descriminalização

PEC das Drogas "complica mais do que resolve", afirmam especialistas

Juristas da PEC das drogas consideram "preferível" Legislativo decidir sobre quantidade que separa usuário de traficante, mas preveem que texto em análise na Câmara pode ser contestado no STF

PEC das drogasPEC das drogas - Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Considerada uma reação do Legislativo à decisão do Supremo Tribunal Federal ( STF) de descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que considera crime a posse ou porte de entorpecentes é tratada com ressalvas por juristas consultados pelo Globo.

Por um lado, especialistas consideram "preferível" uma iniciativa do Congresso para estabelecer parâmetros que diferenciem usuários de traficantes, algo já abordado pela Corte. Por outro, eles avaliam que a PEC das Drogas, como o projeto ficou conhecido, "complica mais do que resolve".

A decisão do STF nesta quarta-feira fixou a quantidade de "até 40 gramas de Cannabis Sativa ou seis plantas fêmeas" como referência para caracterizar o porte de maconha para uso pessoal. A Corte estabeleceu esse parâmetro "até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito".

Na véspera, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), havia autorizado a criação de uma comissão especial para analisar a PEC das Drogas, dando um novo passo na tramitação do projeto.

A PEC, apresentada no ano passado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), inclui um novo trecho no artigo 5º da Constituição -- que trata de direitos individuais -- para considerar crime "a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins".

"Esta PEC vai complicar mais do que resolver. A distinção no que se refere à quantidade é fundamental, porque o usuário precisa ser tratado como alguém que pode ter dependência, ou seja, como uma questão de saúde pública. Hoje, como a legislação faz uma linha tênue, o que ocorre na prática é o encarceramento de diversas pessoas que não deveriam ser presas" avaliou o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo.

A Lei Antidrogas, sancionada em 2006, diz que o juiz deve considerar a "quantidade da substância apreendida", sem estabelecer um valor que diferencie usuário e traficante, além de se atentar "ao local e às condições" em que ocorreu a apreensão. Também leva em conta "circunstâncias sociais e pessoais" e os antecedentes do indivíduo.

Na prática, a PEC das Drogas reforça o entendimento da legislação atual, já que orienta que a distinção entre usuário e traficante siga as "circunstâncias fáticas do caso concreto".

O texto apresentado por Pacheco, e já aprovado pelo Senado, ainda prevê ao usuário "penas alternativas à prisão e tratamento contra dependência", o que também é estipulado na lei de 2006.

"É extremamente legítimo estabelecer um critério objetivo para diferenciar usuário de traficante. Sem dúvida, seria preferível que fosse uma definição do Legislativo, até para garantir maior uniformidade. Só que a PEC parece visar mais uma resposta ao STF do que algum efeito prático, porque repete o que está hoje na legislação, que não faz essa diferenciação" afirmou a especialista em Direito Penal Beatriz Alaia Colin, pós-graduada em Processo Penal pela Universidade de Coimbra.

A decisão do Supremo diferencia usuários de maconha de pessoas flagradas com outros tipos de substâncias ilícitas. No caso das demais drogas, a Corte manteve a natureza criminal da legislação atual. Embora só preveja prisão para traficantes, a Lei Antidrogas submete todos os usuários a sanções de natureza penal, como prestação de serviços comunitários, além de afetar a condição de réu primário.

"Se tem natureza penal, fica nos antecedentes criminais da pessoa. Então o indivíduo perde a condição de réu primário, e nesse caso por um crime doloso. Se ele comete um fato posterior, poderia ser declarado reincidente, e aí teria tratamento mais gravoso" explicou Daniel Raizman, especialista em Direito Penal e professor da UFF.

No caso do porte de maconha, embora tenha descriminalizado o porte para uso pessoal e estabelecido o parâmetro de 40 gramas em caráter transitório, o Supremo frisou que esta não se trata de uma regra isolada para diferenciar usuário de traficante.

A decisão da Corte também exige que se levem em conta “elementos indicativos do intuito” de comercialização da droga.

O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, exemplificou na sessão desta quarta-feira que cada juiz, ao analisar casos específicos, poderá considerar "tráfico com menos, e porte para uso pessoal com mais" do que o peso estipulado.

A tese fixada pelo Supremo também proibiu a adoção de "critérios subjetivos arbitrários", por parte da autoridade policial, para enquadrar alguém como traficante.

A versão proposta pelo relator, ministro Gilmar Mendes, chegava a detalhar quais seriam esses critérios, mas o trecho acabou suprimido por haver divergências entre os ministros.

Para juristas consultados pelo Globo, as lacunas ainda deixadas pela decisão do Supremo reforçam a importância de uma legislação mais ampla sobre o tema. A PEC das Drogas, contudo, não só reverteria a definição do parâmetro básico que separa usuário de traficante, como também é passível de contestação no próprio STF.

No julgamento em que descriminalizou o porte de maconha para uso pessoal, a maioria dos ministros da Corte entendeu que seria inconstitucional tratar o usuário desta substância como alguém que comete um crime, tomando por base o artigo 5º da Constituição -- o mesmo que a PEC pretende mexer. Para o ex-ministro José Luiz Cardoso, há a possibilidade de que a Corte considere a PEC inconstitucional, se entender que ela viola uma cláusula pétrea.

"O artigo 5º da Constituição trata de alguns crimes inafiançáveis e imprescritíveis, como racismo e tortura. Acrescentar nele um trecho sobre usuários de drogas, como pretende a PEC, seria quase compará-los a essas práticas" completou a advogada Beatriz Colin.

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