Presidente da COP30 diz que ausência dos EUA aumenta desafios para consenso
Embaixador diz que conferência em Belém terá como desafio encontrar soluções para financiar medidas de combate ao aquecimento global
Desde que foi anunciado como presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago vem se reunindo com os ministros de Luiz Inácio Lula da Silva para ouvir o que pensam sobre a conferência. A Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 será realizada em Belém (PA) de 10 a 21 de novembro deste ano.
Ele considera o Ministério da Fazenda e o Banco Central, por exemplo, como "absolutamente centrais" na discussão sobre recursos para financiar medidas para o combate aquecimento global. O desafio, porém, será superar a possível ausências dos Estados Unidos, após o presidente Donald Trump anunciar a saída do Acordo de Paris.
Na COP29, no Azerbaijão, falou-se em US$ 1,3 trilhão por ano, para que os países em desenvolvimento pudessem adotar medidas para minimizar os efeitos do aquecimento global. Saiu uma cifra infinitamente menor, de US$ 300 bilhões, que nem estão garantidos. O que o Brasil pode fazer sobre isso?
Havia uma expectativa em Baku que houvesse um grande progresso com relação aos US$ 100 bilhões anuais que haviam sido decididos lá atrás, em Copenhague, e que seria de 2020 a 2025. Esse valor nunca chegou a ser o que se esperava. O documento final (da conferência de Baku) fala em US$ 300 bilhões, podendo chegar a US$ 1,3 trilhão, o que gerou muita decepção. Temos o mandato de tentar conseguir estabelecer uma forma de obter US$ 1,3 trilhão. Temos de convencer os países e o setor privado também.
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Nas duas COPs anteriores, os EUA estavam e, mesmo assim, não se conseguiu chegar a algo mais ambicioso. Por que pensar que é possível ter algum êxito, se Donald Trump tirou o país do Acordo de Paris?
Realmente, se com os EUA, que tinham um governo que queria combater a mudança do clima e claramente estava envolvido nessa agenda, só se conseguiu US$ 300 bilhões, como a gente terá mais durante este ano, para apresentar uma fórmula? Será uma coisa extremamente desafiadora. As soluções financeiras serão buscadas em todos os lugares, inclusive de setores empresarias. É um desafio enorme.
O mundo fica mais difícil sem os EUA?
Sem o governo americano, mas não necessariamente empresas e bancos.
Há expectativa de o governo dos EUA participar da COP30?
Pelo Acordo de Paris, o país que estiver de saída deve esperar um ano para deixar o acordo. Em princípio, é cumprir com as determinações do Acordo de Paris. Depois disso, os EUA não precisam nem mais irem às reuniões.
Os EUA poderiam simplesmente ignorar, ou fazer como o presidente argentino, Javier Milei, que tirou sua delegação da COP 29, em Baku?
Os EUA não fazem parte de várias convenções internacionais, como a de Biodiversidade, e organismos da ONU e agora a OMS. Os EUA têm uma posição muito firme quando acham que um organismo internacional não o está favorecendo. Acho que, em diplomacia, quando você quer manifestar que não quer se envolver numa coisa, manda uma representação em nível mais baixo.
Existe o risco de o Brasil não conseguir costurar uma declaração final na COP 30?
Como é consenso, é um risco constante. Porque consenso significa, de certa forma, que todos têm poder de veto. Mesmo uma pequena ilha pode bloquear uma negociação de mudança do clima.
Quais os outros acordos que o senhor vai costurar, além dessa questão financeira?
Houve a decisão de triplicar do ponto de vista mundial as energias renováveis, duplicar a eficiência energética. Tudo isso já foi decidido. Mas há frustração. Até o próprio presidente Lula já mencionou “Poxa, a gente toma tantas decisões e essas decisões não são cumpridas”. Então, acho que a gente vai concentrar muito esforço em mostrar que é possível cumprir todas essas decisões.
Como?
Os exemplos do Brasil são extremamente importantes. Aliás, no caso do desmatamento, o exemplo está sendo muito impressionante. Mas acho que tem de haver um consenso em torno. Há esse esforço de implementar aquilo que foi decidido.
Menos metas e mais ação?
Exatamente. Quer dizer menos novas metas e mais formas de executar o que está na mesa. E o que já está na mesa é imenso.
O senhor falou sobre a importância do exemplo do Brasil. Há debate em curso sobre se o país deve explorar petróleo na Foz do Amazonas. Essa decisão deveria ficar para depois da COP?
É um debate extremamente importante no Brasil, mas é uma decisão brasileira. É uma decisão soberana do Brasil de ir em uma direção, em outra ou encontrar um meio termo. O importante é que se tenha um debate, porque o que estamos vendo são pessoas totalmente a favor ou pessoas totalmente contra. O ideal é que chegássemos na COP já com um encaminhamento desse tema ou com, pelo menos, com uma grande maturidade.
Tem de haver consenso interno antes da COP?
Exatamente. A decisão do Brasil de fazer não depende de acordos internacionais. É uma decisão soberana do país. Precisamos chegar na COP pelo menos com uma discussão racional. Acho que acho não seria bom a gente ter esse debate no meio da COP.
E qual a visão do senhor sobre a exploração na Foz do Amazonas?
A minha opinião agora é bastante irrelevante.
A escolha do senhor para presidir a COP foi muito celebrada pela bancada ruralista. O que isso pode significar para a condução das negociações?
É muito importante saber que a Convenção do Clima não está tratando do tema de agricultura. As obrigações são por país. Cada um escolhe quais são os setores que vão reduzir ou vão aumentar. O desmatamento no Basil é esmagadoramente ilegal. A
esmagadora maioria do agro brasileiro tem um padrão internacional elevadíssimo. Infelizmente, o ilegal contamina o legal e ,como o Brasil se tornou uma grande potência exportadora de alimentos, é óbvio que a concorrência mundial adora explorar os casos específicos que podem ser descobertos.
É factível cumprir a meta de acabar com o desmatamento ilegal no Brasill até 2030?
Acho que sim. É muito impressionante o que está sendo feito. E há uma convicção muito grande de todos os setores da economia de que esse desmatamento não gera nada para o PIB brasileiro. É uma perda inclusive reputacional para o país, porque a primeira coisa que você vai ouvir no exterior é “vocês estão destruindo a Amazônia”, como se fosse uma política nacional. Não, é uma ilegalidade e, como tal, nós temos obrigação de fazer cumprir a lei. A redução de desmatamento no Brasil faz com que o sejamos o país que mais está reduzindo suas emissões de longe.