PL de Bolsonaro foi mais decisivo para avançar com arcabouço fiscal do que PSOL e Rede
Um terço dos deputados da principal legenda de oposição endossou a tramitação em urgência do texto, irritando a militância alinhada ao ex-presidente
Partido do ex-presidente Jair Bolsonaro e dono da maior bancada da Câmara, o PL ajudou mais o governo a aprovar a urgência do arcabouço fiscal, pauta prioritária do Palácio do Planalto, do que Rede e PSOL, que comandam ministérios.
Um terço dos deputados da principal legenda de oposição endossou o avanço do texto, irritando a militância bolsonarista, o que já levou a cúpula da sigla a atuar para conter fissuras. No caso do PSOL, em que todos os parlamentares foram contra a proposta, também há reflexos: uma ala do PT considera que a traição em massa pode ameaçar a promessa de apoio ao deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP) na corrida pela prefeitura de São Paulo no ano que vem.
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As duas votações mais relevantes no Congresso até agora tiveram resultados distintos para o Planalto: evidenciaram que o tamanho restrito da base demandará negociações caso a caso, mas indicaram um possível caminho para a articulação política. Além da urgência para apreciação do arcabouço, a Câmara votou — e derrubou — decretos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que alterariam o marco do saneamento, aplicando uma derrota ao petista. Um levantamento do GLOBO com base nos dois resultados mostra que 191 deputados, ou 37% do total, apoiaram as novas regras de gastos após terem ido contra os interesses do Executivo nas mudanças no saneamento, sinalizando que há margem de negociação com o governo.
— Nenhum deputado é obrigado a votar do jeito que o governo quer. A cada votação você tem que conversar com todos — disse Lula na semana passada.
Centrão e bolsonarismo
No caso do partido de Bolsonaro, foram 29 votos favoráveis a acelerar a tramitação do arcabouço e 59 contrários — o patamar de um terço de aprovação foi considerado alto na Câmara para uma sigla que se opõe a Lula e cuja liderança orientou o voto “não”. Há um grupo do PL que se identifica mais com o Centrão, ala conhecida pelo pragmatismo político do que por posicionamentos ideológicos, do que com a extrema-direita e não esconde que votará com o Planalto sempre que concordar com as propostas.
O deputado Yury do Paredão (PL-CE), por exemplo, foi atacado por bolsonaristas nas redes sociais e chamado de traidor. Mas Luiz Carlos Motta (PL-SP), outro a votar favoravelmente à urgência, negou que o partido tenha feito cobranças.
— Nossa bancada é muito grande. É difícil ter unidade. O partido vai cobrar união nas pautas da direita conservadora, como as de costumes. Mas muitos acharam que as modificações no texto do arcabouço foram satisfatórias e precisamos ter respeito pelos mandatos. Não é o caso de fecharmos questão — afirmou ao Globo o líder do PL na Câmara, Altineu Côrtes (RJ).
A federação que une PSOL e Rede, por sua vez, apresentou 12 votos contra e nenhum a favor. O posicionamento irritou petistas, mas não surpreendeu integrantes da equipe econômica que, sob reserva, afirmam que a legenda “não tem vocação para governar nem conciliar”.
Lideranças do PT afirmam que a aliança para lançar Boulos à prefeitura de São Paulo em 2024 pode estar sob risco se a legenda insistir no voto contra o arcabouço fiscal também no mérito. Diante do mal-estar, um petista ainda lembou que na mesma semana em que o atual prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes (MDB), fez um gesto de apoio à reforma tributária, Boulos votou contra a urgência do principal projeto do governo até agora.
— A atuação no Congresso não está diretamente atrelada a acordos eleitorais, mas acho que se Boulos votar contra a proposta do regime fiscal sustentável, ele perde uma oportunidade de se apresentar como uma liderança que dialoga ao centro — disse o deputado federal Kiko Celeguim (SP), presidente do PT no estado de São Paulo.
Já o presidente do PSOL, Juliano Medeiros, minimizou os impactos políticos do posicionamento na Câmara:
— Não acredito que uma votação seja suficiente para comprometer eventuais alianças em 2024. Ninguém vai votar sempre junto, isso faz parte da dinâmica do Parlamento. A bancada do PSOL gostaria de ter mais tempo para discutir propostas ao texto.
O levantamento com base nas duas votações mostra que há ainda 118 congressistas que votaram ao lado do Planalto em ambos os casos — os integrantes do “núcleo duro” estão em patamar ainda distante do necessário para a formação da maioria absoluta demandada por certos tipos de projetos. Por outro lado, 82 parlamentares se posicionaram contra o governo nas duas ocasiões, indício de que as portas estão fechadas nesse grupo.
A análise considerou os 401 deputados que votaram nas duas matérias. Existe também um grupo formado por dez integrantes de PSOL e Rede que foram a favor das alterações no saneamento e contra o marco fiscal, sentido inverso da maioria.
Risco de derrotas
As duas votações tiveram eixos distintos. No marco do saneamento, a tentativa do governo de mudar via decreto um tema aprovado em lei pelo Congresso gerou reações contrárias e uma derrota expressiva. Já em relação ao marco fiscal, a necessidade de uma regra que substitua o teto de gastos é defendida de maneira suprapartidária, ampliando o arco do governo — hipótese mais fácil de se repetir em temas econômicos, como a reforma tributária, do que em assuntos que envolvam costumes.
Desde o início do mandato de Lula, o Planalto tem se esforçado em construir uma base aliada mais sólida com a qual possa contar em votações de seu interesse. Os dados revelam que os partidos de centro que têm ministérios, casos de MDB, PSD e União Brasil, simbolizam, ao mesmo tempo, a dificuldade, já que tiveram peso decisivo na derrota do saneamento, e oportunidade de abertura de espaços — 79 integrantes desse conjunto de legendas apoiaram o Planalto ao menos uma vez.
No Centrão, o PP, do presidente da Câmara, Arthur Lira (AL), recompensou o Planalto com 34 votos em uma das oportunidades. No Republicanos, que também se declara independente, há 31 deputados com alguma inclinação favorável ao Executivo. O desenho tem potencial de ser decisivo, já que há novas possíveis derrotas à vista, como no caso do marco temporal das terras indígenas e na restruturação da Esplanada dos Ministérios. Há um movimento que envolve até mesmo partidos da base que miram um esvaziamento do poder de petistas, repassando, por exemplo, atribuições da Casa Civil, chefiada por Rui Costa (PT), para o Planejamento, que tem a emedebista Simone Tebet no comando.