilhões
Destaque apresentado pelo Novo determinava que verba deveria ficar em aproximadamente R$ 900 milhões, mas congressistas sequer apreciaram o mérito da redução
Embora o Congresso tenha aprovado o Orçamento de 2024 com fundo eleitoral de R$ 4,9 bilhões numa votação simbólica, em que não é possível identificar como cada parlamentar se posicionou, a apreciação de um destaque que previa uma redução drástica do fundão revela que a maioria esmagadora dos partidos da base do governo foi favorável à manutenção dos R$ 5 bi para financiar as campanhas do ano que vem. Na outra ponta, o PL, principal legenda da oposição, também teve papel determinante para a aprovação: praticamente metade da bancada votou pelo valor turbinado.
O comportamento dos partidos pode ser observado a partir da análise de um destaque apresentado pelo Novo durante a sessão da última sexta-feira. O texto determinava que o fundo eleitoral deveria ficar em aproximadamente R$ 900 milhões. Os congressistas, contudo, sequer apreciaram o mérito da redução.
A admissibilidade da proposta, submetida à Câmara, foi rejeitada por 355 votos a 101. Somados, PT e as demais siglas que dão sustentação à gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva contribuíram com 298 (84%) desses votos. Já nas fileiras do PL, de Jair Bolsonaro, 39 deputados foram contrários à apreciação do destaque, o que equivale a 46% da bancada que marcou presença na sessão.
O fundão bilionário difere da proposta orçamentária enviada pelo Palácio do Planalto, que destinava R$ 939 milhões para bancar as eleições municipais do ano que vem — em 2020, foram gastos R$ 2,7 bi (valor já corrigido pela inflação). À época da elaboração dessa proposta, nos bastidores, integrantes do governo admitiam que o Executivo estabeleceu um valor que sabia que não passaria, com o objetivo de transferir ao Congresso o ônus político de aprovar um montante que causaria desgaste junto à opinião pública.
No PT, só a deputada Camila Jara (MS) votou a favor do destaque. No PDT, a única que apoiou a derrubada do valor do fundo foi Duda Salabert (MG). Já no PSB, foram três que divergiram da votação do restante da base: Tabata Amaral (SP), Duarte Jr. (MA) e Heitor Schuch (RS). À exceção de Schuch, os outros quatro são pré-candidatos às prefeituras das capitais de seus estados — a posição contrária ao fundão, portanto, pode amenizar um possível impacto negativo junto aos eleitores no ano que vem.
Na ala governista do Centrão, União Brasil, PP e Republicanos tiveram 89% de votos contrários à rediscussão do valor, o equivalente a 125 deputados. Embora ocupem ministérios na Esplanada desde agosto, quando Lula fez mudanças para acomodar as siglas, as cúpulas de Republicanos e PP sustentam que não fazem parte formalmente da base aliada.
Na oposição, deputados como Soraya Santos (RJ) e Bibo Nunes (RS) alinharam-se à base governista na manutenção do valor do fundo. Ambos são do PL, que rachou e entregou quase metade de seus votos contrários ao destaque do Novo.
Alianças improváveis
No plenário, situação e oposição se uniram no discurso em defesa dos quase R$ 5 bilhões para custear o pleito municipal. Líder do PL na Câmara, Altineu Côrtes (RJ) argumentou que o valor de R$ 2,3 bilhões em 2020 se deu em uma situação atípica, de pandemia. Já Zeca Dirceu (PT-SP), que ocupa posto equivalente junto à bancada petista, disse que as receitas do país estão na casa dos trilhões e que o montante de R$ 4,9 bilhões representa apenas uma pequena fração.
"Nós não estamos tirando dinheiro da Saúde, nem da Educação, que tiveram aumento de investimento de R$ 50 bilhões e R$ 20 bilhões (respectivamente). Os recursos do fundo eleitoral saíram das emendas que as bancadas estaduais tinham direito e são essenciais no exercício da democracia. Estamos falando de 0,2% das receitas do país. Por isso é razoável. E as eleições municipais são muito caras e importantes para a democracia", afirmou Zeca.
Apesar do pronunciamento do líder do PT, rubricas como a Farmácia Popular, o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), o Auxílio-Gás e as universidades federais tiveram cortes no orçamento aprovado pelo Congresso em relação ao que o governo enviou.
Habituados a ocupar lados opostos no embate político, PSOL e Novo também experimentaram uma aproximação improvável na votação. A maior parte do partido de esquerda apoiou o destaque apresentado pela legenda de direita, com oito de seus 13 representantes — junto com a Rede, cujo único voto também defendeu o destaque, foram as duas siglas que mais divergiram do restante da base do governo. Na tribuna, Chico Alencar (PSOL-RJ) reforçou o pedido de Adriana Ventura (Novo-SP) pela admissibilidade da redução do fundo eleitoral.
"A proposta original do Executivo para a lei orçamentária em relação ao fundão eleitoral era de R$ 900 milhões. Só que não. Parece que isso não era para valer pelo encaminhamento de parte da base do governo. Parece que Bolsonaro fez a mesma coisa: joga para o parlamento a responsabilidade de chegar a esses valores estratosféricos . Esse valor de R$ 5 bilhões é injustificável, indefensável", criticou o psolista.
Durante os debates, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), foi outro a discursar contra o valor. Ele afirmou ser um defensor do financiamento público de campanha, mas declarou não ver “razoabilidade” no aumento e defendeu apenas o reajuste pela inflação do que foi utilizado em 2020, o que levaria o montante a R$ 2,7 bilhões.
"O valor de R$ 5 bi é o início do fim do financiamento público. Ano que vem estaremos discutindo o retorno do financiamento de pessoas jurídicas em campanhas eleitorais. Não tenho dúvida disso", previu Pacheco.