PF lista trajetória do clã Brazão, com ameaças, evolução patrimonial e suspeitas de corrupção
Irmãos Chiquinho e Domingos foram presos sob suspeita de serem os mandantes do assassinato da vereadora
A Polícia Federal destacou em relatório final da investigação dos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes informações acerca da história da família do deputado federal Chiquinho Brazão e do irmão dele e conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE), Domingos Brazão, presos por suspeita de serem os mandantes do duplo homicídio.
Segundo a PF, a “controversa trajetória” da família tem como personagem central Domingos Brazão, o mais novo dos seis irmãos. Após uma infância modesta, Domingos e a família conseguiram crescer financeiramente em diferentes segmentos, como automobilístico, imobiliário, de combustíveis e alimentício, “registrando um crescimento significativo especialmente após seu ingresso na política”.
Domingos começou a carreira política como assessor na Câmara do Rio de Janeiro, na década de 90, e não obteve sucesso na primeira vez que disputou um cargo eletivo, quando foi candidato a deputado estadual. Dois anos depois, no entanto, se elegeu a vereador e depois conseguiu se eleger a deputado. Em 2015, ele foi indicado para o TCE, o que, segundo a PF, “aumentou seu cacife político, com poder sobre a prestação de contas do chefe do Executivo do Estado do Rio de Janeiro bem como dos chefes dos Executivos municipais” do RJ.
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Quando era deputado estadual, Domingos integrou uma Comissão Parlamentar de Inquérito que foi acusada de extorquir um banco, com suspeita de que o dinheiro seria distribuído entre os integrantes da comissão.
Pouco depois, em 2004, a PF deflagrou uma operação que apontava o envolvimento de empresários e servidores em um esquema de adulteração de combustíveis. Na ocasião, um dos acusados era um empresário que já havia sido lotado no gabinete de Domingos na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), além de ter sido doador de campanha de Chiquinho.
Domingos também teve o nome envolvido em investigação sobre esquema de liberação de licenças na Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema). Um dos pontos da denúncia era o depoimento de um testemunha que havia relatado extorsões de policiais rodoviários federais e civis, dentre os quais um deles foi citado pela testemunha como sendo “uma interposta pessoa de Brazão”.
Nesse escândalo, vieram à tona gravações do então deputado federal André Luiz Lopes da Silva nas quais ele mencionava a participação de outros parlamentares no esquema, citando Domingos Frazão. O deputado André Luiz foi cassado e, após perder o mandato, foi nomeado assessor do gabinete do então vereador Chiquinho Brazão.
Evolução patrimonial
No relatório, a PF ressaltou ainda a evolução patrimonial de Domingos Brazão e sua família, pontuando que o caso é “o exemplo dos muitos casos de sucesso no cotidiano brasileiro que misturam o ingresso na política com uma ascensão patrimonial vertiginosa". Conforme a polícia, analisando as declarações patrimoniais entregues à Justiça Eleitoral, só Domingos registrou um crescimento de 2.300% entre 2002 e 2010.
Ameaça
Outro ponto citado pela PF é uma ameaça feita por Brazão contra a então deputada estadual Cidinha Campos. Em 2014, os dois discutiam no plenário da Alerj, quando, após ser chamada de “vagabunda e puta”, a deputada retrucou:
"É melhor ser puta do que matador e ladrão."
Domingos, por sua vez, respondeu:
– Mando matar vagabundo mesmo. Sempre mandei. Mas vagabundo. Vagabunda ainda não mandei matar.
Segundo a polícia, esta não foi a única ameaça feita por Domingos “em face de uma pessoa pública”.
Aparelhamento de órgãos estatais
A Polícia Federal destacou que “o clã Brazão faz uso de um centro social” cujo objetivo era “promover ações de caráter eleitoreiro junto ao seu curral político”. Em 2010, uma ação de fiscalização do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) constatou milhares de cestas básicas e amostras grátis de remédios na sede do local junto com camisetas contendo o nome Brazão, além de receituários contendo o nome da família como marca d’água.
A PF destacou também uma reportagem feita pelo O Globo em setembro de 2006 que denunciou uma situação envolvendo concessão do benefício de redução da tarifa de utilização de água pela Companhia de Desenvolvimento de Águas e Esgoto (Cedae). O projeto era destinado a famílias carentes, mas estava sendo implementando em condomínios de classe média. Em contrapartida, esses condomínios tinham que expor placas de propaganda eleitoral dos Brazão.
“O líder do Clã Brazão, Domingos Brazão, esteve ao longo dos anos envolto em uma névoa criminal nunca dissipada em razão das relações político-estatais por ele construídas. Cercou-se de policiais, parlamentares, políticos, conselheiros dos Tribunais de Contas e líderes de organizações criminosas, notadamente aquelas que exploram atividades típicas de milícias”, ressaltou a PF em relatório.
Operação Quinto do Ouro
A PF também cita a operação Quinto do Ouro, quando Brazão e outros conselheiros do TCE-RJ foram presos no curso de uma investigação sobre um suposto esquema de corrupção envolvendo membros do Tribunal e da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).
De acordo com a PF, os membros do TCE/RJ recebiam 15% dos valores liberados pelo Fundo de Modernização do Tribunal para pagamentos de "faturas vencidas de fornecedores de alimentação para presos e adolescentes submetidos a medidas de internação, além de favorecer as empresas de transporte em atos de fiscalização da Corte".