Partidos de centro agem para ampliar controle de órgãos do governo com orçamento de R$ 8,4 bilhões
A estratégia para inflar as pastas comandadas por partidos aliados conta até mesmo com o lobby de ministros
Com mais de 150 emendas apresentadas, parlamentares de partidos da base vão usar a Medida Provisória que reorganizou a Esplanada dos Ministérios para tentar ampliar seu controle sobre órgãos do governo. O plano é transferir estatais, diretorias e autarquias — ou suas funções — para pastas comandadas pelas siglas. Somadas, as estruturas cobiçadas pelo grupo concentram orçamento de R$ 8,4 bilhões neste ano. Na prática, caso as mudanças sejam aprovadas, nomes indicados pelo União Brasil, PSD e MDB poderão ter a chave do cofre para direcionar esses recursos, além de mais cargos disponíveis para distribuir entre seus apadrinhados.
Após um impasse entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a comissão mista que vai analisar a MP da reestruturação do governo foi instalada na terça-feira. Os principais postos do colegiado ficaram justamente com parlamentares de partidos que reivindicam mais espaço na máquina pública. O presidente do grupo é o senador Davi Alcolumbre (União-AP), o relator é o deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), e o vice-presidente é o deputado Marco Bertaiolli (PSD-SP).
Lobby do ministro
A estratégia para inflar as pastas comandadas por partidos aliados conta até mesmo com o lobby de ministros. Renan Filho, titular dos Transportes, por exemplo, articulou com o líder do seu partido no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), uma emenda para retirar a execução de políticas do setor de hidrovias da alçada do ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França (PSB), e passar para seu guarda-chuva. A área tem orçamento previsto de R$ 1 bilhão apenas em 2023.
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"O que eu estou defendendo não é reserva de poder, nem de mercado, é questão técnica. O Ministério dos Transportes acha que é mais racional assumir essa responsabilidade porque já faz obras do tipo" afirmou o ministro ao GLOBO.
Segundo Renan Filho, a MP que reorganizou a estrutura dos ministérios foi feita de forma apressada e isso justifica a mudança proposta pela emenda de Braga. Procurado, França não se manifestou sobre a possibilidade de sua pasta perder a área de hidrovias.
Outro alvo dos partidos de centro é a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), extinta por Lula no início do ano. O órgão, que tinha orçamento previsto de R$ 2,9 bilhões, é conhecido pelo loteamento político e, até o governo de Jair Bolsonaro, era dominado pelo PSD.
Uma emenda apresentada pelo senador Efraim Filho (União-PB) prevê que parte de suas funções seja incorporada pelo Ministério da Integração Nacional, comandada por Waldez Góes. O ministro foi uma indicação de Alcolumbre, na cota do União Brasil. Outra parcela ficaria sob responsabilidade do Ministério das Cidades, entregue por Lula a Jader Filho, do MDB.
Em outro movimento, parlamentares do PSD tentam manter tudo como está e apresentaram emendas para barrar a extinção da fundação. Hoje na base aliada, a senadora Daniela Ribeiro (PSD-PB) é uma das que tentam reverter a medida. A mãe dela, Virgínia Velloso, é superintendente da Funasa na Paraíba.
A bancada ruralista, formada por partidos de centro e de direita, também quer usar a MP da reorganização da Esplanada para encorpar o Ministério da Agricultura, chefiado por Carlos Fávaro, senador licenciado do PSD. Eles tentam devolver à pasta o controle da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Os dois órgãos foram transferidos para o Ministério do Desenvolvimento Agrário, comandado pelo petista Paulo Teixeira.
O argumento de parlamentares para a mudança é que a Conab tem papel fundamental para o agronegócio, com dados de inteligência para as safras e, por isso, deve estar atrelada à Agricultura. O órgão tem previsto um orçamento de R$ 1,8 bilhão em 2023 — o Incra, por sua vez, terá R$ 2,4 bilhões.
Para evitar perder as estruturas, Teixeira propôs que a gestão da Conab, comandada pelo petista Edegar Pretto, seja compartilhada com ruralistas. O ministro afirmou que a diretoria de operações da companhia foi indicada por Fávaro.
"Já há consenso dentro do governo de compartilhar a Conab. A companhia desempenhará papéis para a agricultura familiar e para o agronegócio" afirmou o ministro.
A bancada ruralista ainda tenta retirar do Ministério do Meio Ambiente o Serviço Florestal, responsável pelo Cadastro Ambiental Rural (CAR), e devolvê-lo à Agricultura, como era no governo anterior.
Em outra frente, o deputado Danilo Forte (União-CE) apresentou emenda que, na prática, esvazia as agências reguladoras e amplia o poder de parlamentares sobre esses órgãos. Atualmente, as agências são responsáveis por criar normas, fiscalizar e julgar seus setores. O texto proposto pelo parlamentar tira a competência regulatória e coloca na mão de conselhos externos, formados por indicações que devem passar pelo Congresso.
A emenda de Danilo tem sido chamada de “jabuti”, jargão legislativo para algo que foge ao tema da MP.
Mudanças ideológicas
Além de tentar ampliar o controle sobre estruturas do governo, parlamentares ruralistas propõem mudanças de cunho ideológico. Emendas apresentadas por parlamentares do MDB e do PP preveem a extinção do inédito Ministério dos Povos Indígenas, criado por Lula no início do ano.
Em nota, a pasta comandada pela ministra Sônia Guajajara critica a intenção dos congressistas e diz que questionar a criação do órgão “é um registro de como os povos originários seguem sendo vítimas de todo o tipo de violência, desde à física ao apagamento social e cultural, como é o sugerido por estas emendas”.