PF diz que Milton Ribeiro cometeu 'façanha criminosa' e atuou no governo para a prática de corrupção
Transações financeiras suspeitas envolvendo mulher do ministro, assessor do MEC e genro de pastor fundamentaram as prisões cumpridas na quarta-feira (22)
A Polícia Federal apontou à Justiça Federal que o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro cometeu uma "façanha criminosa" em conjunto com os pastores lobistas Arilton Moura e Gilmar Santos, atuando dentro do governo para a suposta prática de crimes contra a administração pública. No documento, os investigadores citam corrupção passiva privilegiada, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência. Por isso, a PF solicitou a prisão preventiva deles e de outros duas pessoas.
Ribeiro e os dois pastores foram presos nesta quarta-feira (22) pela PF, durante a operação batizada de Acesso Pago, que investiga o caso. Eles foram liberados nesta quinta-feira, após habeas corpus concedido pelo desemabargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
A defesa do ex-ministro nega qualquer irregularidade e diz que a prisão não tinha justificativa, porque Ribeiro não exerce mais influência no governo federal e tem bons antecedentes criminais.
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A investigação detectou transações financeiras suspeitas da mulher do ex-ministro, Myriam Ribeiro, do ex-assessor do Ministério da Educação Luciano Musse e do genro do pastor Moura, Helder Bartolomeu. Musse e Bartolomeu também foram presos, por suspeita de terem recebido propina dentro do esquema.
"As camadas de atuação são perceptíveis e individualizam perfeitamente as condutas, sendo o ex-ministro da Educação quem conferia o prestígio da administração pública federal à atuação dos pastores Gilmar e Arilton, conferindo aos mesmos honrarias e destaque na atuação pública da pasta, até mesmo, internamente, nas dependências da sede do Ministério da Educação, e, sobretudo, nos eventos onde os pastores faziam parte do dispositivo cerimonial", escreveu a PF.
Ao solicitar as prisões preventivas dos cinco alvos, a PF diz: "Os fatos acima informados não deixam dúvidas da façanha criminosa de Milton, Gilmar, Arilton, Helder e Luciano, ao utilizarem o prestígio da administração pública federal para a suposta prática dos crimes".
O juiz Renato Borelli, da 15ª Vara Federal do DF, autorizou as prisões e apontou risco de destruição de provas caso eles permanecessem em liberdade. O juiz escreveu que a influência política dos alvos "lhes possibilita proceder de forma a interferir na produção, destruição ou mesmo ocultação de provas que podem ser úteis ao esclarecimento de toda a trama delitiva".
A investigação cita três indícios de pagamentos de propina. Um deles foi a venda de um veículo Kia Sportage pela mulher do ex-ministro, Myriam Ribeiro, para a filha de Moura, pelo valor de R$ 60 mil. Outros dois se referem a transferências bancárias de R$ 20 mil a Musse e de R$ 30 mil a Bartolomeu. Segundo a PF, esses pagamentos foram feitos por solicitação de Moura a título de propina.
Os investigadores indicaram que o pastor Arilton Moura pediu R$ 100 mil para viabilizar um evento do MEC em Nova Odessa, em São Paulo. A cerimônia acabou acontecendo em agosto do ano passado. Nesse contexto, teria sido feito o depósito de R$ 20 mil a Musse.
A investigação aponta que a mulher de Milton Ribeiro vendeu um carro para a filha do pastor Arilton Moura, Victoria Camacy, após as denúncias. De acordo com a PF, o fato contraria as alegações de Milton Ribeiro de que adotou postura de distanciamento do religioso.
O Ministério Público Federal apontou ainda que os policiais identificaram que o então ministro da Educação deu respaldo aos crimes que teriam sido cometidos na pasta.
"Com efeito, as provas colhidas e já documentadas apontam para a prática dos crimes de corrupção ativa, tráfico de influência, prevaricação e advocacia administrativa, todos em contexto de Organização Criminosa. Como bem apontado pela Autoridade Policial, os crimes ora investigados foram praticados no âmbito do Ministério da Educação, ao que tudo indica, com o respaldo do então Chefe da Pasta - Milton Ribeiro", diz a manifestação assinada pela procuradora Carolina Martins Miranda de Oliveira.
'Acesso Pago'
A operação de ontem, batizada de “Acesso Pago”, foi autorizada pelo juiz federal Renato Borelli, da 15ª Vara Federal do Distrito Federal, e apura crimes de corrupção passiva (que tem pena prevista de dois a doze anos de prisão), tráfico de influência (dois a quatro anos), prevaricação (três meses a um ano) e advocacia administrativa (um a três meses). A investigação teve início no Supremo Tribunal Federal (STF), mas foi enviada à primeira instância depois que Ribeiro deixou o cargo de ministro.
A atuação dos pastores na pasta foi revelada em março, pelo jornal O Estado de S.Paulo, que mostrou como os religiosos prometiam a prefeitos facilitar a liberação de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) em troca de propina.
Prefeitos abordados pela dupla admitiram ao GLOBO que os pastores cobravam propina até mesmo por meio da compra de Bíblias. Em um áudio revelado pelo jornal “Folha de S. Paulo”, na época em que o caso foi divulgado, Ribeiro afirma que a prioridade dada a Santos e Moura foi um pedido do próprio presidente. Em depoimento dado à PF no dia 31 de março, o ex-ministro confirmou que Bolsonaro pediu que ele recebesse Santos.
Como revelou o Globo em abril, os pastores tinham amplo acesso à cúpula do governo. Moura esteve 35 vezes no Palácio do Planalto desde o início do governo Bolsonaro, enquanto Santos foi à sede do Executivo dez vezes no mesmo período.