Planalto vê arbitrariedade em prisão de ex-diretor da Saúde e torce por racha na CPI da Covid
Auxiliares do presidente Jair Bolsonaro consideraram uma arbitrariedade a prisão do ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias, nesta quarta-feira (7), durante depoimento na CPI da Covid no Senado.
Para eles, a decisão do presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM), pode enfraquecer o grupo de oposicionistas e independentes que hoje controla a comissão.
Logo após a prisão de Dias, exonerado do cargo do governo de Jair Bolsonaro na semana passada após denúncia de pedido de propina revelada pela Folha de S.Paulo, interlocutores no Planalto afirmaram que o ato foi desmedido e acusaram Aziz de usar politicamente de uma das prerrogativas do presidente da CPI.
Na audiência, Aziz afirmou que o depoente mentiu em diversos pontos de sua fala e por isso determinou que a Polícia Legislativa recolhesse o ex-diretor do ministério.
"Ele está mentindo desde a manhã, dei chance para ele o tempo todo. Pedi por favor, pedi várias vezes. E tem coisas que não dá para... Os áudios que nós temos do [Luiz Paulo] Dominghetti [vendedor de vacinas] são claros", afirmou Aziz. "Ele vai estar detido agora pelo Brasil, pelas vítimas que morreram."
Ao justificar a ordem de prisão, Aziz citou áudios revelados pela CNN Brasil que contradizem a versão do ex-diretor sobre o encontro com o policial militar Luiz Paulo Dominghetti Pereira, representante da empresa Davati Medical Supply.
Dominghetti disse à Folha de S.Paulo que o então diretor de Logística da Saúde cobrou propina de US$ 1 por dose em um jantar em um restaurante de Brasília, em 25 de fevereiro deste ano. A negociação envolveria 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca contra a Covid.
Apresentados na CPI, os áudios são de 23 de fevereiro, dois dias antes do jantar. No áudio, Dominghetti afirma a um interlocutor que "a compra vai acontecer", o processo está "na fase burocrática" e Dias irá assinar. Ele ainda afirma que faria reunião no dia 25 -data do jantar-, para "finalizar com o ministério".
Após a prisão, ministros de Bolsonaro reconheceram reservadamente que outros depoentes também entraram em contradição na CPI, mas não foram presos. Por isso, o espanto com a decisão do presidente do colegiado.
No entanto, eles comemoraram o fato de a prisão não ter recebido o respaldo de todos os senadores do chamado G6 -grupo de seis senadores independentes e da oposição. A comissão é formada por 11 titulares.
A torcida no Planalto é que a divisão marque um racha no grupo. A expectativa deles é que a ala majoritária da CPI perca força e enfrente novas dificuldades de coordenação, beneficiando o governo.
Mesmo senadores independentes e oposicionistas criticaram publicamente a prisão.
Alessandro Vieira (Cidadania-SE) disse que seria inconsistente com decisões anteriores, quando Aziz indeferiu pedidos de prisão. "A gente não colocou um general que estava mentindo na cadeia, a gente não colocou um [Fabio] Wajngarten", disse.
Otto Alencar (PSD-BA) também afirmou que Dias "não foi o primeiro que mentiu" e pediu reconsideração da decisão. "[Eduardo] Pazuello mentiu, Elcio [Franco] mentiu, Wajngarten mentiu. Todo mundo mentiu", disse o senador baiano.
O balanço de forças na CPI já sofreu alteração recentemente. O senador Eduardo Braga (MDB-AM) distanciou-se nas últimas semanas da ala majoritária, tanto que o grupo antes era apelidado de G7.
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Assessores palacianos também querem analisar como um eventual racha seria percebido na população que acompanha os trabalhos da comissão. Eles opinam que uma atuação menos coesa dos oposicionistas e independentes tende a dar algum respiro ao governo na opinião pública.
Sobre os efeitos que a prisão desta quarta-feira terá sobre os próximos depoimentos, eles ainda avaliam a situação.
Do mesmo jeito que pode haver uma corrida de depoentes à Justiça por alguma medida protetiva contra uma ordem de prisão semelhante, por outro lado há o risco de que quem não consiga a salvaguarda sinta-se mais pressionado ao responder os questionamentos dos congressistas -o que pode, em última instância, comprometer o Planalto.
Somente após essa avaliação é que o governo vai decidir se será necessário fazer mudanças na estratégia na CPI. Ainda na semana passada, auxiliares reclamavam da falta de estratégia e discurso do Executivo, o que dificulta a atuação dos aliados no colegiado.
LACUNAS NO DEPOIMENTO DE DIAS
JANTAR E PROPINA
O ex-diretor da Saúde confirmou que ocorreu um jantar em um restaurante de Brasília no dia 25 de fevereiro com o policial militar que prometia a venda de 400 milhões de vacinas, mas disse que não o conhecia, e que o encontro ocorreu por acaso. Dias negou ter pedido propina neste dia. Ele reconheceu, porém, que o seu ex-assessor e coronel da reserva Marcelo Blanco, que acompanhava Dominghetti no jantar, sabia que ele estava no restaurante.
ÁUDIO
Em mensagem por áudio veiculada durante a sessão da CPI, obtida do celular de Dominghetti, que foi apreendido, o PM afirma a um interlocutor que teria uma reunião com Dias no dia 25 de fevereiro, o dia do jantar no restaurante de Brasília. O ex-dirigente da Saúde manteve a afirmação de que não marcou encontro com o PM de Minas e que o encontro foi casual.
NEGOCIAÇÃO PARALELA
Apesar de afirmar que não tinha a função de negociar vacinas, responsabilidade atribuída por ele à Secretaria-Executiva da Saúde, área dominada por militares, Dias reconhece que conversou até por WhatsApp com um representante da Davati dias antes do jantar. A Folha mostrou que o ex-diretor procurou por WhatsApp Cristiano Carvalho, representante da empresa, em 3 de fevereiro para perguntar sobre a oferta das doses. Ele alegou à CPI que não estava negociando vacinas, mas apenas checando se a proposta era verdadeira.
OFERTA
Dias também disse que soube da oferta de 400 milhões de doses a partir de Blanco, o mesmo ex-colega que levou Dominghetti ao jantar. Disse que recebeu em outra data o reverendo Amilton Gomes de Paula, que também tentava intermediar o negócio com a Davati, mas não deu detalhes sobre quem pediu a reunião.
HIERARQUIA
Dias afirmou que, por falta de documentos da Davati, não repassou as propostas ao então secretário-executivo da Saúde, coronel da reserva Elcio Franco, apesar de ordem interna para centralizar as discussões sobre vacinas para a Covid-19 na área comandada pelo ex-braço direito de Pazuello.
RELAÇÃO COM MILITARES
Dias sinalizou aos senadores que sofreu interferências da Secretaria-Executiva, ou seja, de militares aliados a Pazuello. Ele relatou que dois de seus auxiliares foram trocados por militares, e que havia "contato direto" muitas vezes entre estes novos colegas com a cúpula da pasta. Dias, porém, disse desconhecer as razões das exonerações dos seus auxiliares ou de quem partiu esta ordem.
EXONERAÇÃO
O ex-diretor também disse desconhecer que ele mesmo foi alvo de um pedido de demissão movido pelo ex-ministro Pazuello. Senadores insistiram no depoimento para que Dias apontasse nomes de militares da cúpula da Saúde que trabalharam para supostamente esvaziar as suas funções na Diretoria de Logística